Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 3 - Maio / Jun.  of 2015

RELATO DE CASO
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Page(s) 192 to 194



Tratamento híbrido de úlcera aórtica penetrante

Autho(rs): Juan Antonio Herrero Lara1; Daniela de Araújo Martins-Romêo1; Carlos Caparrós Escudero1; Rosa María Lepe Vázquez2; María del Carmen Prieto Falcón3; Vinicius Bianchi Batista3

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Texto em Português English Text

Descritores: Tomografia computadorizada; Aorta torácica; Doenças da aorta; Aterosclerose; Procedimentos cirúrgicos cardiovasculares.

Keywords: Computed tomography; Thoracic aorta; Aortic diseases; Atherosclerosis; Cardiovascular surgery.

Resumo:
A úlcera aórtica penetrante é uma entidade rara e de prognóstico desfavorável dentro da síndrome aórtica aguda. Mais raros ainda, na literatura, são os casos como o aqui relatado, localizado no arco aórtico, que começa com dor torácica e evolui com disfonia. O presente caso enfatiza o papel da tomografia computadorizada no diagnóstico da úlcera aórtica penetrante e na sua diferenciação de outras entidades dentro da síndrome aórtica aguda. Apresenta também um avanço terapêutico nessa doença, constituído por tratamento híbrido endovascular e cirúrgico.

Abstract:
Penetrating atherosclerotic aortic ulcer is a rare entity with poor prognosis in the setting of acute aortic syndrome. In the literature, cases like the present one, located in the aortic arch, starting with chest pain and evolving with dysphonia, are even rarer. The present report emphasizes the role played by computed tomography in the diagnosis of penetrating atherosclerotic ulcer as well as in the differentiation of this condition from other acute aortic syndromes. Additionally, the authors describe a new therapeutic approach represented by a hybrid endovascular surgical procedure for treatment of the disease.

INTRODUÇÃO

A úlcera aórtica penetrante (UAP) constitui uma complicação de uma placa aterosclerótica que provoca lesão da parede aórtica, com um quadro clínico de dor torácica. Situa-se dentro da síndrome aórtica aguda e supõe uma emergência médica com potenciais complicações que podem inclusive derivar em rotura aórtica(1,2).

O papel do radiologista é fundamental, dado que esta doença é pouco frequente e habitualmente não suspeitada clinicamente, de maneira que um diagnóstico errôneo ou tardio pode levar a altas taxas de morbidade e mortalidade. Neste contexto, a tomografia computadorizada (TC) constitui o exame de imagem de eleição para o diagnóstico.

Relata-se caso de UAP de localização pouco habitual, no arco aórtico, que se iniciou com dor torácica e evoluiu com disfonia, sendo o paciente submetido a tratamento híbrido de recente implantação, endovascular e cirúrgico.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, ex-fumante, obeso, com doença pulmonar obstrutiva crônica em estádio GOLD IV (grave redução do fluxo do ar com risco de vida para o paciente em caso de piora clínica temporária), com história de cardiopatia hipertensiva e isquêmica. Iniciou o quadro clínico com dor precordial lancinante, irradiada ao braço esquerdo e dificuldade respiratória. As enzimas cardíacas foram normais e o eletrocardiograma não demonstrou alteração na repolarização ventricular. O cateterismo cardíaco não apresentou lesões importantes. Evoluiu com disfonia de apresentação brusca e broncoespasmo. A TC de tórax estabeleceu o diagnóstico de UAP no arco aórtico. Foi encaminhado a tratamento urgente, cirúrgico e endovascular, com êxito.


DISCUSSÃO

O sexo masculino, a idade avançada e a hipertensão constituem os principais fatores de risco relacionados à síndrome aórtica aguda(2,3), que somente em 5% dos casos está justificada por uma UAP, enfermidade pouco habitual e subdiagnosticada, o que dificulta o trabalho do radiologista.

