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ARTIGO ORIGINAL

Eficácia de anteparos pelvicoabdominais na radioproteção de pacientes submetidos a coronariografia radial: análise experimental e recomendações para a prática radiológica

Efficacy of pelvic-abdominal shields in radiation protection of patients undergoing radial coronary angiography: experimental analysis and recommendations for radiology practice

Luciana Aparecida Salgado Rodrigues1,a,†; Letícia Lucente de Campos Rodrigues2,b; João Ricardo Antunes Marcos1,c; Desidério Favarato3,d; Maria de Fátima de Andrade Magon4,e; Isabel Alves de Barros Morales5,f; Erlon Oliveira de Abreu-Silva1,g; George César Ximenes Meireles1,h

DOI: 10.1590/0100-3984.2025.0040
e20250040
Publicado em: 28 de Novembro de 2025

RESUMO

OBJETIVO: Desenvolver e avaliar a utilização de anteparos de proteção radiológica para pacientes submetidos a coronariografia realizada por via radial.
MATERIAIS E MÉTODOS: Foram desenvolvidos dois anteparos pelvicoabdominais, um para ser utilizado na região posterior e o outro na região anterior (manta). Para análise da dose de entrada e sua atenuação ao atravessar o paciente até a radiação residual alcançar o detector, foram desenvolvidas duas réguas dosimétricas (direita e esquerda) e um objeto simulador.
RESULTADOS: Ao se comparar o grupo sem anteparos e o grupo com anteparos, observou-se que em todas as amostras o grupo com anteparos apresentou valores maiores de dose em relação ao grupo sem anteparos (p < 0,0001).
CONCLUSÃO: A utilização dos anteparos radiológicos pelvicoabdominais, confeccionados com 0,5 mm de chumbo, não se aplica a pacientes submetidos a procedimentos de cardiologia intervencionista, uma vez que não promove o princípio As Low as Reasonably Achievable ao aumentar, significativamente, a exposição à radiação.

Palavras-chave: Proteção radiológica; Radiação ionizante; Dosimetria; Doses de radiação; Radiologia intervencionista.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To develop and evaluate the use of radiation shields for patients undergoing coronary angiography via the radial approach.
MATERIALS AND METHODS: Two pelvic-abdominal shields were developed—one for the posterior region and one for the anterior region. To analyze the entrance dose and its attenuation through the patient until reaching a detector as residual radiation, two dosimeter strips (right and left) were created and inserted into a phantom.
RESULTS: Comparing the shielded and unshielded groups, we found that the radiation doses at all detector positions were significantly higher in the shielded group (p < 0.0001).
CONCLUSION: The use of pelvic-abdominal radiation shields made with 0.5 mm of lead is not recommended for patients undergoing interventional cardiology procedures, because it significantly increases radiation exposure and therefore does not comply with the As Low as Reasonably Achievable principle.

Keywords: Radiation protection; Radiation, ionizing; Radiometry; Radiation dosage; Radiology, interventional.

INTRODUÇÃO

Dentre as modalidades radiológicas que utilizam radiação ionizante, os procedimentos intervencionistas cardiológicos guiados por imagem são os que mais expõem os pacientes a elevadas doses de radiação primária(1,2). Na radiologia intervencionista ocorrem dois tipos de exposição: a ocupacional, recebida pelos profissionais; e a exposição clínica, sofrida pelos pacientes. As exposições apresentam diferenças significativas tanto em termos de quantidade quanto de intensidade de energia transmitida. Contudo, deve-se dar grande atenção às doses clínicas, por serem delas que se originam as exposições ocupacionais. Nessas duas situações, pode ocorrer tanto o efeito estocástico quanto o efeito de reações teciduais (determinístico)(2–30). Diante disso, este estudo parte da hipótese de que a aplicação de anteparos pelvicoabdominais sobre regiões anatômicas que não interferem na imagem pode contribuir para a redução da exposição desnecessária do paciente, promovendo maior segurança radiológica durante a coronariografia radial.

