RELATO DE CASO
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Autho(rs): Flávia Paiva Lobo Lopes, Edson Marchiori, Gláucia Zanetti, Talita Fonseca Medeiros da Silva, Laura Brasil Herranz, Maria Isabel de Brito Almeida |
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Descritores: Pneumomediastino espontâneo, Enfisema mediastinal, Tomografia computadorizada, Esforço vocal, Tórax |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O pneumomediastino caracteriza-se pela presença de ar no mediastino, podendo ocasionar dor torácica com irradiação para o pescoço, dispneia, enfisema subcutâneo e crepitações associadas às bulhas cardíacas durante ausculta. A associação com pneumotórax é frequente(1,2). Por definição, no pneumomediastino espontâneo não há evidências de traumatismo, iatrogenia ou pneumopatias prévias. Por se tratar de uma afecção incomum, eventualmente o diagnóstico não é feito, podendo trazer consequências danosas para o paciente, uma vez que pode evoluir com complicações potencialmente fatais(1,35). Neste estudo é descrito um caso de pneumomediastino espontâneo em um jovem de 14 anos de idade, após esforço vocal, enfatizando-se os aspectos radiológicos da doença.
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 14 anos de idade, previamente hígido, sem relato de traumatismo, uso de drogas, história pregressa de asma, ou outra doença respiratória, após assistir a um jogo de futebol e gritar intensamente durante a partida, apresentou quadro de dor torácica retroesternal com irradiação para o pescoço, que melhorava na posição genupeitoral, associada a rouquidão e dispneia. Ao exame físico apresentava-se lúcido, orientado, acianótico, anictérico, temperatura axilar de 36,8ºC, pressão arterial de 130 × 80 mmHg, frequência cardíaca de 72 bpm, frequência respiratória de 21 irpm, saturação de O2 de 94%. Sistema cardiovascular: ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas, sem turgência jugular patológica. Sistema respiratório sem anormalidades. Abdome: flácido, timpânico, peristáltico e indolor à palpação. Crepitações à palpação na parede torácica anterior. O eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal e alteração difusa inespecífica da repolarização ventricular. A radiografia de tórax (Figura 1) revelou pneumomediastino associado a enfisema de partes moles bilateral, maior à esquerda, e pequeno pneumotórax bilateral, achados estes confirmados pela tomografia computadorizada (TC) de tórax (Figura 2). Os exames de imagem não mostraram lesões parenquimatosas. Para avaliação de possível ruptura do esôfago, foi realizada seriografia de esôfago, que teve aspecto normal.
Afastada a possibilidade de pneumomediastino secundário a ruptura de esôfago, foi feito o diagnóstico, por exclusão, de pneumomediastino espontâneo. O paciente foi encaminhado para o centro de terapia intensiva, para acompanhamento evolutivo, fazendo radiografias após 12 e 24 horas. O ecocardiograma foi inconclusivo, pois as estruturas cardíacas foram mal visualizadas em função da presença de pneumomediastino e do enfisema subcutâneo. Após 24 horas, na avaliação clínica realizada, não houve piora do quadro. Após 48 horas foi realizada TC de tórax, que mostrou reabsorção de mais de 50% do pneumomediastino, tendo o paciente recebido alta 72 horas após a internação.
DISCUSSÃO Pneumomediastino espontâneo ou enfisema mediastinal é uma condição autolimitada benigna que acomete pacientes jovens, com uma média de idade entre 17 e 25 anos. A incidência é bastante baixa, ocorrendo em aproximadamente 1/30.000 admissões hospitalares. Os sintomas podem variar desde quadros assintomáticos até graves e, em alguns casos, fatais. Dentre os sintomas descritos há predomínio da dor retroesternal(2,69). As principais causas de pneumomediastino espontâneo são exercício físico intenso, trabalho de parto, barotrauma pulmonar, mergulhos a grandes profundidades, tosse em paroxismos de forte intensidade, vômitos, asma, inalação de drogas entorpecentes, asma brônquica e biotipo longilíneo. Alguns autores relatam que a principal causa de pneumomediastino espontâneo é o uso de drogas entorpecentes(10). No caso aqui descrito, o paciente não apresentava nenhum dos fatores mencionados anteriormente, com exceção do esforço vocal. Oura et al.