ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Rogéria Nobre Rodrigues1; Alexia Abuhid Lopes1; Jardélio Mendes Torres2; Marina Franco Mundim3; Lênio Lúcio Gavio Silva3; Breno Rabelo de Carvalho e Silva4 |
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Descritores: Músculo abdutor quinto dedo; Baxter; Nervo plantar lateral; Nervo calcâneo inferior; Atrofia. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Dor no calcanhar é uma queixa muito comum nos consultórios ortopédicos. A literatura radiológica brasileira vem recentemente se preocupando muito com a importância dos exames de imagem no aprimoramento do diagnóstico no sistema musculoesquelético(1-15). A talalgia plantar apresenta um amplo espectro de diagnósticos diferenciais, incluindo fasciite plantar, afecção do coxim gorduroso, fratura por estresse, entesopatia e artropatia inflamatória(16). Uma das causas mais comuns de dor crônica no calcanhar é o aprisionamento do primeiro ramo do nervo plantar lateral, conhecida como neuropatia de Baxter(17,18). Acredita-se que aproximadamente 20% dos casos de dor na região medial do calcanhar têm como causa a neuropatia deste nervo(19-22). O nervo para o músculo abdutor no quinto dedo (AQD) geralmente tem sua origem como primeiro ramo do nervo plantar lateral (82,1%), que se divide ao nível do maléolo medial, entretanto, apresenta algumas variações anatômicas. Em 11,7% dos casos este nervo pode ser ramo direto do nervo tibial posterior, ou até mesmo se originar de um tronco comum com o nervo plantar lateral e com o ramo calcâneo medial (4,1%) ou em um tronco comum com o ramo posterior para o quadrado plantar (2,1%)(23). O nervo segue trajeto de medial ao longo do ligamento plantar longo para lateral entre o músculo abdutor do hálux e a tuberosidade medial do calcâneo, penetrando no aspecto proximal do músculo AQD (Figura 1). Figura 1. PM, nervo plantar medial; PL, nervo plantar lateral; AQD, nervo abdutor do quinto dedo. O nervo para o AQD é misto e fornece ramos motores para o AQD e, ocasionalmente, para o flexor curto dos dedos e músculo quadrado plantar, bem como ramos sensoriais ao periósteo do calcâneo, ligamento plantar longo e pele adjacente(24). Qualquer situação que determine aumento volumétrico na região do nervo pode causar efeito compressivo local, com consequente neuropatia. Na avaliação clínica, os sintomas podem ser indistinguíveis de fasciite plantar, e as duas condições estão frequentemente sobrepostas(25). A fraqueza do AQD pode estar presente nos casos crônicos, com diminuição da força de abdução desse dedo, determinada pela degeneração muscular. A ressonância magnética (RM) pode ser usada para detectar alterações relacionadas com a denervação do músculo AQD(18,26). A presença de atrofia deste músculo, observada em imagens de RM, reflete compressão crônica do nervo calcâneo inferior e contribui para o diagnóstico clínico de neuropatia de Baxter(19). A literatura sugere dois possíveis locais de encarceramento do nervo que possam resultar em neuropatia de Baxter: primeiro, em pacientes com biomecânica alterada, como a pronação excessiva, pois o nervo pode ser comprimido no movimento de girar lateralmente entre os músculos quadrado plantar e abdutor do hálux(24); segundo, o nervo pode ser comprimido quando passa anteriormente à tuberosidade medial do calcâneo ou sofre conflito mecânico com o esporão plantar do calcâneo(17,25,27,28) (Figura 2). Figura 2. Dois possíveis locais de encarceramento do nervo: 1 – na passagem do nervo entre a fáscia profunda do músculo abdutor do hálux e a margem plantar medial do músculo quadrado plantar; 2 – distalmente, no trajeto do nervo ao longo da tuberosidade medial do calcâneo. O presente estudo tem como objetivo avaliar a prevalência de achados na RM associados à compressão do primeiro ramo do nervo plantar lateral em pacientes com dor crônica no calcanhar, manifestada por atrofia completa seletiva do músculo AQD. MATERIAIS E MÉTODOS Estudo retrospectivo, analítico e transversal de 90 pacientes com diagnóstico de atrofia muscular grau IV do AQD (segundo classificação de Goutallier e Bernageau(29)), com idade média de 49,2 anos, submetidos a RM do retropé em equipamentos de alto campo, de 1,5 tesla, com realização de sequências fast spin echo, sendo obtidas imagens nos planos sagitais ponderados em T1 e densidade de prótons (DP) com supressão de gordura, e nos planos axiais e coronais/oblíquos ponderados na DP com supressão de gordura em T2. Após administração intravenosa do contraste paramagnético, foram avaliados os planos coronais e sagitais ponderados em T1 com supressão de gordura. Consideramos na avaliação somente os pacientes classificados com atrofia do AQD grau IV (substituição gordurosa completa do músculo). Dos pacientes avaliados, 21,2% eram do sexo masculino com idade média de 42,1 anos e 78,8% eram do sexo feminino com idade média de 56,3 anos. RESULTADOS A atrofia do AQD teve maior prevalência no sexo feminino, com 71 casos (78,8%), sendo observada alta prevalência nesse grupo nas faixas etárias de 40-50 anos (45,9%) e 50-60 anos (38,3%), com p < 0,01 em ambos os grupos (Figura 3). Já no sexo masculino não foi observada diferença estatisticamente significante na prevalência de atrofia do músculo AQD (Figura 4). Figura 3. Alta prevalência de atrofia do AQD em pacientes com faixa etária