Sr. Editor,
Paciente feminina, 32 anos, gestante gemelar, 25 semanas, gesta 2, para 1, assintomática, em acompanhamento regular com obstetra. A ultrassonografia morfológica mostrou gêmeo morfologicamente normal e o outro hidrópico, com involução cefálica e tecido cardíaco rudimentar (Figura 1).
Figura 1. Ultrassonografia demonstrando imagem comparativa no plano sagital do feto A (morfologicamente normal) e do feto B, que representa configuração anatômica bizarra, com ausência de formação cefálica e dos brotos dos membros superior e inferior e hidropisia.
Uma séria de recentes publicações tem destacado a importância dos exames de imagem em medicina fetal
(1–3). As gestações múltiplas podem apresentar diversas complicações, e a mais rara é a síndrome da acardia fetal, presente em apenas 1% das gestações gemelares monocoriônicas
(4).
A fisiopatologia da síndrome da acardia fetal não é bem conhecida, mas acredita-se que existam anastomoses vasculares que desviam o sangue do gêmeo morfologicamente normal para o acárdico, levando a uma circulação reversa. O gêmeo acárdico quase sempre apresenta involução cefálica, ausência ou malformações de outros órgãos (Figura 2). O gêmeo normal pode sofrer complicações como insuficiência cardíaca, poli-hidrâmnio, hidropisia, restrição de crescimento e óbito fetal
(4–6).
Figura 2. Imagens de ultrassonografia no plano sagital demonstrando desorganização estrutural do feto, observando-se ausência do polo cefálico e dos brotos dos membros superiores e inferiores, tecido cardíaco rudimentar e hidropisia fetal (A). A análise com Doppler espectral não detectou atividade cardíaca fetal (B).
Cerca de 20% dos fetos acometidos pela síndrome de acardia fetal apresentam vestígios de tecido cardíaco ou um coração rudimentar. Desse modo, seria correto chamá-la de pseudoacardia. Assim sendo, a raridade deste caso torna-se ainda maior, por se tratar de um feto pseudoacárdico
(4,6).
O diagnóstico é realizado pela ultrassonografia morfológica fetal e inclui como critérios: gestação gemelar monocoriônica, fluxo reverso no cordão umbilical e aorta descendente, presença de anastomoses arterioarteriais e ausência parcial ou completa do coração em um dos fetos
(6). O gêmeo acárdico, às vezes, pode ser confundido com um teratoma, e para a diferenciação observamos a presença do cordão umbilical e certa organização corporal do feto acárdico
(6).
A conduta expectante está associada a uma mortalidade de 50% a 75% do feto estruturalmente normal, por causa da insuficiência cardíaca e hidropisia. No presente caso, a gestação foi acompanhada com exames seriados até o termo, sem intercorrências para o feto estruturalmente normal e para a mãe. O tratamento, quando necessário, é ainda controverso e tem por objetivo a interrupção da circulação do gêmeo acárdico caso o gêmeo estruturalmente normal apresente algum comprometimento. As principais técnicas cirúrgicas visam a oclusão do cordão umbilical, seja pela ligadura com fio, com pinça bipolar, com fotocoagulação, seja com ligadura e secção do cordão ou obliteração da circulação com álcool absoluto. Assim, a taxa de sobrevida pode chegar a 75% quando alguma intervenção é realizada
(6,7).
A síndrome da acardia fetal é uma rara complicação das gestações múltiplas monocoriônicas, de método diagnóstico acessível e que pode ser feito precocemente, evitando assim um desenlace fatal para o gêmeo estruturalmente normal.
REFERÊNCIAS
1. Werner H, Daltro P, Fazecas T, et al. Prenatal diagnosis of sirenomelia in the second trimester of pregnancy using two-dimensional ultrasound, three-dimensional ultrasound and magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2017;50:201–2.
2. Bertoni NC, Pereira DC, Araujo Júnior E, et al. Thrombocytopenia-absent radius syndrome: prenatal diagnosis of a rare syndrome. Radiol Bras. 2016;49:128–9.
3. Lima LLA, Parente RCM, Maestá I, et al. Clinical and radiological correlations in patients with gestational trophoblastic disease. Radiol Bras. 2016;49:241–50.
4. Alves JAG, Brasileiro JMF, Campos APA, et al. Diagnóstico pré-natal de um gêmeo hemiacárdico: relato de caso. Rev Bras Ginecol Obstet. 1998;20:111–3.
5. Brizot ML, Fujita MM, Reis NSV, et al. Malformações fetais em gestação múltipla. Rev Bras Ginecol Obstet. 2000;22:511–7.
6. Oliveira SA, Elito Junior J. Complicações fetais na gemelaridade monocoriônica: quadro clínico, fisiopatologia, diagnóstico e conduta. Femina. 2014;42:95–100.
7. Rivera Valdespino AC, García Jardon ME. Gestación gemelar con feto acárdico: presentación de un caso. Rev Haban Cienc Méd. 2014;13:561–9.
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