A UAP é uma ulceração de uma placa ateromatosa, que penetra profundamente através da íntima até a camada média da aorta, onde ocasiona uma hemorragia(4). Sua evolução é variável: em ocasiões, se limita à camada média devido ao componente fibrótico da placa de ateroma, com a formação de uma pequena área de dissecção ou ulceração circunscrita; em outros casos, se estende até um ponto distal de reentrada da luz aórtica e ocasiona uma dissecção. Outra possibilidade é que alcance a adventícia e que provoque um pseudoaneurisma. Em casos mais extremos, pode atravessar toda a parede, com rotura aórtica(1,4).

A localização da UAP no arco aórtico é menos frequente que na aorta descendente, pela estreita relação dessa entidade com a aterosclerose, mais prevalente na aorta descendente, e pelo fluxo sanguíneo rápido, que se torna fator protetor na aorta ascendente e no arco aórtico(4).

A TC é a técnica de eleição na avaliação das síndromes aórticas agudas, pela sua acessibilidade, rapidez, reprodutibilidade, alta sensibilidade e especificidade. Recomenda-se primeiro um estudo sem contraste intravenoso, para determinar possíveis hematomas associados e disposição das calcificações parietais, seguido de uma aquisição na fase arterial depois da administração de contraste iodado.

Com o contraste detecta-se uma alteração focal no contorno aórtico, a úlcera, que pode se acompanhar de hematoma mural e de realce parietal por inflamação e hiperemia (Figuras 1 e 2). O hematoma ajuda a diferenciar uma UAP de uma úlcera comum ou não complicada. Contudo, é indispensável a presença de um quadro clínico de dor pela alta incidência de irregularidades parietais nos pacientes de idade avançada, que podem mostrar uma aparência radiológica similar (Figura 3). Em alguns casos, como o relatado, podem surgir sintomas decorrentes da compressão do nervo laríngeo recorrente pelo hematoma, como disfonia, disfagia ou síndrome da veia cava superior.


Figura 1. Reconstrução tridimensional, renderização volumétrica. Imagem digitiforme ou em botão de colarinho que deforma o contorno esperado da parede do arco aórtico, entre a saída das artérias carótida comum e subclávia esquerda, compatível com UAP.


Figura 2. Reconstruções projeção de intensidade máxima sagital (A) e coronal oblíquas (B,C). Hiperdensidade circundante com realce periférico, compatível com hematoma parietal (asteriscos), sinal de instabilidade, ocupando a teórica localização do nervo laríngeo recorrente esquerdo, o que justifica a clínica de disfonia.


Figura 3. Reconstruções projeção de intensidade máxima sagital oblíqua (A) e axial (B) de outro paciente assintomático em que se diagnosticou, incidentalmente, uma úlcera comum ou não complicada durante estudo de outra doença não relacionada. Identifica-se uma imagem digitiforme que deforma o contorno da aorta descendente proximal, sendo a imagem circundante hipodensa, compatível com material trombótico e não com hematoma mural.



A UAP apresenta semelhança radiológica com o pseudoaneurisma, lesão de origem traumática que provoca uma rotura íntimo-medial, com rotura aórtica contida pela adventícia. No entanto, no caso em questão, não existe antecedente de traumatismo, imagem de flap da íntima, nem a lesão se localiza no istmo aórtico (localização habitual dos pseudoaneurismas, devido ao efeito de fixação secundário à inserção do ligamento arterioso).

Além da úlcera comum e do pseudoaneurisma, no diagnóstico diferencial deve-se incluir o aneurisma de origem infecciosa ou micótica(3). No caso relatado não existem dados clínicos que apoiem uma possível causa infecciosa.

A conduta terapêutica frente a uma UAP é similar a uma dissecção aórtica tipo B, habitualmente conservadora. No entanto, neste caso, optou-se por submeter o paciente a intervenção, pela localização da UAP, que poderia determinar complicações graves, e pelo quadro clínico persistente.