As diretrizes estabelecidas pela Resolução RDC n.º 611/2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em seu Art. 61 recomenda a necessidade de utilizar protetores com blindagem de pelo menos 0,5 mm equivalente de chumbo para proteger órgãos sensíveis à radiação, desde que não prejudiquem a qualidade da imagem ou aumentem a dose. Também enfatiza o controle e gerenciamento das doses, seguindo o princípio As Low as Reasonably Achievable (ALARA) – tão baixo quanto razoavelmente exequível – para maximizar benefícios e minimizar riscos. O princípio de limitação de dose não se aplica aos pacientes, sendo o foco a otimização das doses para o custo-benefício, que visa maximizar os benefícios, minimizar os riscos e evitar o surgimento de reações teciduais radioinduzidas(2,4,10).

A originalidade do presente estudo está relacionada à criação de uma sistematização por anteparo plumbífero pelvicoabdominal para a aplicação do princípio ALARA. Assim, o objetivo do estudo foi desenvolver e avaliar o uso de anteparos radiológicos pelvicoabdominais para a proteção radiológica de pacientes, diminuir as áreas expostas à radiação durante coronariografia pela via radial e observar o impacto dessa proteção na dose relativa às exposições clínica, ocupacional e na sala de procedimentos.


MATERIAIS E MÉTODOS

Neste estudo foram desenvolvidos protótipos pelvicoabdominais para proteção radiológica de pacientes submetidos a coronariografia no Serviço de Vascular Intervencionista do Instituto de Assistência Médica do Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" e régua dosimétrica em objeto simulador, para análise da atenuação das doses de radiação ionizante transferidas ao paciente. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (Parecer n.º 3.983.030e), sendo aplicado termo de consentimento livre e esclarecido em todas as simulações com radiação ionizante, realizadas por um único médico operador.

Para estabelecer o cálculo amostral, considerou-se o número de grupos irradiados durante os testes de linearidade de sistemas de dosimetria fotoluminescente, que sugere que se irradie e avalie cinco grupos com n detectores. Dessa forma, a quantidade de amostras foi duplicada e, em cada grupo – com anteparo e sem anteparo –, foram realizadas 10 irradiações, resultando em um total de 20 irradiações. Em cada irradiação foram utilizados 22 detectores com luminescência opticamente estimulada, dos quais 16 detectores NanoDots foram destinados para dosimetria clínica, 3 detectores InLight para dosimetria ocupacional e 3 InLight para dosimetria na sala de procedimento.

Os valores de dose apresentados neste estudo foram obtidos das leituras realizadas com os detectores NanoDots e InLight, da empresa Sapra Landauer, São Carlos, SP, Brasil, que colaborou tecnicamente com o desenvolvimento da pesquisa por meio do fornecimento dos detectores e da execução das leituras de dose. Esses detectores são calibrados para a leitura de raios-X, conforme os parâmetros necessários tanto para a dosimetria clínica (dose absorvida), dada em miligray, quanto para a dosimetria ocupacional (dose efetiva), dada em milisievert, sendo considerado também o retroespalhamento da radiação ionizante.

Por se tratar de pesquisa realizada em objeto simulador, os critérios de inclusão e exclusão de dados de pacientes não se aplicam a este estudo. Entretanto, utilizaram-se para inclusão dados fixos durante as simulações, sendo estes: tamanho do campo em 39 cm, altura da mesa em −14 cm e sete projeções por irradiação, com angulações conforme protocolo do Serviço.

Os dados foram analisados para determinar se os pressupostos de normalidade e homocedasticidade foram satisfeitos. O teste de Shapiro-Wilk foi aplicado para avaliar a normalidade, e o teste de Levene foi utilizado para avaliar a homogeneidade das variâncias (Tabela 1). No entanto, para a maioria das posições dos detectores, o pressuposto de normalidade não foi satisfeito ao nível de significância de 5%. As estatísticas descritivas da variável dose de radiação foram calculadas de acordo com a condição de blindagem e a posição do detector. Os dados são apresentados como média e desvio-padrão ou como mediana. As comparações entre os grupos (com e sem proteção) foram realizadas utilizando o teste não paramétrico de Mann-Whitney-Wilcoxon.





O anteparo plumbífero de abdome posterior (Figura 1A) foi confeccionado em polimetilmetacrilato duplo dobrado tipo "carteira" com 3 mm de espessura, medindo 65 × 65 cm, e dentro desta base foram acondicionadas duas folhas de chumbo de 0,25 mm, medindo 65 × 42,5 cm, a ser utilizado entre a mesa de procedimento e o colchão. A manta (Figura 1B) foi confeccionada em lona lavável com duas folhas de chumbo de 0,25 mm, medindo 45 × 110 cm. Ambos os anteparos funcionam como barreira plumbífera com equivalência de 0,5 mm de chumbo.





A régua dosimétrica (Figura 2) foi confeccionada em polimetilmetacrilato com comprimento total de 20 cm, com degraus medindo 1,5 × 2 cm, dispostos a cada 5 cm para posicionar os detectores dosimétricos. Esta será inserida nas regiões dos mamilos do simulador. Para uma compreensão mais aprofundada da diminuição da dose em função da profundidade e das possíveis áreas impactadas pela radiação, será ilustrada a redução da radiação ao longo de sua trajetória. As médias dos dados coletados em cada nível serão representadas em duas imagens tomográficas axiais do tórax, sendo uma correspondente ao grupo com anteparo e a outra ao grupo sem anteparo.





O objeto simulador (Figura 3A) foi desenvolvido a partir de um dorso de manequim em poliuretano, medindo 78 cm de busto, 40 cm de costas, 61 cm de cintura, 15 cm de ombro, 80 cm de quadril, 37 cm de altura ombro/cintura, 15 cm de altura cintura/quadril e 53 cm do ombro ao quadril. A região do mamilo foi extraída para introdução de uma régua dosimétrica. O objeto simulador foi preenchido com água. A Figura 3A mostra a distribuição dos detectores, que permitiram a verificação da radiação incidente de entrada na pele até a atenuação desta ao atravessar o simulador, resultando na radiação residual, sendo dois detectores posicionados diretamente no simulador (D e E) e oito detectores distribuídos nas duas réguas dosimétricas (B e C). Para a verificação da eficácia do anteparo pelvicoabdominal e da manta plumbífera, foram posicionados quatro dosímetros no simulador, conforme apresentados na Figura 3B: um debaixo da mesa de procedimento e a 5 cm da extremidade superior do anteparo, um sobre a manta plumbífera, um sob a manta, que corresponde à letra A da Figura 3A, e um detector no dorso do simulador, que corresponde à letra F na Figura 3A.





No flat panel foram fixados dois detectores com luminescência opticamente estimulada, um posicionado no centro do flat panel e o outro a 5 cm para região lateroanterior, para verificação da radiação residual no flat panel.

As simulações seguiram os seguintes critérios: uma para determinar o posicionamento dos anteparos no objeto simulador e as demais respeitando o protocolo do estudo coronariográfico padrão – coronária esquerda: oblíqua anterior direita (OAD) 20 graus projeção panorâmica; caudal (20 graus)/OAD (20 graus); cranial (35 a 45 graus) ± OAD; cranial (35 a 45 graus)/oblíqua anterior esquerda (OAE) (20 a 40 graus); caudal (25 a 45 graus)/OAE (20 a 40 graus); coronária direita: OAE (30 graus)/caudal (± 30 graus); OAD (20 a 30 graus), todas realizadas em modo de cinegrafia a 15 frames/segundo.

No médico, foram posicionados três detectores – um na perna esquerda, um no tórax e um na lateral esquerda do crânio – para observar a dose ocupacional. Para dose ambiental foi posicionado um detector em cada parede do laboratório a 130 cm do piso.


RESULTADOS

Esta pesquisa foi realizada de novembro de 2019 a novembro de 2020. Neste período, foram realizadas 20 simulações, 10 delas com colocação de anteparos plumbíferos e 10 sem a colocação dos anteparos. Após análise de reprodutibilidade, notou-se que duas amostras de cada grupo não possuíam os mesmos valores estipulados para os parâmetros técnicos fixos, conforme definidos para realização das simulações, as quais foram excluídas do estudo, ficando oito simulações em cada grupo, que totalizaram 16 simulações válidas para análise.

