Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 3 - Maio / Jun.  of 2015

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 154 to 157



Embolização arterial transcateter de hemangiomas hepáticos gigantes sintomáticos e não ressecáveis: experiência de um único centro no uso de uma mistura de lipiodol e etanol

Autho(rs): Denis Szejnfeld1; Thiago Franchi Nunes2; Vinicius Adami Vayego Fornazari1; Carla Adriana Loureiro de Matos3; Adriano Miziara Gonzalez4; Giuseppe D'Ippolito5; Ivonete Sandra de Souza e Silva3; Suzan Menasce Goldman5

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Texto em Português English Text

Descritores: Hemangioma; Embolização terapêutica; Etanol; Óleo etiodado.

Keywords: Hemangioma; Therapeutic embolization; Ethanol; Ethiodized oil.

Resumo:
OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo relatar a experiência dos autores de embolização arterial transcateter com o uso de uma mistura de lipiodol e etanol em três casos de hemangiomas hepáticos gigantes sintomáticos e não ressecáveis.
MATERIAIS E MÉTODOS: Três hemangiomas hepáticos gigantes sintomáticos e não ressecáveis em três pacientes foram embolizados com o uso de uma mistura transarterial de etanol e lipiodol.
RESULTADOS: A regressão dos sintomas e a melhora na qualidade de vida foram observadas em todos os casos. Nenhuma complicação foi encontrada e todos os pacientes receberam alta em até 12 horas após o procedimento.
CONCLUSÃO: O etanol misturado com o lipiodol foi um tratamento eficaz e seguro para hemangiomas hepáticos gigantes sintomáticos nesta pequena série de pacientes.

Abstract:
OBJECTIVE: The present article is aimed at reporting the author's experience with transcatheter arterial embolization using a lipiodol-ethanol mixture in three cases of unresectable symptomatic giant hepatic hemangiomas.
MATERIALS AND METHODS: The cases of three patients with giant unresectable symptomatic hepatic hemangiomas embolized in the period 2009-2010 were retrospectively reviewed. In all the cases, transarterial embolization was performed with an ethanol-lipiodol mixture.
RESULTS: Symptoms regression and quality of life improvement were observed in all the cases. No complications were observed and all the patients were discharged within 12 hours after the procedure.
CONCLUSION: Transcatheter arterial embolization using ethanol mixed with lipiodol was a safe and effective treatment for symptomatic giant hepatic hemangiomas in this small series of patients.

INTRODUÇÃO

Hemangiomas são os tumores hepáticos benignos mais comuns. Geralmente são assintomáticos e não necessitam de intervenção(1,2). Hemangiomas são considerados "gigantes" quando maiores que 5 cm, sendo os maiores mais propensos a ruptura espontânea(3,4). A ruptura espontânea é considerada excepcionalmente rara na ausência de terapia anticoagulante ou traumatismo, e em tal situação a presença de doença hepática subjacente deve ser considerada(4,5). Tradicionalmente, nos pacientes com dor persistente deve ser considerada a ressecção, quando forem excluídas outras causas para a dor(3,6). Em alguns casos, os hemangiomas gigantes podem se apresentar com amplo envolvimento do hilo hepático, veias e/ou extensão para o tórax e/ou pelve, tornando-se a cirurgia um procedimento de alto risco para estes pacientes(6).

A embolização arterial transcateter (EAT) foi usada pela primeira vez em 1991 por Yamamoto et al.(7) como um procedimento pré-operatório em um caso de hemangioma rompido. Desde então, apenas alguns relatórios sobre a utilização de EAT para o tratamento sintomático (sintomáticos não hemorrágicos) de hemangioma hepáticos foram publicados(8,9). No conhecimento dos autores, nenhum relatório usando a injeção da mistura de lipiodol-etanol foi publicado até o momento.

O objetivo do presente artigo é relatar a experiência dos autores com EAT usando uma mistura de etanol e lipiodol em uma pequena série de pacientes com hemagiomas hepáticos sintomáticos e irressecáveis.


MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (Institutional Review Board-equivalente) e foi conduzido de acordo com as disposições da Declaração de Helsinki. Termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os pacientes antes das suas inclusões no estudo.

Três casos de hemangiomas embolizadas entre 2009 e 2010 foram retrospectivamente revisados. Todos os pacientes reportavam sintomas por pelo menos três anos, e nenhum tinha sofrido cirurgia abdominal anterior. Um questionário de qualidade de vida(10) foi aplicado a cada paciente, 15 dias antes e 60 dias após o procedimento, para avaliar a saúde física, o bem-estar psicológico e diferentes aspectos de suas relações e comportamentos sociais antes e após a EAT. O projeto Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL) foi iniciado em 1991 com o objetivo de desenvolver um instrumento de avaliação de vida com qualidade cultural internacionalmente comparável. Ele avalia a percepção dos indivíduos no contexto de sua cultura e sistema de valores, e seus objetivos pessoais, padrões e preocupações.

Todos os nódulos mostraram-se com padrão típico de hemangioma na tomografia computadorizada (TC) com contraste e/ou ressonância magnética (RM). Nenhuma biópsia foi realizada. Todos os pacientes foram considerados de alto risco e não eram elegíveis para ressecção hepática cirúrgica, por causa do envolvimento de vários segmentos e/ou extensão de contato do tumor com os vasos principais (Figura 1).


Figura 1. A: Imagem coronal de RM ponderada em T2 mostrando a extensão do hemangioma gigante para o tórax (asterisco) e deslocamento do coração (ponta de seta), bem como do parênquima hepático normal (setas). B: Imagem axial de RM pós-infusão de gadolínio mostrando o padrão típico de hemangioma. C: Fase venosa tardia da arteriografia por subtração digital demonstrando o deslocamento da veia porta (seta) para a esquerda e sem realce venoso portal, caracterizando hemangioma (asterisco). D: Arteriografia por subtração digital com imagem da artéria hepática direita mostrando um padrão nodular difuso de hemangioma.



Os procedimentos de embolização foram realizados sob sedação consciente usando um aparelho de angiografia digital Philips Integris V3000 (Philips Medical Systems; Holanda). Angiografia diagnóstica inicial foi realizada utilizando um cateter 5-F para examinar seletivamente a artéria mesentérica superior, o tronco celíaco e a artéria hepática, também com fase tardia, para avaliação da patência de ramos intratumorais e venosos, principalmente oriundos da veia porta. Angiografia superseletiva pré-embolização foi realizada para identificar possível fluxo não alvo e fístulas arteriovenosas que pudessem exigir embolização profilática. Uma técnica superseletiva usando um microcateter 0,028 polegadas (Embocath, BioSphere Médica; Rockland, MA) foi empregada para embolização dos ramos nutridores. Antes da embolização, 2 mL de lidocaína 0,5% foram lentamente injetados via arterial. Uma mistura transarterial de 8 mL de etanol absoluto e 2 mL de lipiodol (ethiodol) (Lipiodol® Ultra-Fluide, Guerbet Laboratórios; Aulnay-Sous-Bois, França) foi então injetada em cada ramo nutridor, até se obter estase. Não mais do que 10 mL da mistura etanol-lipiodol foi necessária para parar o fluxo das artérias embolizadas.

Todos os três pacientes apresentaram dor moderada após EAT e receberam fentanil (2 mL), ondansetron (8 mL) e uma dose única de cefazolina (1 g). O mesmo questionário de qualidade de vida foi aplicado novamente e exames de imagem (TC ou RM) foram repetidos para cada paciente após 60-90 dias.


RESULTADOS

Um paciente era do sexo masculino, com idade de 58 anos, e dois eram do sexo feminino, com idades entre 53 e 61 anos. A dose total de etanol-lipiodol infundido nos pacientes foi 9, 8, e 7 mL, respectivamente.

A EAT foi bem sucedida em todos os casos e os pacientes receberam alta hospitalar dentro de 12 horas após o procedimento. Nenhuma complicação relacionada ao procedimento imediato foi observada, nem no período de acompanhamento de 60-90 dias. Parâmetros de qualidade de vida e tamanho do tumor avaliados antes e depois da EAT estão resumidos na Tabela 1.




Dois pacientes mostraram decréscimo moderado e um paciente mostrou ligeira diminuição (não mais do que 10% do diâmetro máximo) do tamanho do tumor após EAT (Figura 2). Avaliação da qualidade de vida revelou regressão significativa dos sintomas e melhoria em todos os quatro aspectos relacionados à qualidade de vida (saúde física, bem-estar psicológico, relações sociais e meio ambiente) para todos os três pacientes (Tabela 1).


Figura 2. A: TC axial com contraste pré-embolização mostrando grande contato do tumor com o ramo esquerdo portal (seta) e o padrão típico de hemangioma. B: Imagem de TC pós-embolização mostrando nódulo difusamente impregnado por lipiodol e diminuição do tamanho tumoral.



DISCUSSÃO

Até a década de 1990, não havia consenso na literatura quanto a um tratamento eficaz para hemangiomas hepáticos. Na última década, vários autores têm relatado que hemangiomas gigantes podem causar sintomas como dor incapacitante, desconforto abdominal e dispneia em cerca de 40-50% dos pacientes, com sucesso na regressão dos sintomas após terapia(5,6,11). No presente estudo, regressão completa dos sintomas e significativa da melhora qualidade de vida foram conseguidas em todos os casos após a embolização com uma mistura de etanol-lipiodol transarterial. Nenhuma outra medicação sintomática foi exigida (exceto para o alívio da dor durante o período precoce de pós-embolização), sem nenhum outro tratamento durante o período de acompanhamento. Os resultados deste estudo são consistentes com relatos anteriormente documentados, que expunham que grandes hemangiomas hepáticos eram os responsáveis pelos sintomas, após a exclusão de outras possíveis causas de dor(6,8,9).

Embora a ressecção de hemangiomas hepáticos possa ser realizada com baixa morbidade mesmo na presença de extenso envolvimento parenquimatoso (três ou mais segmentos), tal procedimento apresenta potenciais riscos de morbidade e complicações significativas, inerentes da própria natureza cirúrgica(6). Procedimentos de embolização, como quimioembolização arterial percutânea para o carcinoma hepatocelular, são semelhantemente seguros e geralmente realizados em regime ambulatorial.

A dor imediata referida pelos pacientes, relacionada à EAT, foi semelhante à dos doentes relacionada à quimioembolização arterial percutânea e foi controlada com a administração de opioides orais e drogas anti-inflamatórias durante sete dias.

Os hemangiomas são compostos de grandes espaços cheios de sangue revestidos por endotélio. A hipótese dos autores para a utilização da técnica da EAT foi que não seria possível o preenchimento e adequada embolização de todos estes espaços com partículas de álcool polivinílico, já um agente embólico líquido, tal como a mistura de álcool absoluto e lipiodol, seria mais apropriado para preencher os canais vasculares, destruir o endotélio e consequente oclusão(12). Este princípio já está sendo largamente utilizado na embolização de angiomas venosos periféricos.

O presente estudo tem algumas limitações, como o pequeno tamanho da amostra, com apenas três pacientes. No entanto, hemangiomas gigantes sintomáticos e irressecáveis são incomuns, mesmo em uma grande instituição, como a nossa, o que dificulta a análise de uma grande casuística em um único centro.

Em resumo, com base nos resultados desta pequena série de pacientes, os autores concluem que EAT usando etanol misturado com lipiodol foi um tratamento seguro e eficaz para o tratamento de hemangiomas hepáticos gigantes sintomáticos e irressecáveis.


REFERÊNCIAS

1. Paradis V. Benign liver tumors: an update. Clin Liver Dis. 2010;14:719-29.

2. Galvão BVT, Torres LR, Cardia PP, et al. Prevalence of simple liver cysts and hemangiomas in cirrhotic and non-cirrhotic patients submitted to magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2013;46:203-8.

3. Lise M, Feltrin G, Da Pian PP, et al. Giant cavernous hemangiomas: diagnosis and surgical strategies. World J Surg. 1992;16:516-20.

4. Paula Neto WT, Koifman ACB, Martins CAS. Ruptured hepatic cavernous hemangioma: a case report and literature review. Radiol Bras. 2009;42:271-3.

5. Donati M, Stavrou GA, Donati A, et al. The risk of spontaneous rupture of liver hemangiomas: a critical review of the literature. J Hepatobiliary Pancreat Sci. 2011 Jul 29. [Epub ahead of print].

6. Yoon SS, Charny CK, Fong Y, et al. Diagnosis, management, and outcomes of 115 patients with hepatic hemangioma. J Am Coll Surg. 2003;197:392-402.

7. Yamamoto T, Kawarada Y, Yano T, et al. Spontaneous rupture of hemangioma of the liver: treatment with transcatheter hepatic arterial embolization. Am J Gastroenterol. 1991;86:1645-9.

8. Srivastava DN, Gandhi D, Seith A, et al. Transcatheter arterial embolization in the treatment of symptomatic cavernous hemangiomas of the liver: a prospective study. Abdom Imaging. 2001;26:510-4.

9. Zeng Q, Li Y, Chen Y, et al. Gigantic cavernous hemangioma of the liver treated by intra-arterial embolization with pingyangmycin-lipiodol emulsion: a multi-center study. Cardiovasc Intervent Radiol. 2004;27:481-5.

10. [No authors listed]. Development of the World Health Organization WHOQOL-BREF quality of life assessment. The WHOQOL Group. Psychol Med. 1998;28:551-8.

11. Vassiou K, Rountas H, Liakou P, et al. Embolization of a giant hepatic hemangioma prior to urgent liver resection. Case report and review of the literature. Cardiovasc Intervent Radiol. 2007;30:800-2.

12. Yu SC, Hui JW, Hui EP, et al. Embolization efficacy and treatment effectiveness of transarterial therapy for unresectable hepatocellular carcinoma: a case-controlled comparison of transarterial ethanol ablation with lipiodol-ethanol mixture versus transcatheter arterial chemoembolization. J Vasc Interv Radiol. 2009;20:352-9.










1. Médicos Radiologistas do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
2. Mestre, Médico Radiologista do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
3. Médicas da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
4. Doutor, Médico da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
5. Doutores, Médicos Radiologistas do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

Mailing Address:
Dr. Vinicius Adami Vayego Fornazari
Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino
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E-mail: vfornazari@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 2/7/2014.
Aceito, após revisão, em 13/11/2014.

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
 
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