de 40–50 anos (45,9%) e 50–60 anos (38,3%). Figura 4. Não foi observada diferença estatisticamente significante na prevalência de atrofia do músculo AQD no sexo masculino. Observou-se forte correlação (p < 0,01) de atrofia muscular grau IV do AQD com fasciite plantar e varicosidades no retropé em 21,2% e 16,8% dos pacientes, respectivamente, considerando-se fatores isolados determinantes de compressão neural (Tabela 1). No grupo feminino, fasciite plantar e varicosidades no tornozelo foram determinantes como fatores estatisticamente significantes (p < 0,01), enquanto no grupo masculino somente o fator trauma teve aparente confiabilidade como fator isolado de injúria compressiva neural (Tabela 2). DISCUSSÃO A RM é um método propedêutico de grande valor para detectar alterações musculares associadas com a denervação. É o método mais sensível na detecção de afecções do tecido muscular, em comparação com a ultrassonografia e a tomografia computadorizada. Por sua natureza não invasiva e capacidade de demonstrar detalhes anatômicos, apresenta algumas vantagens em relação à eletroneuromiografia(30). A denervação muscular aguda e subaguda é mais bem avaliada em sequências sensíveis a fluidos, tais como imagens ponderadas em DP/T2 com supressão de gordura ou imagens ponderadas em STIR, exibindo aumento do sinal dentro do ventre muscular em relação ao músculo normal, correspondendo a edema muscular neurogênico(30,31) (Figura 5). O realce muscular pelo gadolínio também ocorre na fase aguda ou subaguda da denervação(30). Na neuropatia compressiva de Baxter, o edema muscular ocorre seletivamente no interior do músculo AQD e potencialmente no flexor curto dos dedos e quadrado plantar, dependendo da variação anatômica do paciente. A denervação crônica resulta em atrofia muscular e, subsequentemente, infiltração gordurosa irreversível. Estes achados são bem representados em imagens ponderadas em T1 sem supressão de gordura(30,31) (Figura 6). Tipicamente, a atrofia e infiltração de gordura ocorrem homogeneamente dentro do ventre do músculo. Se existir inervação dupla ou redundante, estas mudanças podem não ocorrer, ou ocorrer de forma heterogênea(30). Figura 5. Imagem sagital, ponderada em DP com supressão de gordura, mostra sinais de fasciite plantar e anormalidade de sinal de fibras do músculo AQD, que se apresenta hiperintenso, traduzindo "padrão de edema" decorrente da denervação aguda. Figura 6. Imagem coronal ponderada em T2 sem saturação da gordura mostra importante redução volumétrica do músculo AQD, com infiltração adiposa completa de suas fibras (grau IV), secundária a denervação crônica (> 1 ano). Estima-se que em 20% dos pacientes com dor crônica no calcanhar, ela está relacionada com a compressão do nervo abdutor do quinto dedo(32). Em um estudo que avaliou a associação da atrofia do músculo AQD com achados na RM de causas potenciais, houve forte correlação de atrofia desse músculo com fasciite plantar e esporão do calcâneo, entretanto, foram considerados pacientes com qualquer grau de atrofia muscular do AQD(33). Na nossa casuística selecionamos apenas pacientes com atrofia grau IV, atestando de forma inequívoca a existência da neuropatia compressiva. A fasciite plantar crônica e as varicosidades locais foram os achados mais frequentemente associados ao aprisionamento do nervo abdutor do quinto dedo. A dor no calcanhar deve ser tratada, inicialmente, de modo conservador, que inclui uso de órtese noturna, modificações nos calçados, fisioterapia, medicações antiinflamatórias e infiltrações com corticoides(16,34,35). Quando a dor torna-se crônica, com mais de seis meses de evolução, sem melhora com o tratamento conservador, deve-se pensar como causa compressão do primeiro ramo do plantar lateral. Nestes casos, os pacientes podem ser beneficiados com descompressão cirúrgica da região(16,35-37), por meio de abordagens endoscópicas(16,36), técnicas de ablação por radiofrequência(34) ou cirurgia aberta. CONCLUSÃO A atrofia do músculo AQD é fortemente associada à compressão neuropática do primeiro ramo do nervo plantar lateral. A RM apresenta-se como um meio de diagnóstico não invasivo e com alta acurácia diagnóstica na avaliação da atrofia grau IV do músculo AQD e na avaliação de outras doenças associadas. REFERÊNCIAS 1. Terazaki CRT, Trippia CR, Trippia CH, et al. Synovial chondromatosis of the shoulder: imaging findings. Radiol Bras. 2014;47:38-42. 2. Arend CF. The carpal boss: a review of different sonographic findings. Radiol Bras. 2014;47:112-4. 3. Arend CF. Sonography of the iliotibial band: spectrum of findings. Radiol Bras. 2014;47:33-7. 4. Nakamura SA, Lorenzato MM, Engel EE, et al. 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Médico Ortopedista, Chefe do Grupo de Cirurgia do Pé da Santa Casa de Belo Horizonte, Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte, MG, Brasil 3. Médicos Radiologistas da Axial Medicina Diagnóstica, Belo Horizonte, MG, Brasil 4. Médico Assistente da Axial Medicina Diagnóstica, Belo Horizonte, MG, Brasil Endereço para correspondência: Dra. Rogéria Nobre Rodrigues Rua Gonçalves Dias, 2867, Santo Agostinho Belo Horizonte, MG, Brasil, 30140-093 E-mail: rnobre@terra.com.br Recebido para publicação em 23/12/2013. Aceito, após revisão, em 7/5/2015. Trabalho realizado na Axial Medicina Diagnóstica, Belo Horizonte, MG, Brasil. |