ENSAIOS ICONOGRÁFICOS
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Autho(rs): Richard Andreas Braun1; Carlos Felipe do Rego Barros Milito2; Suzan Menasce Goldman3; Eloy de Ávila Fernandes4 |
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Descritores: Vértebra; Linfoma; Metástase; Paget; Osteomielite. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A avaliação do sistema musculoesquelético por métodos de imagem tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional(1-8). De modo geral, a investigação por imagem das doenças da coluna vertebral inicia-se com estudo por radiografia e, posteriormente, com tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). O radiologista pode encontrar, nessa investigação primária, vértebras cuja densidade se encontra muito aumentada na radiografia e TC, adquirindo um aspecto "mais branco" que o habitual, assemelhando-se ao branco dos marfins, daí a denominação "vértebras em marfim". Para interpretar as imagens é importante compreender, inicialmente, as características anatômicas normais e a composição óssea das vértebras, e em seguida entender a fisiopatologia das principais doenças que podem gerar a vértebra em marfim. FISIOLOGIA ÓSSEA E COMPOSIÇÃO DOS CORPOS VERTEBRAIS O tecido ósseo é um tipo especializado de tecido conjuntivo constituído por uma fase mineral, composta essencialmente por cristais de fosfato de cálcio, sob a forma de hidroxiapatita, que se assenta numa matriz colágena organizada. A maneira como ocorre esta combinação também permite a formação dos tipos ósseos, desde o trabeculado, passando pelo osso composto, até o lamelar. Tais características microscópicas, por sua vez, refletem-se nos aspectos de imagem, como osso trabeculado e osso cortical ou compacto. Outro aspecto a se compreender é que, apesar de seu aspecto aparentemente inerte, os ossos são estruturas plásticas altamente dinâmicas que estão em permanente remodelação, com fases de reabsorção osteoclástica, seguidas por uma etapa de formação osteoblástica, promovendo renovação óssea. A regulação da remodelação óssea, entretanto, pode ser afetada em algumas doenças que promovem um desequilíbrio entre deposição óssea (com aumento da densidade, como observado na vértebra em marfim do linfoma de Hodgkin, metástases blásticas, doença de Paget, além da osteomielite) e reabsorção óssea, representada principalmente pela osteoporose. A COLUNA VERTEBRAL O corpo vertebral é composto por osso trabecular (osso esponjoso) vascularizado, com o interstício das trabéculas ocupado por medula óssea vermelha e amarela, revestido por uma fina camada externa de osso compacto, que na TC e na radiografia tem aspecto mais denso. A Figura 1 mostra o aspecto típico de uma vértebra com sua densidade habitual. Figura 1. Tomografia computadorizada (corte transversal) da coluna vertebral, ao nível de L1, demonstra os elementos vertebrais corpo (1), lâmina (2), pedículos (3), processos transversos (4), processo espinhoso (5). Observa-se, também, a habitual densidade vertebral do osso cortical (6) e medular (7). Aumento ou diminuição da densidade óssea vertebral pode ser encontrado em diversas doenças. O achado de vértebra em marfim corresponde à identificação de uma ou mais vértebras com aumento difuso de sua densidade, sem alteração na opacidade e tamanho dos discos intervertebrais adjacentes, em alguma fase de certas doenças. A opacidade aumentada pode ser difusa e homogênea, com esclerose envolvendo a maior parte ou todo o corpo vertebral, dandolhe uma aparência hiperdensa(9). Apesar de aumentos difusos da densidade vertebral serem intitulados de vértebras em marfim, existem características de imagem específicas em cada uma delas que podem aumentar a precisão diagnóstica. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Doença de Paget A doença de Paget, também conhecida como osteíte deformante, é uma doença óssea hipermetabólica que acomete um (monostótica) ou mais (poliostótica) ossos, caracterizando-se por áreas de reabsorção óssea aumentada mediada por osteoclastos, seguida de reparo ósseo osteoblástico desorganizado. Como consequência deste processo, há desestruturação da arquitetura nos tecidos ósseos acometidos, resultando em aumento de volume e maior fragilidade óssea(10). Pode afetar quase o esqueleto todo, mas tem predileção para crânio, coluna vertebral, pelve e ossos longos dos membros inferiores(10). O acometimento ósseo é um achado bastante comum em idosos, com incidência variando de 2,3% a 9% em pacientes mais velhos. Seu início é geralmente após os 55 anos, com leve predominância em homens(11). A maioria dos pacientes com doença de Paget é assintomática, o que torna difícil o seu diagnóstico. Em seu estudo, Collins mostrou que em apenas 7 de 24 pacientes (29%) o diagnóstico de doença de Paget havia sido feito em vida(11). Quando sintomáticos, os pacientes manifestam sintomas de dor, decorrente da lesão pagética nos ossos ou em consequência de crescimento excessivo do osso e deformidades nas áreas afetadas, como osteoartrite ou compressão nervosa. Características que auxiliam o diagnóstico Na doença de Paget observa-se que o osso trabecular está espessado e homogeneamente hiperdenso, conforme demonstrado na Figura 2. Pode ocorrer, ainda, aumento dos diâmetros anteroposterior e lateral, resultando em aumento do tamanho vertebral, promovendo, em alguns casos, complicações como estenose do canal vertebral e compressão radicular. Na forma poliostótica, o acometimento manifesta-se em mais de um sítio. Classicamente, o achado de vértebra em marfim sem causa aparente, e inalterada ao longo do tempo, pode ser atribuído a doença de Paget assintomática do osso. Figura 2. Paciente de 67 anos, assintomático. Radiografias nas incidências anteroposterior (A) e perfil (B) demonstram aumento da densidade do corpo vertebral de L4 (setas). Linfoma Os linfomas constituem um grupo heterogêneo de neoplasias primárias do tecido linfoide. Tipicamente, os linfócitos malignos acumulam-se nos linfonodos, produzindo linfonodopatia. Ocasionalmente, podem se disseminar para o sangue (fase leucêmica) ou infiltrar órgãos fora do tecido linfoide. Os linfomas são divididos em doença de Hodgkin e linfoma não-Hodgkin, com base na presença de células de Reed-Sternberg presentes no linfoma de Hodgkin. Cerca de 40% a 50% dos casos de linfoma envolvem o sistema esquelético, geralmente por meio de doença metastática. Esta descoberta, no entanto, é frequentemente observada apenas na autópsia, e não em radiografias(12). Características radiológicas Os depósitos linfomatosos, provenientes da disseminação hematogênica ou de invasão linfonodal adjacente, podem iniciar uma marcada resposta no osso esponjoso. Tal envolvimento resulta em osteólise ou osteoesclerose, ou combinação dos dois. Lesões líticas são mais comuns. Envolvimento osteoblástico é raro e geralmente secundário a linfoma de Hodgkin. Em seu estudo, Granger et al.(13) observaram que das 210 lesões de coluna por doença de Hodgkin, apenas 13 tinham aparência de marfim. O envolvimento linfonodal para-aórtico, próprio da doença, com a formação de massas paravertebrais, pode promover erosões nas margens anteriores e laterais da cortical dos corpos vertebrais. Dessa forma, o conjunto dos achados de imagem, como aumento do tamanho e densidade das trabéculas ósseas, que pode resultar num aspecto de vértebra em marfim, associado às alterações de partes moles adjacentes, ajuda a estabelecer o diagnóstico, como observado na Figura 3. Figura 3. Paciente de 62 anos, com linfoma e quadro de dor lombar. Radiografias nas incidências anteroposterior (A) e perfil (B) mostram aumento difuso da densidade óssea, com erosão na face lateral esquerda do corpo vertebral de L4 (seta). Metástases blásticas As lesões metastáticas blásticas são mais comumente resultantes de neoplasias mamárias ou prostáticas, todavia, outros tumores metastáticos, incluindo linfoma, devem ser considerados, juntamente com lesões mais raras, como plasmocitoma, cordoma, ou sarcomas ósseos primários(9). Características radiológicas Nas metástases blásticas há estimulação de osteoblastos, resultando na substituição irregular do tecido esponjoso vertebral por massas ósseas densas e amorfas que podem se tornar confluentes. Tais achados apresentam-se nos exames de imagem com aumento da densidade vertebral. Outras características, se presentes, aumentam a especificidade do diagnóstico. Entre elas há o acometimento de múltiplos níveis vertebrais, lesões blásticas nos elementos vertebrais posteriores e o histórico conhecido de alguma neoplasia primária como pulmão, rim, cólon e, principalmente, próstata ou mama. Tais características podem ser observadas na Figura 4, estudo tomográfico realizado em paciente de 62 anos com neoplasia primária da próstata. Durante o estadiamento foram diagnosticadas lesões osteoblásticas em diversos níveis da coluna lombar e no quadril. Figura 4. Paciente de 62 anos, com câncer de próstata. Imagens de tomografia computadorizada axial (A), sagital (B) e coronal (C) mostram lesões osteoblásticas com aumento da densidade do corpo e dos elementos vertebrais posteriores (B). As lesões estão dispersas por todo o arcabouço ósseo (setas). Osteomielite Osteomielite é uma infecção óssea que resulta na destruição inflamatória, seguida pela formação de osso novo. É difícil obter informações viáveis sobre a incidência global de osteomielite vertebral. Em dois estudos, publicados em 1956 e 1991, a incidência de osteomielite vertebral foi estimada em 1:250.000(11) e 1:450.000(14), respectivamente. Pode ser dividida em aguda, subaguda e crônica. Fisiopatologia Após atingir a coluna vertebral por três vias básicas de acesso (disseminação hematogênica, inoculação direta e propagação contígua de infecção de tecidos moles adjacentes), os agentes patogênicos geram uma infecção supurativa aguda com células inflamatórias, acompanhadas de edema, congestão vascular e trombose de pequenos vasos. Na doença aguda inicial, o fornecimento vascular para o osso é comprometido pela infecção que se estende para o tecido circundante. Quando ambos os suprimentos de sangue, medular e periosteal, estão comprometidos, áreas de osso morto (sequestro) podem se formar. Em razão da perda de fornecimento sanguíneo, o osso morto é mais branco do que o osso ao redor que apresenta perda da densidade. Osso esponjoso é absorvido rapidamente e pode ser completamente destruído ou sequestrado em duas a três semanas, mas para o surgimento de córtex necrótico podem ser necessárias duas semanas a seis meses(15). Tais características se traduzem em achados de imagem muitos específicos para osteomielite, conforme demonstrado na Figura 5. Assim, podem-se observar esclerose em uma vértebra durante a fase de cura, associada a erosões nas margens do disco intervertebral, coleções líquidas adjacentes e presença de fatores predisponentes ou eventos, incluindo doenças subjacentes, internação, procedimentos invasivos, uso de drogas injetáveis, que podem ajudar a orientar o diagnóstico. Figura 5. Tomografia computadorizada com reconstruções sagitais (A,B) e ressonância magnética no plano sagital ponderada em T2 da transição toracolombar (C). Nota-se aumento da densidade dos corpos vertebrais (cabeças de setas), associado a erosão óssea (setas) nas margens dos discos intervertebrais e coleção (seta curva) adjacente e anterior aos corpos vertebrais (observado em C). CONCLUSÃO Por ser, em alguns casos, a apresentação radiológica inicialmente observada em doenças comuns como carcinoma de próstata, linfomas e doença de Paget, torna-se fundamental ao radiologista conhecer as características radiográficas das vértebras em marfim, para orientar o profissional solicitante quanto à origem do quadro, e também para realizar busca ativa de outras lesões que podem estar associadas. REFERÊNCIAS 1. Maciel MJS, Tyng CJ, Barbosa PNVP, et al. Computed tomography-guided percutaneous biopsy of bone lesions: rate of diagnostic success and complications. Radiol Bras. 2014;47:269-74. 2. Terazaki CRT, Trippia CR, Trippia CH, et al. Synovial chondromatosis of the shoulder: imaging findings. Radiol Bras. 2014;47:38-42. 3. Arend CF. The carpal boss: a review of different sonographic findings. Radiol Bras. 2014;47:112-4. 4. Arend CF. Sonography of the iliotibial band: spectrum of findings. Radiol Bras. 2014;47:33-7. 5. Nakamura SA, Lorenzato MM, Engel EE, et al. Incidental enchondromas at knee magnetic resonance imaging: intraobserver and interobserver agreement and prevalence of imaging findings. Radiol Bras. 2013;46:129-33. 6. Souza CG, Gasparetto EL, Marchiori E, et al. Pyogenic and tuberculous discitis: magnetic resonance imaging findings for differential diagnosis. Radiol Bras. 2013;46:173-7. 7. Machado BB, Lima CMAO, Junqueira FP, et al. Magnetic resonance imaging in intersection syndrome of the forearm: iconographic essay. Radiol Bras. 2013;46:117-21. 8. Alves MPT, Fonseca COP, Granjeiro JM, et al. Carpal tunnel syndrome: comparative study between sonographic and surgical measurements of the median nerve in moderate and severe cases of disease. Radiol Bras. 2013;46:23-9. 9. Graham TS. The ivory vertebra sign. Radiology. 2005;235:614-5. 10. Altman RD, Bloch DA, Hochberg MC, et al. Prevalence of pelvic Paget's disease of bone in the United States. J Bone Miner Res. 2000;15:461-5. 11. Collins DH. Paget's disease of bone; incidence and subclinical forms. Lancet. 1956;271:51-7. 12. Dennis JM. The solitary dense vertebral body. Radiology. 1961;77:618-21. 13. Granger W, Whitaker R. Hodgkin's disease in bone, with special reference to periosteal reaction. Br J Radiol. 1967;40:939-48. 14. McHenry MC, Rehm SJ, Krajewski LP, et al. Vertebral osteomyelitis and aortic lesions: case report and review. Rev Infect Dis. 1991;13:1184-94. 15. Shirtliff ME, Leid JG, Costerton JW. The basic science of musculoskeletal infections. In: Calhoun JH, Mader JT, editors. Musculoskeletal infections. New York: Marcel Dekker; 2003. p. 1-61. 1. Especializando em Radiologia e Diagnóstico por Imagem (Ressonância Magnética) no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil 2. Especializando em Radiologia Abdominal no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil 3. Livre-docente, Professora Afiliada do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil 4. Professor Afiliado do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Richard Andreas Braun Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino São Paulo, SP, Brasil, 04024-002 E-mail: braunrich@gmail.com Recebido para publicação em 1/10/2014. Aceito, após revisão, em 4/5/2015. Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil. |