RESUMO
A biópsia de próstata guiada por ultrassom transperineal está se destacando como uma alternativa superior à biópsia guiada por ultrassom transretal, em razão do seu menor risco de infecção. Este ensaio iconográfico tem como objetivo destacar as aplicações mais amplas do ultrassom transperineal, além das biópsias de próstata. O estudo demonstra vários usos diagnósticos e terapêuticos do ultrassom transperineal, incluindo biópsias de linfonodos, drenagem de abscessos, colocação de afastadores de hidrogel para radioterapia e biópsias de lesões penianas. O procedimento detalhado, o posicionamento e a preparação do paciente são descritos, enfatizando a eficácia e a segurança do método. Os resultados ressaltam a versatilidade do ultrassom transperineal e seu potencial para aprimorar práticas clínicas, demonstrando sua importância como uma técnica minimamente invasiva, com benefícios clínicos significativos em diversos contextos médicos.
Palavras-chave:
Períneo/diagnóstico por imagem; Biópsia; Drenagem; Radioterapia; Hidrogéis; Ultrassonografia.
ABSTRACT
For ultrasound-guided prostate biopsy, a transperineal approach is emerging as a superior alternative to the transrectal approach because the former is associated with a lower risk of infection. This pictorial essay aims to highlight the broader applications of transperineal ultrasound (i.e. , those beyond prostate biopsy). We demonstrate various diagnostic and therapeutic uses of transperineal ultrasound, including lymph node biopsies, abscess drainage, hydrogel spacer placement for radiotherapy, and penile biopsies. Details of the transperineal approach, including patient positioning and preparation, are described. In addition, the effectiveness and safety of the method are demonstrated. Our results underscore the versatility of transperineal ultrasound and its potential to enhance clinical practice, demonstrating its importance as a minimally invasive technique with significant clinical benefits in various medical contexts.
Keywords:
Perineum/diagnostic imaging; Biopsy; Drainage; Radiotherapy; Hydrogels; Ultrasonography.
INTRODUÇÃO
A biópsia transretal da próstata guiada por ultrassom é o método mais comum de biópsia da próstata no mundo todo(1). Porém, este procedimento tem sido associado a um risco significativo de sepse(2). Alternativamente, a biópsia transperineal da próstata guiada por ultrassom, em que a sonda de ultrassom é inserida no reto e as amostras de biópsia são colhidas através do períneo, é considerada um procedimento “limpo” em comparação à biópsia transretal da próstata guiada por ultrassom, que é um procedimento “contaminado”. Tradicionalmente, a biópsia transperineal é realizada sob anestesia local e sedação, com um modelo de amostragem variando de 20 a 45 fragmentos de biópsia(3). A biópsia transperineal demonstrou reduzir significativamente as taxas de infecção pós-procedimento(4–10).
Este ensaio iconográfico tem como objetivo demonstrar a abordagem intervencionista abrangente do acesso transperineal guiado por ultrassom, destacando outras técnicas diagnósticas e terapêuticas além da biópsia de próstata. A importância e a aplicabilidade do acesso transperineal são enfatizadas como uma técnica refinada e uma abordagem eficaz no diagnóstico e tratamento em diversos contextos clínicos.
POSICIONAMENTO E PREPARO DO PACIENTE
Após o posicionamento, o escroto é fixado cranialmente. As pernas são elevadas, abduzidas e apoiadas nos estribos, com as nádegas ligeiramente projetadas além da extremidade inferior da mesa (Figura 1. O relaxamento dos músculos perineais é crucial para permitir o movimento da sonda dentro do reto e para a passagem da agulha introdutora através dos músculos elevadores. Uma rotação externa dos quadris auxilia no relaxamento dos músculos da parte superior das coxas.

A tricotomia do períneo pode ser realizada e a pele é preparada com clorexidina, seguida da colocação de campos estéreis. Utiliza-se uma sonda transretal biplanar (Figura 2) que pode ser orientada por mapas de biópsia e fusão de imagens com ressonância magnética (RM). Atualmente, o procedimento pode ser realizado sob sedação e anestesia local, permitindo que seja feito em ambiente ambulatorial e reduzindo significativamente os custos
(5,6).
INTERVENÇÕES GUIADAS POR ULTRASSOM TRANSPERINEALNo intuito de explorar aplicações do acesso transperineal além da biópsia de próstata, os casos incluídos no estudo consistiram em pacientes submetidos a: drenagem de abscessos pélvicos; procedimentos de biópsia de linfonodos na região pélvica; colocação de afastador com hidrogel para a realização de radioterapia; biópsia de lesões perineais.
Drenagem de abscessos pélvicosPaciente do sexo masculino, 68 anos, apresentando dor intensa na região pélvica e febre após prostatectomia robótica. Exame clínico e RM indicaram a presença de um abscesso na loja prostática (Figura 3).
Foi realizada ultrassonografia, que identificou a coleção (Figura 4A). A drenagem foi realizada utilizando uma agulha de aspiração Chiba 18 gauge, guiada por ultrassom, via transperineal, finalizada com sucesso, tendo o paciente evoluído com melhora dos sintomas e alta médica precoce no dia seguinte (Figura 4B).

