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ARTIGO ORIGINAL

Cistos hepáticos: um guia de sobrevivência

Hepatic cysts: a survival guide

Matheus Menezes Gomes1,a; Gabriella Aquino Gouveia Cagliari1,b; Eduardo Oliveira Pacheco1,c; Ulysses Santos Torres1,d; Giuseppe D’Ippolito1,e

DOI: 10.1590/0100-3984.2024.0101
e20240101
Publicado em: 17 de Abril de 2025

RESUMO

Os cistos hepáticos são muito comuns na prática diária do radiologista e costumam ser descritos como cistos simples ou formações císticas esparsas pelo parênquima, muitas vezes sem as merecidas discriminações. Os cistos simples têm, por definição, paredes finas, até dois finos septos e conteúdo fluido e homogêneo, e englobam os cistos epiteliais congênitos, os hamartomas biliares, os cistos peribiliares, a doença de Caroli e a doença hepática policística. Os cistos complexos, por sua vez, têm paredes, septos e conteúdo variáveis, podendo ter diversas etiologias, e uma avaliação detalhada da história clínica e das características de imagem pode auxiliar o diagnóstico e o manejo clínico. Neste artigo os cistos hepáticos foram classificados, para fins didáticos, em cinco categorias: congênitos, traumáticos, neoplásicos, inflamatórios e miscelânea.

Palavras-chave: Fígado; Cistadenoma mucinoso; Equinococose hepática; Doença de Caroli; Abscesso hepático.

ABSTRACT

Hepatic cysts are quite common in the daily practice of radiologists and are generally described as simple cysts or as cystic lesions sparsely distributed throughout the parenchyma, often without the discrimination they merit. Simple cysts have, by definition, thin walls, one or two thin septa, and homogeneous fluid content. Such cysts include congenital epithelial cysts, biliary hamartomas, and peribiliary cysts, as well as those representing Caroli’s disease or polycystic liver disease. Complex cysts have variable walls, septa, and contents. They also have various etiologies. A detailed assessment of the clinical history and imaging characteristics can assist in making the diagnosis and choosing a course of clinical management. In this review, hepatic cysts are divided, for educational purposes, into five categories: congenital, traumatic, neoplastic, inflammatory, and miscellaneous.

Keywords: Liver; Cystadenoma, mucinous; Echinococcosis, hepatic; Caroli disease; Liver abscess.

INTRODUÇÃO

Os cistos hepáticos são muito comuns na prática diária do radiologista, porém, diferentemente de outros cistos como os renais e os ovarianos, que têm protocolos bem definidos para descrição, classificação radiológica e propedêutica(1,2), no fígado costumam ser reportados como cistos simples ou formações císticas esparsas pelo parênquima, muitas vezes sem as merecidas discriminações. Os cistos podem ser classificados como simples ou complexos. O cisto simples, nos diversos métodos de imagem, apresenta- se como uma imagem com componente líquido homogêneo – anecoico na ultrassonografia (US), com densidade próxima de zero na tomografia computadorizada (TC), e hipointenso nas imagens de ressonância magnética (RM) ponderada em T1 e marcadamente hiperintenso em T2 –, com paredes finas, sem vegetações ou calcificações e sem realce ou fluxo perceptível. O cisto complexo é aquele que não possui todas estas características(3). De maneira geral, os cistos simples não merecem preocupação, acompanhamento ou intervenção, exceto quando sintomáticos. Já os cistos complexos podem merecer condutas para o seu esclarecimento diagnóstico e eventual tratamento(3).

O diagnóstico diferencial inclui lesões benignas (congênitas, infecciosas/inflamatórias, traumáticas) e malignas (neoplasias císticas biliares, metástases císticas, hepatocarcinoma cístico, dentre outras), e uma avaliação mais atenta poderá indicar eventuais sinais de agressividade do cisto em questão e direcionar um manejo específico.

