ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Alessandro Martins da Costa, Linda V. E. Caldas |
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Descritores: Raio-X convencional, Mamografia, Controle da qualidade, Câmara de ionização |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Um programa de garantia da qualidade em radiodiagnóstico pode levar à produção de radiografias de alta qualidade e exposição mínima do paciente(14). A garantia da qualidade em radiodiagnóstico é constituída, entre outros, pelas avaliações da qualidade da imagem, pelas análises de rejeição de filme, pelas avaliações de dose em paciente e pelas medições dos parâmetros físicos dos vários componentes do sistema de raios-X. Vários testes de controle da qualidade são necessários para garantir que os equipamentos de raios-X estão funcionando corretamente. Os testes de controle da qualidade para equipamentos de raios-X convencionais e mamográficos devem incluir uma estimativa da dose de entrada na pele representativa dos exames praticados no serviço e os valores obtidos devem ser comparados com os níveis de referência de radiodiagnóstico apresentados no regulamento nacional(3). Deve ser enfatizado que os níveis de referência de radiodiagnóstico não são limites regulamentados, mas devem ser vistos como um dispositivo prático para promover um melhor controle da qualidade local. Uma estimativa acurada da dose de entrada na pele requer uma medição acurada do kerma no ar incidente(5) no plano da entrada da pele e também da camada semi-redutora (CSR) do feixe(6). O kerma no ar incidente é convertido para dose de entrada na pele mediante aplicação de um fator de retroespalhamento apropriado(7,8). O controle dos seguintes parâmetros é particularmente importante: tensão no tubo (kVp), reprodutibilidade e linearidade da taxa de kerma no ar com o produto corrente no tubo-tempo de exposição (mAs). As características desses parâmetros podem variar com o tempo; logo, os testes precisam ser realizados em intervalos regulares. Conseqüentemente, é necessário aprender como uma imagem é influenciada por esses parâmetros e como as características deles podem ser medidas utilizando-se ferramentas apropriadas. O kerma no ar incidente, a CSR, a reprodutibilidade e a linearidade da taxa de kerma no ar em função do mAs são geralmente determinados utilizando-se câmaras de ionização calibradas(6). O conhecimento das limitações de uma câmara de ionização é essencial para a sua correta utilização(9). As especificações do projeto de uma câmara de ionização devem ser cuidadosamente entendidas pelo usuário e corretamente levadas em conta antes de aceitar qualquer medição como válida(10). No Brasil tem havido um interesse crescente em se projetar e construir câmaras de ionização de baixo custo, mostrando a viabilidade de construção de detectores de radiação utilizando-se materiais disponíveis no mercado nacional. Foram desenvolvidas, inicialmente, câmaras de ionização para radiação-X(11) e radiação beta(12), respectivamente, pelo Instituto de Radioproteção e Dosimetria, Rio de Janeiro, e pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. No Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares foram construídas câmaras de ionização de placas paralelas para radiação-X de energias baixas e beta(13), elétrons de energias altas(1416), tomografia computadorizada(17,18), radioproteção(19), e câmaras de extrapolação para radiação-X e beta de aplicadores dermatológicos e oftálmicos utilizados em braquiterapia(20,21). O objetivo deste trabalho foi desenvolver uma câmara de ionização de placas paralelas de dupla face para determinação de kerma no ar e taxa de kerma no ar em campos de radiação-X usados em radiografia convencional e mamografia. Uma face dessa câmara de ionização é apropriada para medições em radiografia convencional (face A) e a outra é apropriada para medições em mamografia (face G). A câmara desenvolvida foi testada e calibrada em feixes padrões de raios-X, de acordo com as recomendações internacionais(2224). Foram testadas as características operacionais de linearidade, dependência angular e energética de resposta, segundo procedimentos aplicados a outras câmaras de ionização(13,14,17,1921,25,26) .
MATERIAIS E MÉTODOS Foi projetada e construída uma câmara de ionização de placas paralelas de dupla face para utilização em feixes de radiação-X de diagnóstico convencional e de mamografia. A câmara tem janelas de entrada de poliéster aluminizado (1,7 mg/cm²), eletrodos internos e anéis de guarda de alumínio (face A) e de grafite (face G), e volume sensível de ar de 2,5 cm³. A Figura 1 mostra um diagrama esquemático da câmara desenvolvida.
As correntes de ionização foram medidas usando-se os eletrômetros mostrados, e suas características relevantes, na Tabela 1.
Para os testes, a câmara de ionização desenvolvida no presente trabalho foi acoplada a um eletrômetro PTW Unidos. A tensão de polarização foi de + 400 V. A eficiência de coleção de íons é melhor que 99% em + 400 V para ambas as faces da câmara(2729). A corrente de fuga é menor que 2 fA e a precisão é melhor que ± 0,05% para ambas as faces da câmara. Foram utilizados os seguintes sistemas de irradiação: equipamento de raios-X Rigaku Denki, modelo Geigerflex, potencial constante, com um tubo Philips, modelo PW 2184/00, janela com 1 mm de berílio e alvo de tungstênio, que opera até 60 kV; equipamento de raios-X Medicor Mövek Röntgengyara, modelo Neo-Diagnomax, monofásico, retificação de onda completa, com alvo de tungstênio, que opera até 125 kV em modo radiográfico e até 100 kV em modo fluoroscópico. As características dos sistemas de raios-X são apresentadas nas Tabelas 2 e 3.
A Tabela 4 mostra as características dos sistemas padrões de referência com os quais a câmara foi calibrada.
Como as câmaras utilizadas neste trabalho não são seladas, todas as medições foram corrigidas para as condições de referência de temperatura e pressão, ou seja, 20 °C e 101,3 kPa. A avaliação e a expressão das incertezas de medição foram realizadas de acordo com as recomendações dadas no texto "Guia para a expressão da incerteza de medição"(30).
RESULTADOS Determinou-se a relação linear entre a corrente de ionização e a taxa de kerma no ar irradiando-se seqüencialmente as duas faces da câmara na qualidade de raios-X de mamografia RXM35 (Tabela 2) e variando-se a corrente no tubo. A câmara foi posicionada a uma distância de 100 cm da fonte, tomando-se como ponto de referência o centro das superfícies das janelas de entrada. As taxas de kerma no ar foram determinadas utilizando-se o sistema padrão para raios-X de mamografia (Tabela 4). Os dados obtidos são apresentados na Figura 2. As retas representam os resultados de ajustes lineares a estes dados. A incerteza obtida para o coeficiente angular, isto é, a incerteza obtida na linearidade de resposta foi de 0,86% para a face A e de 0,92% para a face G. Para o estudo da dependência angular da câmara também foi utilizada a qualidade de radiação de mamografia RXM35. A câmara foi irradiada no ar, à taxa de kerma no ar de 59,5 mGy/min, com a distância foco-câmara de 100 cm, tomando-se como referência a superfície das janelas de entrada. A resposta foi medida variando-se o ângulo de incidência entre 0° e ± 5°, onde 0° significa uma irradiação frontal. Os resultados obtidos são apresentados na Tabela 5. As respostas foram normalizadas para 0° e correspondem à média de cinco medições sucessivas. Pode-se observar que a câmara cumpre a exigência da norma IEC(23): limite de variação de resposta de ±3,0% devido a uma variação do ângulo de incidência de ± 5°. A variação máxima de resposta foi de 0,8%.
As qualidades de raios-X utilizadas na calibração da câmara são dadas nas Tabelas 2 e 3. As irradiações foram efetuadas no ar e a câmara foi posicionada à distância de calibração, tomando-se com referência as superfícies das janelas de entrada. Os coeficientes de calibração foram obtidos utilizando-se os sistemas padrões para cada faixa de energia (Tabela 4). Os coeficientes de calibração obtidos para a face A da câmara nas qualidades de raios-X diagnóstico convencional e para a face G nas qualidades de radiação-X de mamografia são mostrados em função da camada semi-redutora nas Figuras 3A e 3B. Nessas figuras as escalas verticais à direita representam os fatores de correção normalizados para a qualidade de referência em cada caso. A dependência energética de resposta foi de 0,8% para a face A nas qualidades de raios-X para diagnóstico convencional e de 2,4% para a face G da câmara nas qualidades de raios-X para mamografia. Pode-se observar que câmara cumpre a exigência da norma IEC(23): limite de variação de resposta de ± 5% com a qualidade da radiação.