A escolha pela via transperineal para drenagem de abscessos pélvicos, em vez da via transretal, pode ser justificada por várias razões, como redução do risco de contaminação, uma vez que a via transretal atravessa o reto – uma área altamente colonizada por bactérias –, o que aumenta o risco de infecção secundária ao drenar um abscesso pélvico. A via transperineal, por outro lado, evita essa passagem pelo trato gastrointestinal, reduzindo significativamente o risco de contaminação. Outro motivo é o melhor acesso a coleções profundas (a drenagem transperineal proporciona um acesso mais direto a coleções que estão localizadas profundamente na pelve, especialmente em pacientes pós-cirúrgicos, como após uma prostatectomia). A anatomia alterada pela cirurgia pode dificultar o acesso transretal, podendo ser menos segura devido a alterações anatômicas, aderências ou proximidade de estruturas vasculares ou nervosas importantes. Portanto, o acesso transperineal pode contornar essas complicações, oferecendo um trajeto mais seguro, principalmente em algumas anatomias pós-operatórias.
Resumidamente, a opção pela via transperineal neste caso se deu para evitar a contaminação e por oferecer um trajeto mais seguro e direto para coleções pélvicas, especialmente em pacientes com anatomia alterada por cirurgia prévia.
Procedimentos de biópsia de linfonodos na região pélvicaPaciente do sexo masculino, 57 anos, com linfonodomegalia de aspecto atípico detectada em RM (Figuras 5, 6 e 7A). As imagens de RM mostraram a linfonodomegalia. Foi realizada ultrassonografia, que confirmou a localização dos linfonodos e guiou o acesso transperineal para a biópsia, utilizando-se uma agulha 16 gauge, que permitiu o diagnóstico preciso (Figuras 5B e 7B).
Atualmente, há poucos trabalhos na literatura sobre biópsias transperineais guiadas por ultrassom de lesões pélvicas não prostáticas, como linfonodos pélvicos. De maneira geral, os estudos existentes focam em biópsias prostáticas. Apesar disso, há indícios de que essa abordagem é eficaz, com uma taxa de sucesso elevada, a depender do seu tamanho, da localização, da experiência do profissional e da natureza da lesão. As complicações associadas ao procedimento como sangramento ou infecções são raras, e o procedimento é considerado seguro, especialmente em comparação com métodos mais invasivos, além de ser bem tolerado pela maioria dos pacientes.
Colocação de afastador para radioterapiaPaciente do sexo masculino, 73 anos, se negava a realizar cirurgia e, em razão de doença bilateral extensa à direita (Figura 8), foi decidido em conjunto com o paciente realizar tratamento local com radioterapia com finalidade curativa. Dessa forma, foi proposta a colocação de hidrogel como afastador para diminuir efeitos colaterais locais, principalmente retais.
Foi realizada a colocação de afastador com hidrogel utilizando o acesso transperineal guiado por ultrassonografia, com sucesso técnico demonstrado pelas imagens pós-procedimento (Figura 9).
Biópsia de lesões perineaisPaciente sexo masculino, 48 anos, com diagnóstico de neoplasia hepática, apresentando nódulo lobulado e heterogêneo na base do pênis. As imagens de RM mostraram o nódulo (Figura 10). A ultrassonografia transperineal confirmou a localização da lesão e guiou a biópsia, permitindo o diagnóstico preciso. O paciente segue em acompanhamento multidisciplinar, em planejamento de excisão cirúrgica da lesão.
Paciente do sexo feminino, 62 anos, com queixa de dor pélvica e sangramento vaginal intermitente. As imagens de RM mostraram uma massa irregular localizada entre a vagina e o reto (Figura 11A). A paciente foi submetida a uma biópsia transperineal guiada por ultrassom para confirmação do diagnóstico (Figuras 11B e 11C). O resultado do estudo anatomopatológico da biópsia diagnosticou carcinoma espinocelular. O tratamento foi planejado com base nesses achados e a paciente encontra-se em planejamento cirúrgico.
A literatura sobre biópsias de lesões perineais realizadas por via transperineal também é bastante limitada. Apesar disso, essa via oferece acesso direto às lesões, minimizando o risco de complicações e lesões adjacentes. As complicações são raras e geralmente incluem sangramento leve e desconforto no local do procedimento, enquanto infecções são menos comuns graças ao trajeto “limpo” da abordagem transperineal.
REVISÃO DA LITERATURAA via transperineal tem sido amplamente estudada como uma rota alternativa e eficaz para diversos procedimentos médicos. Essa via tem ganhado espaço graças à sua menor taxa de complicações infecciosas em comparação com abordagens transretal e transvaginal, além de possibilitar um acesso mais direto a estruturas específicas da pelve. A seguir, são discutidos os procedimentos mais comuns realizados por via transperineal, suas taxas de sucesso e complicações.
