Sr. Editor,
Mulher, 40 anos, apresentando dor em faixa no mesogástrio e flanco esquerdo há cinco meses. Perda ponderal de 5 kg após ter tido dengue recente. Negou comorbidades ou uso de anovulatórios. Exame físico: sinal de Giordano à esquerda. Hemograma e urina I normais. Tomografia computadorizada abdominal mostrou compressão da veia renal esquerda (VRE) pelo processo unciforme pancreático contra a aorta, determinando dilatação do segmento proximal, com um trombo luminal (Figuras 1A e 1B), dilatação da rede colateral venosa perirrenal, veias gonadais e varizes pélvicas ipsilaterais (Figuras 1C e 1D). A paciente foi submetida a anticoagulação oral por quatro meses e recusou colocação de
stent na VRE.
Figura 1. A,B: TC abdominal contrastada, fase arterial, corte axial e reconstrução sagital, respectivamente, mostrando trombo no interior da porção proximal da veia renal esquerda (cabeça de seta branca), que apresenta redução do seu calibre no pinçamento aortomesentérico (setas pretas), próximo à sua junção com a veia cava inferior (VC), devido a compressão extrínseca exercida pelo processo unciforme pancreático (asteriscos) contra a aorta (AO). Achado adicional: hipodensidade difusa do parênquima hepático sugerindo infiltração gordurosa.
C,D: TC abdominal contrastada, fase arterial, corte axial e reconstrução sagital, respectivamente, identificando dilatação dos vasos pélvicos (cabeças de setas) junto à face lateral esquerda do útero (UT) e da veia gonadal desse lado (seta preta), com veias colaterais ectasiadas no espaço perirrenal ipsilateral (seta branca).
As síndromes compressivas vasculares têm incidência inferior a 1%
(1) e representam o encarceramento vascular entre superfícies rígidas, que ocasiona manifestações determinadas por hipertensão, congestão venosa, tromboses ou isquemia arterial
(1-4).
As causas de compressão da VRE incluem formações expansivas retroperitoneais, variações anatômicas e síndrome do “quebra-nozes” (SQN)
(2). A SQN é habitualmente ocasionada pelo aprisionamento da VRE entre a artéria mesentérica superior e a aorta abdominal (pinçamento aortomesentérico)
(1-5). Raramente a VRE é retroaórtica, e ocorrendo compressão entre a aorta e a coluna, é chamada de SQN posterior
(2-4). Fenômeno “quebra-nozes” corrresponde a esses achados sem correlação clínica
(2-4). A prevalência da SQN é desconhecida, predominando em pacientes hígidos, magros, entre 20—40 anos e mulheres
(1-4). Clinicamente, hematúria é o achado mais comum, seguida por dores no flanco esquerdo, dispareunia, dismenorreia, disúria, varicoceles e varizes pélvicas
(1-5). Excepcionalmente, variações anatômicas pancreáticas comprimem vasos adjacentes, incluindo a VRE
(2,6,7).
Trombose de veia renal (TVR) é comum na síndrome nefrótica e em neonatos gravemente hipotensos. Outras causas: traumas, cirurgias, infecções, neoplasias, vasculites, compressões venosas, contraceptivos e doenças mieloproliferativas. É infrequente em adultos saudáveis, predominando unilateralmente
(8,9). Sua apresentação clínica é semelhante à da SQN, adicionando-se aumento volumétrico renal agudo e atrofia tardia, deterioração progressiva da função renal e complicação com tromboembolismo pulmonar em até 50% dos casos
(5,8,9).
A patofisiologia das tromboses engloba a “tríade de Virchow”: lesão endotelial, estase e hipercoagulabilidade. Geralmente, os eventos trombóticos envolvem pelo menos dois fatores, contudo, apenas um pode ser o suficiente
(5,8,9).
Principais métodos diagnósticos — A ultrassonografia com Doppler, que é não invasiva, afere o calibre venoso e seu fluxo, sendo sugestivo quando excede 100 cm/s, com sensibilidade e especificidade no diagnóstico de SNQ chegando a 78% e 100%, respectivamente
(1-4). Apresenta alta sensibilidade na pesquisa de TVR
(8); entretanto, é examinador-depende e pode não detectar pequenos trombos
(8,9). A angiotomografia tem sensibilidade de 66,7—100% e especificidade de 55,6—100% na SQN
(2-4) e TVR
(8). Avalia o ângulo do pinçamento aortomesentérico, possível compressão e dilatação da VRE, falhas de enchimento, trombos endoluminais ou sinais de trombose crônica como espessamento parietal e calcificações
(1-4,9). Contudo, utiliza radiação e contraste potencialmente nefrotóxico
(8,9). A venografia retrograda é o exame padrão ouro na SQN
(1-4) e TVR
(8). Demonstra o gradiente pressórico maior que 3 mmHg na VRE, e falhas de enchimento representando trombos
(1-4,8). Todavia, é invasiva, podendo desencadear trombose, e usa agente iodado intravenoso
(8).
As opções terapêuticas são: conservadora, reimplantação/transposição da VRE,
stent externo ou interno, autotransplante renal,
by-pass gonadocaval e nefrectomia
(1-5), além de anticoagulação e trombectomia se ocorrer TVR
(8-10).
REFERÊNCIAS
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2. Lamba R, Tanner D, Sekhon S, et al. Multidetector CT of vascular compression syndromes in the abdomen and pelvis. Radiographics. 2014;34:93–115.
3. Butros SR, Liu R, Oliveira GR, et al. Venous compression syndromes: clinical features, imaging findings and management. Br J Radiol. 2013;86:20130284.
4. Fong JK, Poh AC, Tan AG, et al. Imaging findings and clinical features of abdominal vascular compression syndromes. AJR Am J Roentgenol. 2014;203:29–36.
5. Mallat F, Hmida W, Jaidane M, et al. Nutcracker syndrome complicated by left renal vein thrombosis. Case Rep Urol. 2013;2013:168057.
6. Yun SJ, Nam DH, Ryu JK, et al. The roles of the liver and pancreas in renal nutcracker syndrome. Eur J Radiol. 2014;83:1765–70.
7. Chauhan R, Roy TS, Chaudhury A, et al. Variant human pancreas: aberrant uncinate process or an extended mesenteric process. Pancreas. 2003;27:267–9.
8. Asghar M, Ahmed K, Shah SS, et al. Renal vein thrombosis. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007;34:217–23.
9. Wang Y, Chen S, Wang W, et al. Renal vein thrombosis mimicking urinary calculus: a dilemma of diagnosis. BMC Urol. 2015;15:61.
10. Yoshida RA, Yoshida WB, Costa RF, et al. Nutcracker syndrome and deep venous thrombosis in a patient with duplicated inferior vena cava. J Vasc Surg Venous Lymphat Disord. 2016;4:231–5.
Documenta - Hospital São Francisco, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Endereço para correspondência:
Dr. Rodolfo Mendes Queiroz
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