Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 43 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2010

RELATO DE CASO
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Page(s) 59 to 61



Paniculite mesentérica pseudotumoral: aspectos tomográficos de um caso

Autho(rs): Eduardo Miranda Brandão, Thales Paulo Batista, Jonas José da Silva Júnior, Francisco Igor Bulcão de Macêdo, Paulo Henrique Domingues Miranda Brandão

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Texto em Português English Text

Descritores: Mesenterite esclerosante, Paniculite mesentérica, Pseudotumor, Pâncreas

Keywords: Sclerosing mesenteritis, Mesenteric panniculitis, Pseudotumor, Pancreas

Resumo:
A paniculite mesentérica representa um processo inflamatório do mesentério de ocorrência rara e etiologia desconhecida, que apenas em alguns poucos casos pode se manifestar sob a forma de pseudotumores abdominais. Descreve-se, enfatizando os aspectos tomográficos, um raro caso de paniculite mesentérica que se apresentou inicialmente como um pseudotumor que envolvia a região peripancreática.

Abstract:
Mesenteric panniculitis is a rare inflammatory process of the mesentery whose etiology is unknown that in only very few cases may present as an abdominal pseudotumor. The authors report a rare case, emphasizing the tomographic findings of mesenteric panniculitis that initially presented as a pseudotumor involving the peripancreatic region.

VEstudante de Medicina da Faculdade Boa Viagem - Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (FBV-IMIP), Recife, PE, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A paniculite mesentérica representa uma reação inflamatória do mesentério, patologicamente caracterizada por graus variados de necrose gordurosa, infiltrado inflamatório e fibrose.

Seu quadro clínico é variável e apenas em alguns poucos casos se manifesta sob a forma de pseudotumores abdominais(1). Neste último caso, seu diagnóstico final depende de laparotomia e confirmação histológica, mas apresenta bom prognóstico e raramente leva ao óbito.

O objetivo deste trabalho é descrever, enfatizando os aspectos tomográficos, um raro caso de paniculite mesentérica que se apresentou inicialmente como um pseudotumor abdominal que envolvia a região peripancreática.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 73 anos de idade, sexo feminino, foi encaminhada para avaliação oncológica com diagnóstico inicial de tumor abdominal. Queixava-se de dor epigástrica persistente e de forte intensidade com 30 dias de evolução, associada a náuseas e vômitos ocasionais. Relatava ainda febre baixa recorrente, anorexia e perda de peso não quantificada. Referia um evento semelhante de menor intensidade e autolimitado há quatro meses, porém não possuía comorbidades importantes.

Ao exame físico, apresentava tumor na região epigástrica, de 15 cm de diâmetro, com limites imprecisos, doloroso à palpação, fixo aos planos profundos e parcialmente móvel. Não foram encontrados linfadenomegalias significativas nem achados relevantes ao exame ginecológico ou digital do reto.

A paciente trazia consigo ultrassonografia (US) abdominal, com descrição de aglomerado de alças intestinais espessadas no hipocôndrio esquerdo, e tomografia computadorizada do abdome (TAC), que evidenciava um aumento da densidade dos planos gordurosos peripancreáticos, com perda da definição da cabeça deste órgão (5,2 × 4,9 × 3 cm) (Figura 1). Outros achados incluíam densificação mesenterial e deslocamento dos vasos mesentéricos (Figura 2), além de espessamento de alças intestinais e discreta ascite.

 

 

 

 

A paciente foi internada para a realização de biópsia percutânea e investigação diagnóstica. Entre os exames laboratoriais realizados no serviço, hemograma, coagulograma, amilase, lipase, função renal, perfil e função hepática encontravam-se normais. Os marcadores tumorais estavam dentro dos limites da normalidade, com valores de CEA = 0,655 U/ml e CA19.9 = 21,3 U/ml. A endoscopia digestiva alta revelou compressão extrínseca da segunda porção do duodeno sem comprometimento mucoso, enquanto a colonoscopia demonstrou estreitamento concêntrico e abrupto do cólon transverso próximo ao ângulo esplênico. A mucosa desta região encontrava-se hiperemiada e friável, tendo sido biopsiada durante o exame.

A tentativa de biopsiar a lesão por punção percutânea não teve êxito, e enquanto aguardava sua realização, a paciente evoluiu com constipação, febre baixa recorrente, anorexia e vômitos, associados a significativa redução do volume da massa abdominal ao exame físico diário.

Dosagens seriadas de amilase foram realizadas neste mesmo período, porém seus resultados persistiram normais. Realizou nova TAC, com achados de lesão infiltrante de limites imprecisos, situada no retroperitônio e espaço pararrenal anterior, envolvendo o pâncreas, duodeno e o mesentério. Ainda, foram observados áreas focais de liquefação, envolvimento dos vasos mesentéricos sem invasão direta destes, além de efeito de compressão extrínseca sobre o duodeno (Figura 3).

 

 

A paciente foi submetida a laparotomia exploradora, na qual se encontrou pequena quantidade de líquido citrino na pelve e tumoração gordurosa com intenso edema na raiz do mesentério. Havia, ainda, envolvimento fibrótico do mesocólon transverso, causando estreitamento de sua luz na região próxima ao ângulo esplênico, e reação fibrótica periduodenal com bridas para peritônio parietal do hipocôndrio direito. Aberta a retrocavidade dos epíplons e realizadas as manobras de Kocher-Vautrin e Cattel-Branch, pôde-se verificar o aspecto macroscópico normal do pâncreas em toda a sua extensão. Realizou-se lise das bridas e aderências para desobstruir o cólon transverso, coleta do líquido abdominal e biópsia de congelação da tumoração mesentérica. Esta última revelou apenas um componente inflamatório e fibrótico, sem comprometimento neoplásico.

Foram administrados antibióticos por 48 horas e sintomáticos por mais cinco dias. A paciente evolui com progressiva melhora, recebendo alta ao 32º dia de internamento (5º dia de pós-operatório), com orientações sobre seu acompanhamento ambulatorial, e encontra-se assintomática após 12 meses de seguimento.

O estudo do líquido abdominal não revelou crescimento bacteriano aeróbio nem a presença de células neoplásicas. A histologia dos fragmentos obtidos na colonoscopia mostrou apenas infiltrado inflamatório, mimetizando colite crônica leve. As biópsias da tumoração mesentérica descreveram uma miscelânea de necrose gordurosa, infiltrado inflamatório crônico e fibrose em diferentes graus nas diversas amostras.

 

DISCUSSÃO

A paniculite mesentérica representa uma reação inflamatória não específica do mesentério, de ocorrência rara e mecanismo etiológico ainda desconhecido, que poucas vezes se apresenta sob a forma de pseudotumores abdominais(1,2).

Histologicamente, lipodistrofia mesentérica, paniculite mesentérica e mesenterite retrátil têm sido consideradas estágios evolutivos de um mesmo processo inflamatório e inespecífico do mesentério, caracterizadas pela mistura de diferentes proporções de necrose gordurosa, infiltrado inflamatório crônico e fibrose(1-3). Estes três principais termos caracterizam o predomínio de cada um destes componentes, respectivamente, nas diferentes fases desta afecção. Outrossim, como certo grau de todos esses componentes é encontrado em todos os casos, e tendo em vista seu caráter evolutivo para fibrose do mesentério, a nomenclatura "mesenterite esclerosante" é considerada genericamente mais apropriada(1,3).

Os achados clínicos mais frequentes incluem dor e massa abdominal(1,2), geralmente associados a outros sinais e sintomas constitucionais e inespecíficos(2). Os achados laboratoriais e ultrassonográficos são igualmente inespecíficos(1,2). Exames baritados demonstram apenas sinais indiretos de comprometimento parietal com preservação do padrão mucoso. A tomografia, por outro lado, apresenta boa correlação anatomopatológica, sendo comumente empregada no diagnóstico e acompanhamento destes casos. Ainda, a ressonância magnética apresenta benefícios adicionais pela melhor caracterização dos tecidos e avaliação não invasiva dos vasos de menor calibre(2), o que também pode ser conseguido pelo uso de aparelhos de tomografia com múltiplos detectores e contraste venoso em infusão por bomba.

Os principais achados na avaliação tomográfica da paniculite mesentérica são presença de massa heterogênea com densidade de gordura espessada, deslocamento e ectasia dos vasos mesentéricos, distorção de alças intestinais e presença de pseudocápsula tumoral. Outros achados incluem densificação mesenterial, formação de cistos, sinal do anel gorduroso, calcificações e linfonodomegalias(1,2,4,5).

A paniculite mesentérica pode ser bem estudada com TAC como exame de eleição(4) e seus achados dependem do estádio da doença(2). Nas fases agudas e subagudas de lipodistrofia e paniculite predominam o efeito de massa heterogênea com densidade de gordura ligeiramente aumentada, em decorrência do processo inflamatório e sem o envolvimento direto dos vasos, além da formação de bandas lineares decorrentes da retração fibrótica. Por outro lado, nas fases crônicas estas massas adquirem aspecto mais homogêneo e densidade aumentada, característicos da reação fibrótica(2).

O sinal do anel gorduroso e a pseudocápsula tumoral representam a preservação da gordura próxima aos vasos mesentéricos e a formação de bandas periféricas com densidade de partes moles que separam o mesentério normal do processo inflamatório, respectivamente. Ambos sugerem fortemente o diagnóstico de paniculite mesentérica, contudo, tendem a desaparecer com a evolução do processo fibrótico(2).

Ademais, para seu correto diagnóstico, faz-se necessária a exclusão de pancreatite, doença inflamatória intestinal e doença de Weber-Christian(2). O diagnóstico diferencial deve incluir ainda doença de Whipple, tumores carcinoides, pseudotumores inflamatórios, leiomiossarcoma, abscessos, hematomas, neoplasias adiposas, carcinomatose mesentérica, linfoma não Hodgkin, fibromatose retroperitoneal, peritonite fibrosante secundária, edema mesentérico e outras causas de obstrução intestinal(1-3) .

Muitas formas de tratamento têm sido empregadas, mas nenhuma delas se mostrou indistintamente adequada(1,2,4,5). O papel da cirurgia fica restrito à realização de biópsias e ao tratamento das complicações(2). A maioria dos casos evolui para resolução total ou parcial do quadro e estabilização do processo, com apenas raros casos de desfecho fatal(1-3).

Devido às suas características inespecíficas, o diagnóstico da paniculite mesentérica pseudotumoral geralmente necessita da realização de laparotomia e biópsias para correlação clínica, radiológica, cirúrgica e histológica(1,3). Todavia, o conhecimento de suas características clínicas e radiológicas pode evitar cirurgias desnecessárias, considerando seu curso clínico favorável na maioria dos casos.

Neste relato, a adequada correlação das características clínicas, radiológicas, cirúrgicas e histológicas levou ao diagnóstico de paniculite mesentérica com tendência a evolução para fibrose, em que, com exceção da pseudocápsula tumoral, foram encontrados todos os aspectos tomográficos citados.

 

REFERÊNCIAS

1. Sheikh RA, Prindiville TP, Arenson D, et al. Sclerosing mesenteritis seen clinically as pancreatic pseudotumor: two cases and a review. Pancreas. 1999;18:316-21.         [  ]

2. Moreira LBM, Pinheiro RA, Melo ASA, et al. Paniculite mesentérica: aspectos na tomografia computadorizada. Radiol Bras. 2001;34:135-40.         [  ]

3. Emory TS, Monihan JM, Carr NJ, et al. Sclerosing mesenteritis, mesenteric panniculitis and mesenteric lipodystrophy: a single entity? Am J Surg Pathol. 1997;21:392-8.         [  ]

4. Varela C, Fuentes M, Rivadeneira R. Procesos inflamatorios del tejido adiposo intraabdominal, causa no quirúrgica de dolor abdominal agudo: hallazgos en tomografía computada. Rev Chil Radiol. 2004;10:28-34.         [  ]

5. Martínez Odriozola P, García Jiménez N, Cabeza García S, et al. Mesenteritis esclerosante. A propósito de dos casos con diferente forma de presentación clínica. An Med Interna (Madrid). 2003;20:254-6.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Thales Paulo Batista
Rua Desembargador Góis Cavalcante, 100, Ed. Costa do Sol, ap. 1206, Parnamirim
Recife, PE, Brasil, 52060-140
E-mail: t.paulo@bol.com.br

Recebido para publicação em 20/2/2008.
Aceito, após revisão, em 26/6/2008.

 

 

* Trabalho realizado no Centro de Oncologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz - Universidade de Pernambuco (CEON/HUOC-UPE), Recife, PE, Brasil.


 
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