O paciente apresentava doença pulmonar obstrutiva crônica em estádio avançado e outras comorbidades que elevavam o risco cirúrgico, motivo pelo qual se adotou técnica híbrida, cirúrgica e endovascular(5), em lugar de uma substituição completa do arco aórtico (Figura 4).


Figura 4. TC depois do tratamento. Reconstrução tridimensional, renderização volumétrica. São preservados os troncos supra-aórticos mediante técnica de derramificação com tubo bifurcado de dacron (prótese de dacron, PD) desde a aorta ascendente até o tronco arterial braquiocefálico e carótida comum esquerda (ACCE), e posteriormente, se coloca uma prótese endovascular no arco aórtico por via femoral, com evolução satisfatória aos três meses. ASD, artéria subclávia direita; ACCD, artéria carótida comum direita; AVD, artéria vertebral direita.



Recentemente, vários estudos demonstraram a segurança e eficácia do tratamento endovascular na afecção da aorta torácica, o que torna esta técnica uma opção terapêutica à cirurgia para a redução da morbidade e da mortalidade(6,7). A possibilidade de se combinar com a cirurgia no mesmo ato permite o tratamento de um maior número de pacientes.

Depois da intervenção, são recomendados controles mediante TC, aos 6 e 12 meses, e a seguir, anualmente, para confirmar uma correta exclusão da úlcera e para descartar possíveis complicações do stent, como migração, infraexpansão ou endofugas(8).


REFERÊNCIAS

1. Chin AS, Fleischmann D. State-of-the-art computed tomography angiography of acute aortic syndrome. Semin Ultrasound CT MR. 2012;33:222-34.

2. Vilacosta I, Román JA. Acute aortic syndrome. Heart. 2001;85:365-8.

3. Birchard KR. Acute aortic syndrome and acute traumatic aortic injuries. Semin Roentgenol. 2009;44:16-28.

4. Macura KJ, Corl FM, Fishman EK, et al. Pathogenesis in acute aortic syndromes: aortic dissection, intramural hematoma, and penetrating atherosclerotic aortic ulcer. AJR Am J Roentgenol. 2003;181:309-16.

5. Iida Y, Kawaguchi S, Koizumi N, et al. Thoracic endovascular aortic repair with aortic arch vessel revascularization. Ann Vasc Surg. 2011;25:748-51.

6. Scali ST, Goodney PP, Walsh DB, et al. National trends and regional variation of open and endovascular repair of thoracic and thoracoabdominal aneurysms in contemporary practice. J Vasc Surg. 2011;53:1499-505.

7. Lioupis C, Abraham CZ. Results and challenges for the endovascular repair of aortic arch aneurysms. Perspect Vasc Surg Endovasc Ther. 2011;23:202-13.

8. Johnson PT, Black JH, Zimmerman SL, et al. Thoracic endovascular aortic repair: literature review with emphasis on the role of multidetector computed tomography. Semin Ultrasound CT MR. 2012;33:247-64.










1. Médicos Radiologistas da Unidade de Gestão Clínica (UGC) de Diagnóstico por Imagem - Hospital Universitario Virgen Macarena, Sevilha, Espanha
2. Médica Radiologista do Serviço de Radiodiagnóstico - Hospital Nuestra Señora de la Merced, Osuna, Sevilha, Espanha
3. Médicos Residentes da Unidade de Gestão Clínica (UGC) de Diagnóstico por Imagem - Hospital Universitario Virgen Macarena, Sevilha, Espanha

Endereço para correspondência:
Dr. Juan Antonio Herrero Lara
U.G.C. de Diagnóstico por Imagem - Hospital Universitário Virgen Macarena
Avd. Dr. Fedriani, 3
41007 Sevilha, Espanha
E-mail: jaherrero5@hotmail.com

Recebido para publicação em 28/8/2014.
Aceito, após revisão, em 9/1/2015.

Trabalho realizado na Unidade de Gestão Clínica (UGC) de Diagnóstico por Imagem - Hospital Universitario Virgen Macarena, Sevilha, Espanha.
 
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