DISCUSSÃO Para um desempenho consistente na qualidade da imagem produzida com técnicas manuais, a linearidade da taxa de kerma no ar com o mAs para uma dada kVp deve ser menor ou igual a 20%(6). É importante que a linearidade medida seja uma característica do equipamento de raios-X e não seja afetada pela falta de linearidade de resposta ou imprecisão da câmara de ionização utilizada na medição. Se todas as incertezas de medição forem aleatórias e distribuídas normalmente, pode-se reduzir a incerteza padrão para qualquer valor do mAs, aumentando-se o número de medições. A precisão é melhor que ± 0,05% para ambas as faces da câmara desenvolvida neste trabalho, o que limita o número de exposições necessárias para a medição da linearidade da taxa de kerma no ar com o mAs e não contribui acentuadamente para a incerteza na medição. A incerteza obtida na linearidade de resposta da câmara desenvolvida neste trabalho é uma incerteza sistemática e não pode ser minimizada repetindo-se as medições. Esta incerteza é pequena (menor que 1%) quando comparada com o critério de desempenho de um equipamento de raios-X (menor ou igual a 20%). Assim, a linearidade de resposta da câmara não afeta a determinação da linearidade da taxa de kerma no ar com o mAs de um equipamento de raios-X. A taxa de kerma no ar para uma dada kVp e um dado mAs não deve variar mais que 10% em quatro exposições consecutivas(6), isto é, sua reprodutibilidade deve ser menor ou igual a 10%. A precisão da câmara desenvolvida neste trabalho é muito melhor que esta precisão aceitável para a taxa de kerma no ar de um equipamento de raios-X e não influencia adversamente a medição da reprodutibilidade. As câmaras de ionização de placas paralelas são projetadas para serem utilizadas com a janela de entrada de frente para a fonte de radiação e de forma perpendicular ao eixo do feixe. Como na prática, ao se posicionar a câmara, pode ocorrer uma pequena variação no ângulo de incidência da radiação, foi testada a dependência angular da câmara desenvolvida neste trabalho. Pode-se notar que a variação de resposta devida a uma pequena variação do ângulo de incidência da radiação não introduz uma incerteza significativa nas medições. A dependência energética de resposta de uma câmara de ionização é uma das principais fontes de incerteza na determinação do kerma no ar e da CSR de um feixe de raios-X para uma dada kVp. A câmara de ionização utilizada deve ter uma dependência energética de resposta mínima para cada intervalo de energia que compreende os equipamentos de raios-X tratados. A dependência energética de resposta é mínima para a face A da câmara de ionização desenvolvida neste trabalho nas qualidades de raios-X de diagnóstico convencional e para a face G nas qualidades de raios-X de mamografia. A face A pode ser utilizada para medições de kerma no ar e taxa de kerma no ar e na determinação da CSR nas qualidades de raios-X de diagnóstico convencional e a face G nas qualidades de raios-X de mamografia.
CONCLUSÕES Os testes de desempenho mostraram que a câmara de ionização desenvolvida neste trabalho pode ser utilizada rotineiramente na determinação de kerma no ar e taxa de kerma no ar em um programa de controle da qualidade de equipamentos de raios-X. A vantagem dessa câmara é que ela pode ser utilizada tanto para medições em radiografia convencional como em mamografia, bastando selecionar a face apropriada. Normalmente utiliza-se um tipo de câmara de ionização para medições em radiografia convencional e um outro tipo de câmara em mamografia. A construção dessa câmara mostra a viabilidade da construção de detectores de radiação utilizando-se materiais disponíveis no mercado nacional. Agradecimentos Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo apoio financeiro parcial.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 11/5/2007. Aceito, após revisão, em 19/6/2007.
* Trabalho realizado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPEN-CNEN), São Paulo, SP, Brasil. |