Neste artigo, os achados de imagem típicos e atípicos das diversas lesões císticas hepáticas serão apresentados, destacando-se os aspectos que permitem um diagnóstico mais específico, e essas lesões serão classificadas, para fim didático, em cinco categorias: congênitas, traumáticas, neoplásicas, inflamatórias e miscelânea (Tabela 1).





CISTOS CONGÊNITOS

Cistos simples epiteliais


São cistos de paredes finas e regulares, que podem ter poucos septos finos, sendo formados por epitélio cuboide. Seu tamanho é variável, encontrando-se desde lesões muito pequenas a cistos com 30 cm de diâmetro, que são preenchidos por conteúdo fluido homogêneo (Figura 1).





Além dos cistos congênitos isolados em si, outras condições também podem se enquadrar nesta categoria, como os hamartomas biliares e a doença hepática policística, apesar de apresentarem fisiopatologias distintas(4).

Doença de Caroli

É uma condição congênita rara, autossômica recessiva, decorrente de uma malformação da placa ductal e do desenvolvimento das vias biliares intra-hepáticas, podendo estar associada a fibrose hepática congênita e a rim espongiomedular (ectasia tubular renal), quando assume a denominação de síndrome de Caroli(5). Na doença de Caroli há um risco de desenvolvimento de colangiocarcinoma estimado em 7%(4).

Como representam dilatações císticas das vias biliares, tais lesões se comunicam com a árvore biliar e, portanto, tendem a reter o meio de contraste hepatobiliar nas fases tardias dos estudos de RM com contraste hepatoespecífico. Feixes fibrovasculares no interior das saculações podem ser detectados, configurando o sinal do ponto central, um achado relativamente específico dessas lesões (Figura 2). Enquadram-se na categoria V de Todani, uma classificação direcionada aos cistos de colédoco ou cistos biliares(4).





Cisto de duplicação intestinal (cisto ciliado)

São cistos raros, que têm predileção pelo sexo masculino. A sua histogênese é incerta, mas alguns autores sugerem que se originam a partir do intestino embrionário anterior, com uma constituição histológica semelhante ao cisto broncogênico, sendo, assim, formado por epitélio colunar ciliado pseudoestratificado(6). Embora haja raros casos descritos de degeneração maligna, neste caso, para o subtipo de carcinoma de células escamosas(7), tais cistos são geralmente assintomáticos, benignos e sem necessidade de ressecção.

Nos exames de imagem, os cistos ciliados são solitários e majoritariamente uniloculares, geralmente menores que 3,0 cm, e predominam junto à superfície capsular do segmento hepático IV. Na US, na TC e na RM têm conteúdo espesso, pois podem conter mucina, componente hiperproteico ou mesmo material lipídico (Figura 3)(6).





Hamartomas biliares (complexos de Von Meyenburg)

Decorrem de alterações benignas do desenvolvimento das vias biliares, inclusas no espectro da malformação da placa ductal, que originam múltiplos pequenos cistos intra-hepáticos. Apesar da origem, tais cistos têm uma arquitetura histológica particular e não se comunicam com as vias biliares. Assim como os cistos ciliados, tais lesões são assintomáticas e têm curso benigno. Nos exames de imagem, tipicamente são observados múltiplos cistos menores que 1,0 cm distribuídos por todo o parênquima hepático, que costumam exibir um artefato da cauda de cometa na US e que podem ter um discreto realce periférico nos métodos axiais (Figura 4)(8).





Doença hepática policística

É uma condição incomum que pertence ao espectro da doença renal policística autossômica dominante, estando relacionada a malformação da placa ductal. É caracterizada por múltiplos cistos hepáticos, geralmente mais de 20, mas, se houver história familiar, apenas quatro cistos já podem sugerir o diagnóstico. Os cistos geralmente têm aspecto simples na imagem, sendo majoritariamente uniloculares e de paredes finas, podendo apresentar densidade ou sinal variáveis se houver conteúdo hiperproteico ou hemático (Figura 5)(9).





Os sintomas são raros, observados em apenas 3% dos casos, e geralmente ocorrem em consequência da expansão do fígado com compressão de órgãos adjacentes, incluindo saciedade precoce, refluxo gastroesofágico, e até desnutrição em casos avançados. O CA 19-9 pode estar elevado em até 45% dos casos(10), em razão de uma maior produção pelo epitélio biliar dos cistos, porém, sem relação com a malignidade.

O tratamento tende a ser conservador na maioria dos casos e inclui a escleroterapia, a aspiração e a fenestração laparoscópica. O tratamento cirúrgico deve ser preferencialmente feito em centros especializados, com cirurgiões hepatobiliares e discussões multidisciplinares, e comporta desde hepatectomia em casos selecionados até transplante hepático, este indicado quando houver envolvimento hepático extenso e elevada morbidade(9).

Cistos traumáticos

Biloma

É definido como coleção anormal de bile extraductal, geralmente relacionada a interrupção iatrogênica da via biliar, incluindo cirurgias biliares, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, embolização transarterial, dentre outros fatores. O extravasamento da bile, normalmente de baixo fluxo, ocasiona uma reação inflamatória tecidual circunjacente, resultando em fibrose e encapsulamento de líquido, que geralmente ocorre junto à superfície hepática no sítio de manipulação. Os bilomas apresentam-se como coleções uniloculares de conteúdo hipodenso (< 20 UH) na TC e marcadamente hiperintensas em T2 na RM, podendo ter paredes finas ou levemente espessadas e com realce (Figura 6). A presença de múltiplos septos com intenso realce, restrição à difusão por conteúdo espesso e infiltração da gordura adjacente deve levantar a suspeita de uma infecção sobreposta, dentro de um contexto clínico e laboratorial apropriado. A RM com contraste hepatoespecífico, por sua vez, pode revelar a presença de uma eventual fístula biliar nas fases tardias do estudo(11).





Seroma

São coleções predominantemente linfáticas comuns no contexto de traumas, particularmente em pós-operatórios. Nos métodos axiais, consistem em coleções com conteúdo fluido e homogêneo, sem realce ou com mínimo realce periférico (Figura 6). São lesões comuns e que geralmente têm resolução espontânea, sendo a sua drenagem reservada para alguns casos específicos, a exemplo de seromas muito volumosos ou infectados(12).

Hematoma hepático

O fígado, juntamente com o baço, é um dos órgãos mais comumente acometidos no trauma abdominal fechado, podendo ocorrer formação de hematomas subcapsulares ou intraparenquimatosos. Embora os hematomas agudos geralmente sejam hiperdensos (40–60 UH) na TC sem contraste, o uso do meio de contraste é recomendado, não só para a detecção de lacerações ou hematomas isodensos ao parênquima, mas também para a pesquisa de sangramento ativo, que pode demandar, por sua vez, uma abordagem intervencionista ou cirúrgica (Figura 6)(13).

Cistos neoplásicos

Neoplasias císticas mucinosas

Previamente chamadas de cistadenomas biliares, correspondem a menos de 5% de todas as lesões hepáticas císticas e têm predileção por mulheres de meia-idade. Tais lesões são revestidas por epitélio colunar produtor de mucina sobreposto a um estroma tipo ovariano, e normalmente não têm comunicação com as vias biliares(14). Tais lesões podem ser assintomáticas, e os sintomas, quando presentes, são inespecíficos e incluem dor abdominal, plenitude ou saciedade precoce, a depender do volume dos cistos. Essas lesões podem aumentar com o uso de contraceptivos orais e durante a gravidez, sugerindo uma influência hormonal. Marcadores tumorais como CEA e CA19-9 podem auxiliar o manejo e o controle quando elevados, mas os níveis normais não excluem o carcinoma invasivo. Alguns achados de imagem que auxiliam na sua diferenciação com cistos simples são: predileção pelo lobo hepático esquerdo, existência de dilatação de vias biliares a montante da lesão, ausência de retrações das paredes do cisto, e presença de alteração do parênquima hepático circunjacente. Outros achados de imagem incluem aspecto multiloculado (Figura 7), calcificações, nódulos murais e paredes irregulares, sendo estes dois últimos achados sugestivos de malignidade(15).





Metástases císticas

Algumas neoplasias podem gerar metástases hepáticas de aspecto cístico, por desenvolverem marcada necrose intratumoral ou mesmo pelo próprio conteúdo predominantemente liquefeito das lesões primárias, a exemplo das neoplasias mucinosas ovarianas ou pancreáticas, assim como os tumores neuroendócrinos (Figura 8). Uma necrose acentuada, por sua vez, tende a aparecer em tumores hipervasculares com crescimento rápido e suprimento sanguíneo insuficiente, a exemplo das metástases de GIST, sarcoma, melanoma e angiossarcoma. Outros potenciais sítios primários para metástases císticas incluem o adenocarcinoma colorretal, o carcinoma escamoso de pulmão, os sarcomas e melanomas, dentre outros. Embora essas lesões possam ter algumas características que denunciem a sua agressividade, como paredes ou septos irregulares (Figura 9) com realce ou rápida taxa de crescimento, uma necrose ou degeneração completa pode, eventualmente, gerar uma aparência semelhante à de um cisto hepático simples, dificultando o seu diagnóstico inicial(16). Nesse sentido, a comparação com exames anteriores pode ser bastante útil na diferenciação entre uma metástase cística e um cisto simples.









Carcinoma hepatocelular cístico

A degeneração cística é uma forma rara de apresentação do carcinoma hepatocelular. Embora a sua patogênese não tenha sido bem elucidada, vários mecanismos foram propostos, incluindo trombose arterial, inflamação, rápido crescimento tumoral e terapia com andrógenos(17). Muitos dos casos reportados de carcinoma hepatocelular cístico consistem em lesões únicas, multiloculares e em fígado não cirrótico, o que torna o seu diagnóstico ainda mais desafiador. Ainda assim, pequenos componentes sólidos com hiper-realce arterial e lavagem de permeio aos cistos devem ser ativamente procurados diante dessa suspeita clínica, sobretudo em fígados cirróticos com elevação da alfafetoproteína (Figura 10)(18).





Sarcoma embrionário indiferenciado

Trata-se de uma neoplasia hepática primária rara e altamente agressiva que ocorre predominantemente em crianças, geralmente entre 6 e 10 anos de idade, mas também encontrada em adultos. Ao contrário do hepatoblastoma e do carcinoma hepatocelular, os níveis séricos de alfafetoproteína não estão elevados. Sintomas constitucionais e aumento do volume abdominal podem estar presentes. Essa lesão possui características de imagem de TC e RM que podem se assemelhar às de lesões císticas, provavelmente decorrentes do alto teor hídrico do seu estroma mixoide (Figura 11). No entanto, tal componente mixoide costuma ter realce pelo meio de contraste e tem aspecto heterogêneo, o que o diferencia de um cisto simples. Embora tenha um prognóstico reservado, com relatos de sobrevida mediana menor que um ano, o tratamento mais eficaz envolve a quimioterapia multiagente seguida de ressecção da lesão(19).





Cistos inflamatórios

Abscesso piogênico

A maioria dos abscessos hepáticos piogênicos é polimicrobiana, sendo os principais agentes relatados a Klebsiella pneumoniae e a Escherichia coli. A sua patogênese é multifatorial e pode resultar de colangite ascendente, disseminação hematogênica de uma infecção gastrointestinal ou resultar de inoculação direta, a partir de trauma penetrante ou de um procedimento invasivo.

Na TC, os abscessos consistem em massas redondas e hipodensas, de margens bem definidas e com realce periférico e heterogêneo. Podem se manifestar como uma única coleção de fluido não loculado, uma massa cística multiloculada, um tecido de aspecto sólido (fleumático) ou pequenas lesões multifocais. Distúrbio perfusional e edema do parênquima em torno da lesão costumam estar presentes e, na RM, o seu conteúdo hiperproteico costuma ter marcada restrição à difusão. Nas fases pós-contraste, o sinal do “duplo alvo” é caracterizado por uma borda interna de alta densidade (membrana) com realce precoce circundada por um anel externo hipodenso (edema), que tem realce tardio (Figura 12). O gás, embora possa estar presente em até 20% dos abscessos hepáticos, deve ser interpretado com cautela, já que pode ser visto em áreas de necrose, como após ablação de um tumor hepático. O tratamento inclui drenagem guiada por imagem e antibioticoterapia prolongada, usualmente por quatro a seis semanas(20).





Cisto hidático

A doença hidática é uma infecção parasitária causada pela larva da tênia Echinococcus. A doença é endêmica em muitas partes do mundo, especialmente em alguns países da América do Norte e da América do Sul, em alguns países asiáticos e da Europa Oriental, assim como na Austrália e Nova Zelândia. O fígado atua como a primeira linha de defesa e, portanto, é o órgão mais comumente acometido pela doença. A doença é normalmente assintomática, o que pode variar conforme o estágio de crescimento e efeito de massa dos cistos sobre órgãos adjacentes, além de complicações secundárias, como a ruptura. Na imagem, os cistos hidáticos acometem preferencialmente o lobo hepático direito, podendo ser únicos ou múltiplos, com ou sem envolvimento de outros órgãos. Os cistos hidáticos são classificados em quatro tipos. O tipo I consiste em uma lesão tipicamente unilocular com realce periférico, podendo ter alguns finos septos, fazendo diagnóstico diferencial com o cisto simples epitelial. O tipo II, multivesicular, aparece como lesão cística com múltiplos septos ou “cistos-filhos” em um padrão de favo-de-mel (Figura 13). Em estágio mais avançado, os cistos tornam-se parcial ou completamente calcificados (tipo III), sendo considerados inativos (Figura 14). O tipo IV, por sua vez, representa os cistos que têm complicações secundárias, por exemplo, ruptura, que ocorre em 50–90% dos casos, geralmente relacionada a faixa etária, reação química ou um mecanismo de defesa do organismo (Figura 14). A superinfecção também é uma complicação descrita em até 25% dos cistos hidáticos rotos, nos quais a presença de gás, nível líquido ou comunicação com as vias biliares ou outros órgãos pode sugerir o seu diagnóstico(21).









Abscesso amebiano

O abscesso hepático amebiano é a complicação extraintestinal mais comum da infecção pela Entamoeba histolytica, sendo endêmica na África, sudeste asiático e Américas Central e do Sul. Acomete preferencialmente homens, e as manifestações clínicas mais comuns são dor no quadrante superior direito, febre, tosse e hepatomegalia. O diagnóstico requer a detecção de antígeno ou DNA específico do protozoário em amostras de fezes e anticorpos antiamebianos no soro sanguíneo. Embora possam ser indistinguíveis dos abscessos piogênicos, algumas características de imagem podem sugerir o diagnóstico do abscesso amebiano. Dentre elas, destacam-se o aspecto de uma coleção única (75%), unilocular (70%), tipicamente encontrada no lobo hepático direito, podendo ter uma aparência de “alvo” ou “borda dupla” (Figura 15). Costumam estar situados próximo à cápsula hepática, sendo a extensão extra-hepática comum, e quando situados no domus, podem estar associados a ruptura diafragmática, um sinal considerado altamente sugestivo do seu diagnóstico(20). O tratamento costuma ser feito com o metronidazol e é suficiente para erradicar a doença na maioria dos pacientes(22), sendo a drenagem reservada para casos refratários. No entanto, a resolução dos abscessos nos exames de imagem pode levar até dois anos, sendo a terapêutica guiada, portanto, por parâmetros clínicos(20).





Microabscessos fúngicos

As infecções fúngicas hepáticas, mais comumente causadas por Candida spp. , costumam se desenvolver após a translocação de fungos do intestino para o fígado pela circulação portal e têm como fatores de risco a presença de uma malignidade subjacente, a neutropenia e o estado de imunossupressão. Na US, os aspectos mais comuns são o de nódulos hipoecoicos (fibrose) desenvolvidos em área de inflamação prévia, o de “roda dentro de roda”, definido como uma área central hipoecoica de necrose cercada por uma zona hiperecoica de células inflamatórias, e o de “olho de boi”, caracterizado por um nidus central hiperecoico rodeado por um halo hipoecoico(23). Na TC, geralmente consistem em lesões pequenas, redondas e hipoatenuantes, com padrão de distribuição miliar. Além disso, o aspecto de “roda dentro de roda” também pode estar presente (Figura 15). Na RM, por sua vez, os nódulos são hiperintensos em T2, com realce moderado após contraste(24). Embora possam, à primeira vista, simular metástases, o tamanho e o padrão de distribuição mencionados, além do frequente acometimento esplênico associado e um quadro clínico e laboratorial sugestivo de infecção fúngica, auxiliam nessa diferenciação.

Miscelânea

Cistos peribiliares

Representam uma dilatação cística de glândulas no tecido conjuntivo periductal e costumam ser encontrados incidentalmente em pacientes com doença hepática crônica avançada. Como são revestidos por uma única camada de epitélio colunar, tais cistos têm aspecto simples na imagem. Além disso, não se comunicam com as vias biliares e têm uma distribuição peribiliar característica que permite facilmente o seu diagnóstico (Figura 16). Embora possam raramente aumentar em tamanho e causar obstrução, costumam ser assintomáticos e de curso benigno(25).





Hemangioma cavernoso gigante com nível líquido

Os hemangiomas cavernosos gigantes são um subtipo particular dos hemangiomas hepáticos que, por definição, são maiores que 5 cm. Embora as características radiológicas de hemangiomas cavernosos menores possam estar presentes – marcado hipersinal em T2 e realce periférico nodular descontínuo(26) –, algumas dessas lesões têm um fluxo sanguíneo extremamente lento ou estagnado, com sedimentação de hemácias e consequente aparência cística com formação de nível líquido. Tal aspecto é representado por uma camada inferior hiperdensa na TC e hiperintensa em T1 na RM, sendo a camada superior constituída por um soro fluido, por sua vez hipodenso na TC e com baixo sinal em T1 na RM (Figura 17)(27).





CONCLUSÃO

Cistos hepáticos são frequentemente encontrados em exames de imagem, chegando a ocorrer em quase 15% dos pacientes(28). Uma ampla variedade de cistos hepáticos de diversas etiologia pode ser encontrada na prática do radiologista, e uma avaliação detalhada da história clínica e das características de imagem, incluindo localização, número de lesões, padrão de realce e relação com outras estruturas, pode apontar uma etiologia específica e, portanto, direcionar um manejo clínico particular.


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Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

a. https://orcid.org/0000-0003-1983-4649
b. https://orcid.org/0009-0008-4186-4469
c. https://orcid.org/0000-0001-7645-260X
d. https://orcid.org/0000-0002-1911-9090
e. https://orcid.org/0000-0002-2701-1928

Correspondência:
Dr. Matheus Menezes Gomes
Departamento de Diagnóstico por Imagem – EPM-Unifesp
Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil, 04024-002
E-mail: matmgomes@gmail.com

Received in September 10 2024.
Accepted em December 10 2024.
Publish in April 17 2025.


Creative Commons License
This work is licensed under an Attribution 4.0 International License (CC BY 4.0), effective June 9, 2022. Previously, the journal was licensed under a Creative Commons Attribution - Non-Commercial - Share Alike 4.0 International License.

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