Biópsia de próstataA biópsia transperineal da próstata é o procedimento mais comum descrito na literatura para essa via de acesso. Esse método é frequentemente preferido em pacientes com risco elevado de infecção, como os com prostatite ou história de complicações após biópsias transretais. Um estudo comparativo mostrou que essa abordagem tem uma taxa de infecção significativamente menor do que a via transretal, com redução nas complicações infecciosas e menor incidência de febre e sangramento retal. Estima-se que a taxa de sucesso diagnóstico é superior a 95%, sendo mais eficiente na detecção de câncer de próstata em áreas anteriores da glândula, menos acessíveis pela abordagem transretal. As principais complicações incluem retenção urinária aguda (5–10%) e sangramentos leves (hematúria e hematospermia). A infecção grave, como sepse, é extremamente rara (< 1%)
(11).
Implante de braquiterapia prostáticaA inserção de implantes radioativos para o tratamento do câncer de próstata por via transperineal é um método consolidado. Essa abordagem permite o posicionamento preciso do material, geralmente composto por iodo ou paládio, dentro da próstata. Estudos indicam que o controle local do tumor é alcançado em até 80–90% dos casos, dependendo do estágio da doença. As complicações mais comuns incluem disfunção urinária temporária e irritação retal, mas são raras as complicações graves, como a retenção urinária persistente
(12).
Tratamento de abscessos pélvicosA drenagem de abscessos pélvicos, como os prostáticos ou perirretais, pode ser feita com segurança via transperineal, utilizando o ultrassom como guia. A abordagem transperineal permite um acesso seguro sem necessidade de procedimentos mais invasivos, como cirurgias abertas. A literatura relata taxas de resolução completas de 85–95%, com boa margem de segurança quando comparada à abordagem cirúrgica aberta. As principais complicações incluem recidiva do abscesso (em torno de 10–14%) e, em casos raros, lesões inadvertidas de estruturas adjacentes, que podem ser evitadas com o uso de imagem guiada
(13,14).
Tratamentos minimamente invasivos para hiperplasia prostática benignaTécnicas como a terapia de vapor d’água (Rezum) ou a ablação com agulhas transperineais estão emergindo como opções minimamente invasivas para o tratamento de hiperplasia prostática benigna em pacientes que não desejam ou não podem ser submetidos a cirurgia tradicional. Estudos mostram uma melhora significativa dos sintomas urinários obstrutivos em 70–85% dos pacientes, com um baixo risco de complicações graves. Sintomas urinários transitórios, como disúria e urgência miccional, são comuns, mas geralmente se resolvem em semanas
(15).
Em resumo, a via transperineal é considerada segura e eficaz; no entanto, algumas complicações podem ocorrer, como infecções, lesões vasculares e nervosas, e dor perineal. Apesar disso, a taxa de infecção é significativamente menor em comparação com a via transretal, em virtude da ausência de contato com o trato gastrointestinal. Infecções graves, como sepse, são raras (< 1%). O risco de lesões em vasos sanguíneos e nervos perineais é baixo, especialmente quando o procedimento é realizado com orientação por imagem, como o ultrassom.
CONCLUSÃOEste ensaio ilustra como o ultrassom transperineal pode ser utilizado em grande variedade de indicações, destacando-se como uma ferramenta valiosa para diversas condições clínicas, demonstrando, assim, uma versatilidade notável. A abordagem transperineal permite uma exploração mais abrangente das regiões pélvicas, ampliando seu uso para além do diagnóstico de câncer de próstata.
A literatura registra altas taxas de sucesso diagnóstico e terapêutico, associadas a uma baixa incidência de complicações graves. A via transperineal se destaca como uma alternativa segura, especialmente para pacientes com risco aumentado de infecção ou que necessitam de acesso direto a estruturas pélvicas, de difícil alcance por vias tradicionais.
A escolha criteriosa da técnica é essencial, considerando as características específicas da lesão e as necessidades individuais de cada paciente. Este estudo enfatiza a importância de considerar o acesso transperineal como uma abordagem diagnóstica e terapêutica significativa em diversos contextos. As vantagens, como risco reduzido de infecção, maior precisão e natureza minimamente invasiva, fazem dela uma opção promissora. Com isso, o potencial e o impacto clínico do acesso transperineal aumentam, tornando-o uma técnica indispensável e multifacetada na prática médica moderna.
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1. Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
2. Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), São Paulo, SP, Brasil
3. Interventix, Campo Grande, MS, Brasil
a.
https://orcid.org/0000-0003-4295-3582 b.
https://orcid.org/0009-0000-0012-8520 c.
https://orcid.org/0000-0002-8052-6912 d.
https://orcid.org/0000-0001-8482-5955 e.
https://orcid.org/0000-0003-0006-3725Correspondência: Dr. Gabriel Franchi De Santi
Departamento de Diagnóstico por Imagem, EPM-Unifesp
Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil, 04023-062
E-mail:
gabrielfranchidesanti@hotmail.com
Received in
July 9 2024.
Accepted em
October 14 2024.
Publish in
March 7 2025.