No decorrer das simulações, os parâmetros técnicos apresentados pelo equipamento mostraram que a tensão se manteve fixa em 77 kV com o uso de filtro adicional de cobre de 0,1 mm em ambos os grupos, contribuindo com o endurecimento do feixe em razão da eliminação da radiação de baixa energia. No grupo com anteparo, a corrente de elétrons oscilou de 80 a 334 mA, enquanto no grupo sem anteparo oscilou de 84 a 292 mA. O tempo de cinegrafia foi de 8,0 segundos no grupo sem anteparo e de 6,0 segundos no grupo com anteparo. As maiores doses foram observadas nas projeções OAEs caudais.

Os valores de p para os testes de Shapiro-Wilk e de Levene, descritos na Tabela 1, demonstram que na maioria das posições a suposição de normalidade não foi satisfeita, ao nível de 5% de significância.

A Tabela 2 mostra que a maioria das posições apresentou significância estatística, com valores inferiores a 0,05. A dose mediana de radiação no grupo que tinha os anteparos foi superior em relação ao grupo sem anteparos. Somente os detectores posicionados debaixo da mesa, inferoposterior e sobre a manta não apresentaram significância estatística. A análise dos dados dos detectores nas réguas dosimétricas mostrou que, independentemente do lado irradiado, houve diminuição das doses dos degraus mais profundos e próximos ao dorso do simulador para a região anterior.





Para uma melhor compreensão dos resultados, a Figura 4 mostra os valores medianos das doses registradas diretamente no simulador (A,B) e os valores médios das doses obtidas pelos detectores posicionados na régua dosimétrica (C,D), conforme visualizados nas imagens tomográficas. Os gráficos comparam os grupos com anteparo (B,D) e sem anteparo (A,C) e demonstram a distribuição espacial da dose em perfil linear em cada condição analisada.





A Tabela 3 apresenta as doses registradas nos detectores posicionados no médico e no laboratório de cateterismo. Na maior parte das doses demonstradas, é possível notar que as doses do grupo com anteparo são superiores às do grupo sem anteparo.





DISCUSSÃO

A grande importância deste estudo foi desenvolver e avaliar a efetividade do uso dos anteparos plumbíferos e as correlações entre as doses clínicas, ocupacionais e do ambiente. Acreditando, em princípio, na proteção e otimização das doses ao diminuir as áreas expostas durante a coronariografia pela via radial, a presença das blindagens não forneceu a proteção esperada, e sim, promoveu um aumento significativo da exposição na região de estudo, no simulador, no médico operador e no ambiente.

Ao analisar as doses no dorso do simulador, nas réguas dosimétricas e no flat panel, obtivemos uma melhor compreensão do comportamento da atenuação da radiação primária, secundária, retroespalhada e residual às quais os pacientes são expostos. Além disso, possibilitou demonstrar a implicação negativa da utilização dos anteparos na exposição clínica, ocupacional e a sua relação com o sistema de controle de exposição automático do equipamento e do ambiente onde a equipe transita durante os procedimentos.

Os dados da Tabela 2 e da Figura 4 demonstraram a interação da energia do feixe primário e sua atenuação, mostrando que a energia transferida foi atenuada ao longo de sua trajetória até o flat panel. O lado esquerdo recebeu mais radiação que o lado direito em ambos os grupos, com doses mais elevadas no grupo com anteparo. No grupo sem anteparo, as exposições foram semelhantes (84% no lado direito e 84,5% no esquerdo). Já no grupo com anteparo, o lado direito atenuou 94,1% da dose inicial e o lado esquerdo atenuou 87,5%. Comparando os grupos entre si, houve um aumento médio significativo da dose no grupo com anteparo: 392,06% no lado direito e 166,35% no lado esquerdo. Os valores médios nas exposições sem anteparo foram comparados com os valores estimados no consenso publicado por Hirshfeld et al.(28). Nosso estudo considerou as médias dos valores obtidos (Tabela 2) entre os lados direito e esquerdo sem anteparo, sendo: dorso (a), do primeiro ao quarto degraus (b, c, d, e, respectivamente) e no flat panel (f), obtendo porcentuais na ordem de: a) 100%, b) 75%, c) 39%, d) 20%, e) 15%, e f) 10%. No consenso, os porcentuais estimados de atenuação foram na ordem de: a) 100%, b) 50%, c) 25%, d) 12,5%, e) 6%, f) 3% e g) 1,5% e não se considerou o flat panel. Vale ressaltar que a dose detectada no flat panel é influenciada pelo feixe primário e pela radiação retroespalhada, a qual, ao colidir com o detector, pode ser refletida de volta em direção ao paciente, contribuindo para o aumento da dose absorvida.

Os valores reais foram mensurados na profundidade ao longo da trajetória, proporcionando uma melhor compreensão para estimação dos potenciais efeitos que as doses podem acarretar aos tecidos. Além disso, demonstraram que realizar pesquisas com dispositivos de alta densidade diretamente no paciente eleva as doses. Os dados são de grande relevância, pois procedimentos complexos podem equivaler a doses radioterápicas, potencializando as reações teciduais. Quanto maiores forem as doses, mais acentuadas serão as lesões das camadas mais profundas. Segundo Leyton et al.(2), pode transcorrer 13 a 21 meses para manifestação da lesão, podendo variar conforme a dose, o tipo de tecido irradiado, o procedimento realizado e a radiossensibilidade do paciente.

A comparação das doses na região inferoanterior mostrou um aumento mediano de 26,1% no grupo com anteparo, enquanto o grupo sem anteparo apresentou valores, em média, 33% menores. Esses resultados sugerem que a manta plumbífera não somente foi ineficaz na proteção, como também contribuiu para maior retenção de dose no simulador. Estudos anteriores apresentam resultados variados. Marcusohn et al.(22) detectaram "uma pequena elevação na exposição do paciente", enquanto Kadish et al.(27) relataram minimização da dose de radiação sem aumento da radiação dispersa. Essas diferenças podem ser atribuídas aos distintos materiais utilizados e aos métodos aplicados em cada estudo. Estudo de Gutierrez-Barrios(29) faz a ressalva de que "ao se colocar proteção de campos cirúrgicos dentro do campo de imagem, o controle automático de exposição do equipamento promove um aumento na taxa de dose do paciente", o mesmo observado em nosso estudo.

A comparação das doses referentes aos detectores na região do anteparo plumbífero de abdome inferoposterior (Figura 1A) não apresentou significância estatística. Porém, ao se observar os valores medianos (Tabela 2) dos detectores debaixo da mesa, nota-se uma atenuação de 30,72% no grupo sem anteparo e de 45,16% no grupo com anteparo. As doses entre os grupos nesta posição foram 3,77% maiores no grupo sem anteparo em relação ao grupo com anteparo. Entretanto, a dose de entrada no dorso esquerdo do simulador apresentou um aumento mediano, significativo, de 170,9% na dose primária no grupo com anteparo.

Ao se analisar a efetividade dessa proteção combinada, ou seja, a influência do anteparo pelvicoabdominal e da manta em relação à dose de radiação, vale ressaltar que ambas as blindagens têm um efeito paradoxal, uma vez que utilizá-las promoveu o aumento da dose no simulador. Embora o anteparo tenha promovido uma pequena atenuação na dose, não ocorreu a proteção esperada, ao invés disso, o sistema de controle de exposição automática aumentou a intensidade do feixe de raios-X, promovendo o aumento da dose de entrada na região do feixe primário, ao passo que a manta reteve parte da radiação que, ao colidir nela, refletiu e voltou para o simulador, aumentando a dose no simulador. Ou seja, ambas as "proteções" não promoveram o princípio ALARA, mostrando que as "proteções" devem ter suas aplicabilidades estudadas para cada tipo de modalidade radiológica, pois o que protege, em determinadas circunstâncias, pode resultar em dose aumentada em outras.

Conforme apresentado na Tabela 3, a utilização dos anteparos no simulador promoveu um aumento nas doses no grupo com anteparo de 37,03% na região do cristalino, 64% na região do tórax e 95% na perna esquerda do operador. Ao se comparar o equivalente de dose do médico operador e do ambiente, observou-se um aumento de 69% nas exposições do grupo com anteparo. Ao contrário do apresentado nos estudos de Osherov et al.(17), Marcusohn et al.(22), Lange et al.(23) e Ordiales et. al.(24), as diferenças provavelmente se devem aos métodos empregados naqueles estudos, que utilizaram anteparos constituídos de outros tipos de materiais.

Quanto à radiação secundária e retroespalhada no ar em relação ao arco em C (Tabela 3) nas exposições sem anteparo, a de trás do arco foi a mais exposta. Nas exposições com anteparo, as maiores doses foram registradas na parede lateral à esquerda, onde podem ficar posicionados médicos intervencionistas, médicos ecocardiografistas, anestesistas, equipe multiprofissional na maioria dos procedimentos. A menor dose foi registrada na parede lateral à direita em ambos os grupos. Em relação à média da soma de todas as doses, o grupo com anteparo apresentou os maiores valores. O incremento na dose foi de 38,5% na PAA, de 48% na PLE e de 42% na PLD.

Os anteparos plumbíferos têm como finalidade fornecer proteção. Este estudo demonstrou que a utilização do anteparo de abdome promoveu um aumento de 170,9% na dose do feixe primário, enquanto a manta reteve 26,1% da dose no simulador. Isto é especialmente preocupante em procedimentos intervencionistas em pacientes gestantes, pois tanto a mãe quanto o bebê podem ser mais expostos à radiação. O uso de anteparos plumbíferos deve ser criteriosamente avaliado, pois os equipamentos com controle automático de exposição e materiais de alta densidade podem espalhar radiação, aumentando a dose tanto no médico quanto no paciente.

Uma limitação deste estudo foi a não realização de testes com o uso exclusivo da manta plumbífera sobre o simulador, sem a presença do anteparo pelvicoabdominal sob o colchão. A avaliação isolada da manta permitiria mensurar sua real capacidade de retenção da radiação dispersa, o que é especialmente importante em contextos clínicos, em que seja necessário realizar procedimentos intervencionistas em pacientes gestantes, nos quais a proteção das regiões abdominal e pélvica é crucial para a redução do risco fetal. A presença da manta, conforme demonstrado nos resultados do estudo, ocasiona retenção significativa da radiação no simulador.


CONCLUSÃO

Este trabalho destaca a relevância da revisão dos protocolos de proteção radiológica intervencionista e de validação prévia dos equipamentos de proteção, antes de sua aplicação clínica. O uso indiscriminado de barreiras protetoras pode, paradoxalmente, gerar impactos negativos na dose absorvida pelo paciente, contrariando os princípios fundamentais da radioproteção, como o princípio ALARA. Assim, concluímos que a utilização dos anteparos radiológicos pelvicoabdominais, confeccionados com 0,5 mm de chumbo, não se aplica a pacientes submetidos a procedimentos da cardiologia intervencionista, uma vez que não promove o princípio ALARA ao aumentar, significativamente, a exposição à radiação.


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1. Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE), São Paulo, SP, Brasil
2. Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN), São Paulo, SP, Brasil
3. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
4. Sapra Landauer Serviço de Assessoria e Proteção Radiológica, São Carlos, SP, Brasil
5. Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

a. https://orcid.org/0000-0003-0882-5085
b. https://orcid.org/0000-0001-7137-0613
c. https://orcid.org/0009-0009-3041-7900
d. https://orcid.org/0000-0001-5470-0326
e. https://orcid.org/0000-0002-0647-443X
f. https://orcid.org/0009-0001-1921-184X
g. https://orcid.org/0000-0003-1089-0716
h. https://orcid.org/0000-0001-7964-4279

Correspondência:
Luciana Aparecida Salgado Rodrigues
Rua Imbuia, 94, Cidade das Flores
Osasco, SP, Brasil, 06184-110
E-mail: luarodrys@gmail.com

Disponibilidade de dados
Os dados referentes a este estudo estarão disponíveis mediante solicitação ao autor correspondente.

In memoriam.

Received in March 27 2025.
Accepted em September 3 2025.
Publish in November 28 2025.


Creative Commons License
This work is licensed under an Attribution 4.0 International License (CC BY 4.0), effective June 9, 2022. Previously, the journal was licensed under a Creative Commons Attribution - Non-Commercial - Share Alike 4.0 International License.

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