8
View
Open Access Peer-Reviewed|
EDITORIAL

Ressonância magnética sem contraste na estratificação de risco de massas anexiais indeterminadas: solução viável diante de limitações clínicas?

Unenhanced magnetic resonance imaging in the risk stratification of indeterminate adnexal masses: a viable solution in the face of clinical limitations?

Luis Ronan Marquez Ferreira de Souza1,a; Cecilia Vidal de Souza Torres2,b

DOI: 10.1590/0100-3984.2025.58.e1
e1
Publicado em: 25 de Julho de 2025

A avaliação de massas anexiais permanece um desafio clínico relevante, especialmente diante da possibilidade de malignidade. O câncer de ovário, ainda hoje o tumor ginecológico mais letal, frequentemente apresenta sintomas inespecíficos ou ausentes em fases iniciais, resultando em diagnóstico tardio e pior prognóstico(1). Nesse contexto, a estratificação precisa do risco de malignidade é fundamental para orientar condutas, evitar cirurgias desnecessárias e priorizar pacientes de maior risco. A ultrassonografia transvaginal, como método de triagem de primeira linha, é altamente sensível para caracterização de muitas lesões ovarianas e, muitas vezes, o único método necessário. No entanto, até 25% das massas permanecem indeterminadas na ultrassonografia, e a ressonância magnética (RM) surge como ferramenta fundamental nesses casos, especialmente quando aplicada com protocolos estruturados e respaldados por sistemas de classificação como o O-RADS MRI(2,3), aumentando a especificidade. Além disso, a opção de biópsia percutânea para tais lesões é frequentemente descartada, em razão do risco associado de disseminação de células tumorais e da possibilidade de erro de amostragem. Contudo, o uso de contraste intravenoso é uma exigência técnica do O-RADS MRI(4), o que limita sua aplicabilidade em pacientes com contraindicações ao gadolínio ou em ambientes com restrições de recursos.

O estudo conduzido por Moradi et al.(5), recentemente publicado na Radiologia Brasileira, representa uma contribuição. Os autores exploram a viabilidade diagnóstica de um protocolo de RM sem contraste para a avaliação de massas anexiais indeterminadas na ultrassonografia. Em um estudo retrospectivo multicêntrico que avaliou 336 massas em 243 pacientes, os autores demonstraram sensibilidade de 97,7%, especificidade de 86,4% e acurácia de 93,8% para a detecção de malignidade, com uma curva ROC de 0,944. O sistema de escore proposto baseia-se em critérios morfológicos e funcionais obtidos de sequências ponderadas em T1, T2 e difusão, com avaliação subjetiva da restrição verdadeira no ADC, com alta concordância interobservador (kappa = 0,9). No entanto, é importante destacar as limitações do estudo, como o número relativamente pequeno de casos borderline, o potencial viés de interpretação por radiologistas experientes em imagem ginecológica (o que pode comprometer a reprodutibilidade em cenários de menor experiência), a avaliação subjetiva dos achados na difusão e a ausência de critérios quantitativos, que limitam a reprodutibilidade do escore.

Os achados de Moradi et al.(5), embora preliminares, levantam uma discussão interessante e trazem implicações clínicas importantes. A literatura aponta para a necessidade crescente de estudos multicêntricos prospectivos que validem protocolos de RM sem contraste em contextos em que o contraste não pode ser utilizado. Essa abordagem é especialmente relevante para pacientes com contraindicação ao gadolínio e representa uma estratégia para otimizar o tempo de exame e os recursos em serviços com alta demanda. De maneira semelhante, a ausência do útero por cirurgia pode impactar a aplicação do O-RADS MRI, porque o sistema utiliza a comparação do realce da lesão com o miométrio como referência para avaliação do padrão de realce, em exames com contraste. Sem essa referência anatômica, a curva de baixo risco pode ser reconhecida pela sua morfologia de realce progressivo sem platô, mas as curvas de riscos intermediário e alto não podem ser distinguidas. Esta é mais uma situação em que seria interessante uma alternativa à avaliação pós-contraste.

É preciso ter cautela ao interpretar tumores borderline e massas com características mistas, que podem ser subestimadas sem sequências dinâmicas com contraste O estudo de Moradi et al.(5) reforça a relevância da difusão na avaliação pélvica, mas também ressalta que o olhar interpretativo precisa ser contextualizado com os demais achados da imagem e a história clínica. A ultrassonografia é hoje uma ferramenta que não pode ser desprezada, e poderia ser complementar em um protocolo de RM sem contraste, para melhor caracterização das lesões anexiais. O futuro da avaliação de massas anexiais parece caminhar para protocolos personalizados, que considerem não apenas a técnica ideal, mas também o perfil do paciente, a experiência local e os recursos disponíveis.

Estudos multicêntricos prospectivos, com aplicação do escore por radiologistas com diferentes níveis de experiência, são necessários para validar amplamente a proposta. Além disso, a incorporação de ferramentas quantitativas e inteligência artificial pode ampliar a acurácia e a padronização da abordagem não contrastada.

Diante da constante evolução da imagem ginecológica, o trabalho de Moradi et al. se soma aos esforços internacionais por uma radiologia mais acessível, segura e centrada no paciente, sem abrir mão da acurácia diagnóstica, tentando buscar alternativas aos padrões tradicionais consolidados na literatura.


REFERÊNCIAS

1. Andreotti RF, Timmerman D, Strachowski LM, et al. O-RADS US risk stratification and management system: a consensus guideline from the ACR Ovarian-Adnexal Reporting and Data System Committee. Radiology. 2020;294:168–85.

2. Reinhold C, Rockall A, Sadowski EA, et al. Ovarian-adnexal reporting lexicon for MRI: a white paper of the ACR Ovarian-Adnexal Reporting and Data Systems MRI Committee. J Am Coll Radiol. 2021;18:713–29.

3. Sadowski EA, Paroder V, Patel-Lippmann K, et al. Indeterminate adnexal cysts at US: prevalence and characteristics of ovarian cancer. Radiology. 2018;287:1041–9.

4. Thomassin-Naggara I, Dabi Y, Florin M, et al. O-RADS MRI SCORE: an essential first-step tool for the characterization of adnexal masses. J Magn Reson Imaging. 2023;59:720–36.

5. Moradi B, Aghasi M, Rahmani M, et al. Unenhanced magnetic resonance imaging for the evaluation of sonographically indeterminate ovarian and adnexal masses. Radiol Bras. 2025;58:e20240032.




1. Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil
2. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

a. https://orcid.org/0000-0002-4634-8972
b. https://orcid.org/0000-0001-8578-3136

Correspondência:
Dr. Luís Ronan Marquez Ferreira de Souza
Avenida Claricinda Alves de Resende, 1650, Flamboyant Residencial Park, C9Q9
Uberaba, MG, Brasil, 38081-793E-mail: luisronan@gmail.com

Publish in July 25 2025.


Creative Commons License
This work is licensed under an Attribution 4.0 International License (CC BY 4.0), effective June 9, 2022. Previously, the journal was licensed under a Creative Commons Attribution - Non-Commercial - Share Alike 4.0 International License.

Site Map



  • SPONSORED BY

Av.Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4554 - Fax: (11) 3372-4554

© All rights reserved 2025 - Radiologia Brasileira