(11) relataram dois casos de pneumomediastino espontâneo por esforço vocal, os quais apresentavam desconforto torácico e cervical, com confirmação radiológica, obtendo boa evolução clínica após cinco dias de terapia conservadora, corroborando os dados observados no presente estudo. As radiografias do tórax ainda são o padrão ouro no diagnóstico de pneumomediastino espontâneo. A sensibilidade das incidências póstero-anterior e perfil no pneumomediastino espontâneo é próxima de 100%. Sabe-se que a não realização da incidência em perfil pode levar a erro diagnóstico em aproximadamente metade dos pacientes(1,1113). Os achados radiológicos de pneumomediastino espontâneo incluem imagens lineares de gás no mediastino, geralmente seguindo até o pescoço, bolhas ou grandes coleções de ar delineando os vasos sanguíneos mediastinais, vias aéreas de grosso calibre, esôfago ou coração. A presença de enfisema intersticial auxilia o diagnóstico de pneumomediastino. Um sinal importante de pneumomediastino no exame radiográfico é a presença de ar dissecando abaixo e lateralmente ao timo. A delimitação do timo por ar é observada especificamente no pneumomediastino e pode ser o principal sinal para o diagnóstico de certeza(13). Levin(14) descreveu o sinal do diafragma contínuo no pneumomediastino. Usualmente, a porção central do diafragma não é visível ao exame por seu contato com o coração, por possuírem densidades radiológicas semelhantes. No sinal do diafragma contínuo observa-se interposição de gás entre o coração e o diafragma, permitindo a visualização da porção central deste em continuação com a porção lateral. A TC pode ser realizada nas suspeitas clínicas quando a radiografia de tórax for normal ou inconclusiva, pois possibilita a localização anatômica do ar em cortes transversos. Após a exclusão de causas específicas de pneumomediastino, o paciente com pneumomediastino espontâneo deve ficar em observação, ocorrendo a resolução do quadro na maioria dos casos. No caso ora apresentado foi realizada também a esofagografia, para afastar ruptura esofágica, uma vez que o início da dor foi coincidente com o término da alimentação. Em conclusão, apesar do pneumomediastino espontâneo ser uma afecção rara, de prognóstico benigno e autolimitada, deve ser considerado no diagnóstico diferencial de dor torácica súbita. Para tanto, os parâmetros radiológicos devem estar presentes na radiografia de tórax, sendo imprescindível a aquisição das imagens tanto na incidência póstero-anterior quanto em perfil para diferenciar pneumomediastino, pneumopericárdio ou pneumotórax. Em casos duvidosos, a TC é ferramenta de grande valia.
REFERÊNCIAS 1. Ba-Ssalamah A, Schima W, Umek W, et al. Spontaneous pneumomediastinum. Eur Radiol. 1999; 9:7247. [ ] 2. Dekel B, Paret G, Szeinberg A, et al. Spontaneous pneumomediastinum in children: clinical and natural history. Eur J Pediatr. 1996;155:6957. [ ] 3. Chapdelaine J, Beaunoyer M, Daigneault P, et al. Spontaneous pneumomediastinum: are we overinvestigating? J Pediatr Surg. 2004;39:6814. [ ] 4. James M, Miguel M, Fancher T. Spontaneous pneumomediastinum. J Hosp Med. 2007;2:2834. [ ] 5. Langwieler TE, Steffani KD, Bogoevski DP, et al. Spontaneous pneumomediastinum. Ann Thorac Surg. 2004;78:7113. [ ] 6. Gerazounis M, Athanassiadi K, Kalantzi N, et al. Spontaneous pneumomediastinum: a rare benign entity. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;126:7746. [ ] 7. Yellin A, Gapany-Gapanavicius M, Lieberman Y. Spontaneous pneumomediastinum: is it a rare cause of chest pain? Thorax. 1983;38:3835. [ ] 8. Nounla J, Tröbs R, Bennek J, et al. Idiopathic spontaneous pneumomediastinum: an uncommon emergency in children. J Pediatric Surg. 2004;39:E234. [ ] 9. Shen G, Chai Y. Spontaneous pneumomediastinum in adolescents. Chin Med J (Engl). 2007;120:232930. [ ] 10. López Penza P, Odriozola M, Ruso L. Neumomediastino espontáneo asociado al consumo de drogas inhalantes. Rev Med Urug. 2007;23:37882. [ ] 11. Oura H, Aikawa H, Ishiki M. Simultaneous spontaneous pneumomediastinum caused by vocal exercise: report of 2 cases. Kyobu Geka. 2004;57:114952. [ ] 12. Kumar VM, Grant CA, Hughes MW, et al. Role of routine chest radiography after percutaneous dilatational tracheostomy. Br J Anaesth. 2008;100:6636. [ ] 13. Bejvan SM, Godwin JD. Pneumomediastinum: old signs and new signs. AJR Am J Roentgenol. 1996;166:10418. [ ] 14. Levin B. The continuous diafragm sign. A newly-recognized sign of pneumomediastinum. Clin Radiol. 1973;24:3378. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 4/6/2008
* Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |