ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Bruno Alberto Falcão Pereira, Solange Gonçalves David de Macêdo, Renata do Amaral Nogueira, Lola Celeste Pantoja Castiel, Cláudia Renata Rezende Penna |
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Descritores: Tuberculose pulmonar, Criança, Tomografia computadorizada |
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Resumo: VMédica Radiologista responsável pelo Serviço de Radiologia Pediátrica do Hospital Municipal Jesus, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
INTRODUÇÃO A tuberculose continua sendo causa importante de morbimortalidade em todo o mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento. As crianças representam grupo de risco, principalmente as menores de cinco anos de idade(1-3). Nessa faixa etária, a forma mais comum de apresentação é a tuberculose pulmonar primária e as manifestações radiológicas mais frequentes são: linfadenomegalia, doença parenquimatosa, atelectasia, derrame pleural e doença miliar(4,5). Estabelecer o diagnóstico de tuberculose pulmonar primária em crianças é tarefa difícil por diversas razões. A maioria é assintomática no momento do diagnóstico, a confirmação bacteriológica geralmente não é possível pela dificuldade na colheita do escarro e os lavados gástricos são positivos em pequeno número de casos. Outros elementos importantes na investigação diagnóstica são a história epidemiológica de exposição recente ao bacilo, o teste tuberculínico (PPD) e a radiografia de tórax(4,6,7). Nos casos em que a radiologia convencional não se mostra eficaz, a tomografia computadorizada do tórax apresenta mais vantagens para o diagnóstico(1). O objetivo deste trabalho é descrever os aspectos tomográficos da tuberculose pulmonar primária manifestada inicialmente como consolidação lobar.
MATERIAIS E MÉTODOS Este trabalho foi realizado no Hospital Municipal Jesus, referência em pediatria no Estado do Rio de Janeiro. No período de 2002 a 2006 foram avaliados, retrospectivamente, os aspectos tomográficos de quatro crianças de 3 a 14 meses de idade com tuberculose pulmonar primária manifestada inicialmente como consolidação lobar. As crianças foram avaliadas clinicamente, com investigação de possível contato com tuberculose, e foram realizados teste tuberculínico, pesquisa de bacilo por meio de lavados gástrico e broncoalveolar, sorologia para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e investigação por imagem. Radiografia e tomografia computadorizada de tórax foram solicitadas como complementação diagnóstica da suspeita clínica de tuberculose pulmonar. Na tomografia computadorizada foram analisados: - O padrão da consolidação (presença de escavações, calcificações e áreas hipodensas, compatível com necrose caseosa); - o aspecto e a distribuição das opacidades nodulares; - as linfadenopatias mediastinais ou hilares, com ou sem centro necrótico e/ou calcificação periférica; - complicações como efeito de massa, estreitamento das vias aéreas, atelectasias, derrame pleural e doença miliar. O aspecto pseudotumoral foi considerado para as consolidações, com ou sem efeito de massa, que realçavam após contraste e que não tinham broncograma aéreo de permeio(1). Disseminação broncogênica foi referida para os nódulos do espaço aéreo, nódulos centrolobulares e o aspecto de árvore em brotamento(8). Os termos utilizados seguiram as normas do Consenso Brasileiro sobre a Terminologia dos Descritores de Tomografia Computadorizada do Tórax(9,10).
RESULTADOS Havia três crianças do sexo feminino e uma do sexo masculino; a idade variou de 3 a 14 meses, sendo três delas desnutridas. História de tosse e febre há pelo menos um mês estava presente nas quatro crianças (Tabela 1). Todas as crianças foram vacinadas com BCG nas primeiras semanas de vida e apresentavam sorologia negativa para o HIV.
O diagnóstico de tuberculose foi estabelecido por meio de cultura positiva do lavado broncoalveolar em duas crianças e do lavado gástrico em todas, três pacientes apresentaram teste tuberculínico com 14 mm ou mais (forte reator), duas crianças tinham contato prévio com familiar diagnosticado com tuberculose pulmonar. As quatro crianças foram tratadas inicialmente como pneumonia, sem sucesso, e tiveram remissão dos aspectos sintomatológicos e radiológicos após a instituição de terapêutica específica. As quatro crianças tiveram avaliação inicial com radiografia de tórax, que mostrava consolidação lobar com abaulamento da cissura, semelhante à pneumonia do lobo pesado, sem sintomas respiratórios significativos. Prosseguiu-se a investigação com tomografia computadorizada do tórax, para avaliar as características das lesões parenquimatosas (Tabelas 2 e 3).
Caso 1 - M.I.C., sexo feminino, três meses de idade, com radiografia de tórax mostrando consolidação do lobo superior direito e opacidade nodular na base pulmonar e paracardíaca à direita (Figura 1). As alterações tomográficas incluíam consolidação com esparsos broncogramas aéreos e tênues calcificações, áreas hipodensas irregulares e escavação única de permeio; sinais de disseminação broncogênica nos lobos inferiores, sendo confluentes à direita; linfonodos pré-carinal e infracarinal com centro hipodenso e sem calcificação (Figuras 2 e 3).
Caso 2 - N.O.C., sexo masculino, 11 meses de idade, apresentava consolidação lobar (lobo superior direito) na radiografia de tórax. A tomografia computadorizada demonstrou consolidação no lobo superior direito com broncogramas aéreos, áreas hipodensas, escavação única e tênues calcificações de permeio; sinais de disseminação broncogênica no lobo inferior direito; linfonodomegalias com centro hipodenso, de localização infracarinal (Figura 4).
Caso 3 - M.E.S., sexo feminino, 1 ano e 2 meses de idade. A radiografia de tórax demonstrava hiperaeração pulmonar e consolidação no lobo superior esquerdo, com compressão e desvio da traqueia para a direita. Os achados na tomografia computadorizada revelavam volumosa opacidade com áreas hipodensas de permeio, de aspecto pseudotumoral, sem broncograma aéreo, calcificações ou escavações. Observavam-se, ainda, desvio das estruturais mediastinais para a direita, redução do calibre do brônquio fonte esquerdo e atelectasia, raras opacidades centrolobulares no lobo inferior esquerdo, pequeno nódulo no lobo superior esquerdo e linfonodomegalia com centro hipodenso, determinando alargamento infracarinal (Figura 5).
Caso 4 - K.V., sexo feminino, 6 meses de idade. Radiografia de tórax com consolidação lobar (lobo superior direito), hiperinsuflação do pulmão esquerdo e opacidades nodulares na base pulmonar direita e em todo o pulmão esquerdo. A tomografia computadorizada de tórax mostrou extensa consolidação no lobo superior direito com broncogramas aéreos e áreas hipodensas de permeio, consolidação na língula, lobo médio e lobo inferior direito, com área de escavação de permeio, opacidades centrolobulares distribuídas por todo o parênquima, com áreas de coalescência nos lobos inferiores, atelectasia da língula, linfonodos pré-carinal, infracarinal e para-hilar à direita, com centro hipodenso e calcifi-cação(ões) periférica(s) (Figuras 6 e 7).
DISCUSSÃO A maioria dos casos de tuberculose pulmonar em crianças é primária. A primoinfecção se inicia com depósito de bacilos no alvéolo pulmonar. Este processo produz uma consolidação alveolar localizada, que é o foco primário, nem sempre visualizado nas radiografias de tórax(1). Este pode progredir e acometer um segmento ou todo um lobo. A infecção pode se disseminar do foco primário para os linfonodos centrais pela via linfática e resultar em linfadenomegalia regional. O foco primário e os linfonodos alargados são chamados de complexo de Ranke. Na maioria dos casos, as lesões parenquimatosas e a linfadenomegalia resolvem-se espontaneamente(1,7,11,12). Em alguns casos, especialmente em lactentes, os linfonodos continuam a aumentar de volume e progridem para necrose caseosa. Esse crescimento pode comprimir o brônquio regional e causar estreitamento, obstrução e enfisema. Além disso, os linfonodos inflamados podem perfurar o brônquio adjacente e descarregar o material caseoso na árvore brônquica, causando disseminação broncogênica e/ou pneumonia focal ou lobar(1,7,12). As manifestações radiológicas mais comuns da tuberculose pulmonar primária em crianças são: linfadenomegalia, doença parenquimatosa, atelectasia, derrame pleural e doença miliar(4). Em estudo tomográfico de 25 crianças com até 12 meses de idade, realizado por Kim et al.(1), foi observada consolidação em 100% dos pacientes, 59% com apresentação pseudotumoral, 41% com necrose e 21% com escavação de permeio à consolidação. Em 41% foi encontrada disseminação broncogênica. Calcificações parenquimatosas foram observadas após seis meses, durante o tratamento(1,2). Em outro trabalho, Lamont et al.(7) avaliaram os padrões radiológicos de 60 crianças com até 12 meses de idade e encontraram consolidação em cerca de 90% delas, sendo metade com comprometimento lobar e 23% apresentando escavações. Leung et al.(4), em estudo de radiografias de tórax de 191 pacientes com 20 dias a 15 anos de idade, verificaram que a prevalência de infiltração parenquimatosa foi de 51% nos menores de 3 anos, e que a linfadenomegalia hilar ou mediastinal seria a anormalidade mais comum nessa faixa etária(4), representando o segundo sítio de progressão da doença(4,12). As lesões parenquimatosas seriam mais frequentes (88%) em crianças de 4 a 15 anos e se apresentariam como opacidades intersticiais, alveolares ou mistas(4). Há ainda relatos de apresentação pseudotumoral sem linfadenomegalia satélite(6) em crianças menores de 2 anos, o que seria ainda mais incomum. Nos casos aqui apresentados, com quatro crianças menores de 14 meses, o padrão radiológico mais frequente foi consolidação lobar com calcificações, escavações e áreas de necrose de permeio, associada a abaulamento da cissura. Sinais de disseminação broncogênica e linfadenomegalia foram observados em todas elas. Consolidação de aspecto pseudotumoral, com efeito de massa, foi observada em um caso. A localização preferencial da linfadenomegalia foi infracarinal. Todos os linfonodos apresentavam necrose caseosa central e, em dois casos, havia calcificação periférica. Atelectasia e enfisema foram observados em dois pacientes. Doença miliar e derrame pleural não foram observados nos casos estudados. Calcificações parenquimatosas foram observadas em três dos quatro casos estudados, antes de se instituir o tratamento específico. Nos artigos pesquisados(1,4,12), elas foram observadas somente no seguimento desses pacientes, período maior que seis meses. Porém, Marais et al.(12) referem que isso pode ocorrer em intervalo mais curto em crianças pequenas, podendo-se, então, relacionar a presença de calcificações à resposta imunológica e ao tempo de evolução da doença, associadas à instituição da terapia específica, e ser usado como mais um critério positivo para tuberculose.
CONCLUSÃO Nos casos estudados observou-se que a tuberculose pulmonar primária manifestada como consolidação lobar apresenta imagens características à tomografia computadorizada, como escavações, áreas hipodensas e calcificações de permeio à consolidação. A associação com linfonodomegalias com centro necrótico e sinais de disseminação broncogênica reforçam o diagnóstico de tuberculose.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 30/10/2008
* Trabalho realizado no Hospital Municipal Jesus, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |