Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2014

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 368 to 373



Classificação de Bosniak para cistos renais complexos: histórico e análise crítica

Autho(rs): Valdair F. Muglia1; Antonio Carlos Westphalen2

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Texto em Português English Text

Descritores: Cistos renais; Bosniak; Tomografia computadorizada; Ressonância magnética.

Keywords: Renal cysts; Bosniak; Computed tomography; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
A classificação de Bosniak para cistos renais surgiu na década de 1980 para tentar padronizar a descrição e condutas em relação às lesões renais císticas complexas. Esta classificação sofreu alterações na década de 1990 e, a última, em 2005. Atualmente, são definidas cinco categorias de lesões císticas renais – I, II, II-F, III e IV –, de acordo com o grau de complexidade e maior probabilidade de malignidade. Apesar de inicialmente ter sido descrita para a tomografia computadorizada, esta classificação é utilizada, com algumas vantagens, também na ressonância magnética. O presente artigo revisa as diferentes fases desta classificação, sua eficácia diagnóstica e os aspectos mais controversos de sua utilização.

Abstract:
The Bosniak classification for renal cysts was developed in the late 1980s in an attempt to standardize the description and management of complex cystic renal lesions. Alterations were made to such a classification in the 1990s and, the last one, in 2005. Currently, five categories of cystic renal lesions are defined - namely, I, II, II-F, III and IV –, according to their degree of complexity and likelihood of malignancy. Despite being initially described for computed tomography, this classification has been also utilized with some advantages also for magnetic resonance imaging. The present article reviews the different phases of this classification, its diagnostic efficacy and the most controversial features of its use.

INTRODUÇÃO

Com o uso disseminado dos métodos de imagem em investigação de doenças abdominais, cada vez mais se encontram achados incidentais, cujo manuseio nem sempre é fácil ou consensual. Os cistos renais complexos representam bem esta situação.

No final da década de 1980, Morton Bosniak escreveu um clássico artigo em que sugeriu uma classificação das lesões renais císticas baseadas em seu aspecto nas imagens obtidas com tomografia computadorizada (TC) com uso de meio de contraste intravenoso, com o objetivo de determinar a conduta a ser tomada(1). Esta classificação foi sendo incorporada gradativamente por especialistas no diagnóstico por imagem e urologistas e é atualmente referência para descrição de lesões císticas renais (Figura 1).


Figura 1. Desenho mostrando os principais achados na classificação de Bosniak para lesões císticas renais. A: Categoria I. B,C: Categoria II, hiperdenso em B. D: Categoria IIF. E: Categoria III. F: Categoria IV.



Mesmo com a padronização da descrição e das condutas sugeridas, a abordagem das lesões císticas renais continuou problemática devido à existência de lesões complexas(2-5) que não se enquadravam nas categorias inicialmente propostas, podendo ser classificadas como lesões minimamente complexas e benignas (Bosniak II), para as quais conduta cirúrgica não é mandatória, ou cistos complexos e possivelmente malignos (Bosniak III), para os quais conduta cirúrgica é recomendada. Na metade da década de 1990, Bosniak e colaboradores sugeriram mudanças na classificação. Foi introduzida uma quinta categoria, chamada de II-F ("F" de follow-up). Esta categoria foi reservada às lesões complexas difíceis de serem classificadas como II ou III (Figura 1)(6-8). Esta classificação sofreria outra pequena alteração em 2005(9), adquirindo o formato atualmente conhecido(10), mostrado na Tabela 1. De acordo com a classificação atual, cistos simples, categoria I, são os cistos sem septos ou vegetações, de paredes lisas e finas e sem realce após a administração de meio de contraste intravenoso (Figura 2A). Na categoria II são incluídos cistos com septos finos, parede minimamente espessa e calcificações parietais finas e sem realce após a administração de meio de contraste intravenoso (Figura 2A). Cistos hiperdensos até 3,0 cm são enquadrados nesta categoria. Lesões com septos irregulares, espessos, com calcificações grosseiras e nítido realce após meio de contraste intravenoso são descritas como categoria III (Figura 2B). A categoria IV é reservada às lesões com septos ou parede contendo componentes sólidos bem definidos e que apresentam realce após meio de contraste intravenoso (Figura 2C). A categoria II-F corresponde a lesões indeterminadas, com achados descritos na Tabela 1, que embora não sejam suficientes para indicar exploração cirúrgica, embutiriam um risco maior se simplesmente ignoradas (Figura 3).




Figura 2. A: Categorias I e II. Corte tomográfico no plano axial, após meio de contraste, mostrando cisto de parede lisa e imperceptível, categoria I, e outro com finas calcificações em suas paredes (seta), categoria II, ambos sem realce perceptível após meio de contraste. B: Categoria III. Corte tomográfico no plano axial, após meio de contraste, mostrando cisto de parede lisa, com septo espesso e realce perceptível e mensurável após meio de contraste intravenoso (seta). C: Categoria IV. Corte tomográfico axial após meio de contraste mostrando lesão mista, cístico-sólida, com parede espessa e componente sólido na parede posterior (asterisco), com realce homogêneo após meio de contraste intravenoso.


Figura 3. Cisto Bosniak II-F. TC após meio de contraste intravenoso mostrando cisto parcialmente exofítico, com fino septo em seu interior e discreta nodulação no septo, que se reforça após meio de contraste; reforço perceptível, porém não mensurável (seta).



VALIDAÇÃO E CONTROVÉRSIAS

Vários estudos avaliando a eficácia da classificação de Bosniak foram realizados, a maioria retrospectivos(11-15). Uma meta-análise recente, que incluiu nove estudos com pelo menos 30 casos(16), mostrou que a inclusão da categoria II-F levou a uma redução do número de casos enquadrados na categoria III e, consequentemente, a uma redução do número de explorações cirúrgicas para lesões benignas, preservando-se o valor preditivo negativo para neoplasia das categorias cuja conduta é expectante (I e II). Nesse estudo, a porcentagem de lesões malignas na categoria I foi 0%, 15,6% para a categoria II, 0% na categoria II-F, 65,3% para a categoria III, e 91,7% para a categoria IV. Destaca-se, nessa meta-análise, a alta frequência de lesões malignas na categoria II, fato atribuído a um dos estudos, em que um de dois casos de lesões nesta categoria, II (50%), era maligno(11). Em outro estudo recente, pacientes com cistos II-F e III foram seguidos até comprovação de estabilidade ou ressecção cirúrgica. A frequência de lesões malignas foi 25% e 54% para as categorias II-F e III, respectivamente. Os autores também identificaram que história de neoplasia renal maligna prévia, coexistência de lesão sólida maligna, Bosniak categoria IV e múltiplos cistos Bosniak III são fatores de risco e aumentam a proporção de lesões malignas em cistos categoria III(17). A revisão dos mais importantes artigos (n > 30 pacientes) publicados até 2012, para avaliação das categorias de Bosniak (Tabela 2), mostrou que a frequência de malignidade na categoria II-F variou de 0% a 25%, com média de 2,9%.




A adoção da categoria II-F permitiu uma abordagem mais sistemática na questão de maior controvérsia da classificação de Bosniak: a distinção, nem sempre nítida, entre as categorias II e III. Porém, alguns pontos cruciais na adoção desta nova categoria ainda carecem de maior clareza. Primeiro, os achados que definem um cisto como II-F nem sempre são tão evidentes. Identificação de realce do tipo capilar (hair-like), além de ser achado sutil, é subjetivo (Figura 3). Outros achados, como lesão hiperdensa, homogênea, totalmente intrarrenal, menor que 3 cm, são mais consensuais e se encaixam na categoria II. É notório que a experiência e, principalmente, a correlação com casos que tiveram exploração cirúrgica e consequente resultado histopatológico melhora o desempenho individual na utilização da classificação de Bosniak.

A classificação de Bosniak sugere seguimento na categoria II-F, mas não define intervalos para repetição dos exames, nem duração do controle evolutivo. Isto tem levado a abordagens distintas relatadas em publicações recentes(14,15,17). O próprio autor(9) reconhece a existência de uma heterogeneidade de lesões na categoria II-F, algumas de baixo risco que necessitam seguimento de curta duração, com exames semestrais até dois anos após o diagnóstico, e outras com achados mais suspeitos, que merecem seguimento mais longo, de até quatro anos, antes de serem reclassificadas como categoria II se estáveis(20-22). Em nossa experiência, lesões de maior suspeição podem ser seguidas durante o primeiro ano com intervalos menores, de três a quatro meses, alternando ultrassonografia (US) e métodos de anatomia seccional com contraste - TC e ressonância magnética (RM) -, passando para controle semestral somente se estáveis (Figura 4). No seguimento destas lesões, a alteração da arquitetura interna do cisto complexo é tão ou mais importante que a avaliação do crescimento.


Figura 4. Evolução de lesão cística complexa. A: TC após meio de contraste intravenoso. Exame inicial mostrando pequena lesão hipodensa cortical no polo superior do rim esquerdo (seta). B: TC após meio de contraste, quatro meses depois. Apesar do significativo aumento nas dimensões da lesão (seta), esta foi classificada como Bosniak II-F. Após novo controle, com aumento das dimensões, a lesão foi retirada, com diagnóstico de carcinoma de células renais, variante células claras, no exame anatomopatológico.



UTILIZAÇÃO DE OUTROS MÉTODOS DIAGNÓSTICOS: RM E US

A RM tem sido amplamente utilizada na avaliação das lesões císticas renais e em outros órgãos, como pâncreas e anexos, com desempenho superior à TC. O próprio Bosniak, em artigo publicado em 2004, já reconhecera que o método é adequado para sua classificação(23).

A RM é capaz de demonstrar melhor septos, principalmente os mais finos, em lesões císticas, particularlmente as menores que 2,0 cm. Porém, deve-se ressaltar que, em razão de artefatos inerentes ao processo de aquisição de imagens pela RM, os septos das lesões císticas renais podem parecer mais espessos do que na TC (Figura 5). Este fato pode provocar discordância nas classificações, e lesões rotuladas como II ou II-F na TC podem ser categorizadas com II-F ou III na RM(24). Além disso, observadores menos experientes tendem a classificar um maior número de lesões como II-F e III em função da maior resolução tecidual e de contraste proporcionada pela RM. Isto pode levar a um maior número de exploração cirúrgica de lesões benignas.


Figura 5. Avaliação de realce em TC e RM. A,B: Cortes tomográficos no plano axial, antes e após meio de contraste intravenoso, mostrando cisto complexo, de paredes irregulares, com calcificações grosseiras, parietais e na região central. Não se percebe realce definido no interior da lesão. C: Axial T1 pós-gadolínio, com subtração de imagem. Notar o realce nodular, irregular (seta), junto às calcificações. A lesão foi reclassificada como Bosniak IV e confirmada como maligna.



Já o realce de septos finos, descrito como capilar ou hair-like, é muito mais conspícuo na RM do que na TC, o que proporciona maior segurança na sua detecção e também para negar ausência de realce pelo meio de contraste, apesar deste achado não alterar a conduta (categoria I para II). Outra vantagem da RM é a identificação de realce pelo meio de contraste de septos internos, quando presentes em cistos hiperdensos, de conteúdo hemorrágico(25). A alta densidade dificulta ou impossibilita a percepção do realce com a TC, ao passo que a técnica de subtração das imagens de RM pós e pré-contraste pode contornar esta situação (Figura 5).

O uso da US na classificação de Bosniak nunca foi indiscutivelmente aceito, pelo fato de que a detecção da neovascularização de lesões malignas, indicada pelo realce de componentes sólidos, de septos ou de parede, é parte fundamental desta classificação(26,27). No entanto, sabe-se que a US pode ser muito mais eficiente para demonstrar septos internos do que a TC e mesmo a RM. Os cistos simples e os chamados minimamente complexos, aqueles com paredes lisas e finos septos em seu interior, regulares e sem vegetações, podem ser acompanhados apenas pela US(28).

Outra vantagem da US é definir a natureza cística ou sólida da lesão. Em algumas situações, a caracterização de lesões acentuadamente hipovasculares pode ser difícil, principalmente com a TC (Figura 6). Os carcinomas de células renais do tipo papilífero sabidamente podem exibir este comportamento(29) e o seu diagnóstico pode ser bastante problemático se o aumento da densidade, entre as fases pré e póscontraste, estiver próximo dos valores de pseudorrealce (ao redor de 20 UH para TC multidetectores de 64 canais e 10 UH para aparelhos de 16 canais)(30). Além da natureza hipovascular, os tumores papilíferos sofrem degeneração cística em uma frequência semelhante à variante células claras.


Figura 6. Valor da US. A,B: Cortes tomográficos axiais mostrando lesão hipodensa, circunscrita, exofítica (asteriscos) no terço médio do rim direito, homogênea, com mínimo realce após meio de contraste intravenoso (18 UH), deixando dúvidas quanto à natureza da lesão, se cística ou sólida. C: Corte ultrassonográfico transversal do rim mostrando claramente lesão sólida (asterisco), com atenuação do feixe sonoro em alguns pontos. Carcinoma papilífero confirmado após ressecção cirúrgica.



Apesar da impossibilidade de categorização das lesões císticas renais pelos critérios de Bosniak, a US é um excelente método para avaliação inicial de pacientes com lesões císticas renais, pois indica com precisão os níveis de complexidade dessas lesões (Figura 7).


Figura 7. Limitações da US. A: Corte ultrassonográfico do rim esquerdo mostrando lesão cística, com múltiplos septos em seu interior, um deles com sinal ao estudo color Doppler (seta). B: Corte axial de TC multidetectores, após meio de contraste, mostrando realce de septos, de aspecto irregular. Apesar de a classificação de Bosniak não considerar achados ultrassonográficos, o achado de vascularização em septo reforçou a necessidade de investigação da lesão, posteriormente confirmada com carcinoma de células claras.



NOVAS PERSPECTIVAS

Estudos recentes têm demonstrado que a utilização de contraste ultrassonográfico intravenoso pode permitir a detecção de realce em lesões císticas complexas, mesmo em septos muito finos (hair-like), com acuidade até superior à TC(31). As limitações desta técnica incluem sua baixa reprodutibilidade, o fato de a US ser técnica operador-dependente, e o custo do meio de contraste cerca de quatro vezes maior do que o valor do meio de contraste iodado, diferença que pode ser mais acentuada se houver múltiplos cistos que requeiram injeções repetidas.

Além do uso de meio de contraste ultrassonográfico intravenoso para melhor caracterização das lesões císticas complexas renais, novas técnicas têm sido empregadas com este intuito. Entre elas, a que tem ganhado mais atenção são as sequências de difusão por RM, técnica que permite avaliação indireta da celularidade das neoplasias. Nas lesões císticas complexas, o achado de restrição à difusão nos componentes sólidos foi descrito como de alto valor preditivo positivo para neoplasia(32,33) (Figura 8).


Figura 8. RM e imagem por difusão (DWI). A: Corte ponderado em T2, no plano axial, mostrando septos e conteúdo sólido na parede anterior da lesão (seta). B,C: DWI e mapa de ADC da mesma lesão mostrando áreas de restrição à movimentação de água, identificadas como focos de alto sinal em DWI e de hipossinal no mapa de ADC (setas). Observar a significativa diferença em favor da RM na caracterização de conteúdo de cistos complexos. Carcinoma renal de células claras, cístico, confirmado após exérese.



Em resumo, a classificação de Bosniak permitiu uma padronização de descrição e conduta das lesões císticas renais. Inicialmente descrita para a TC, tem sido usada também com a RM, com algumas vantagens. A adoção de uma categoria intermediária II-F criou condições de reduzir a abordagem cirúrgica de lesões benignas. A US, apesar de não utilizada para a classificação, segue sendo um excelente método para detecção e definição da complexidade das lesões císticas.


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1. Pós-doutorado, Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) – Centro de Ciências da Imagem e Física Médica (CCIFM), Ribeirão Preto, SP, Brasil
2. Doutorado, Professor Associado de Radiologia, Department of Radiology and Bioengineering – University of California at San Francisco (UCSF), San Francisco, CA, USA

Endereço para correspondência:
Dr. Valdair F. Muglia
FMRP-USP – CCIFM
Avenida Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, Monte Alegre
Ribeirão Preto, SP, Brasil, 14048-900
E-mail: fmuglia@fmrp.usp.br

Recebido para publicação em 10/5/2013.
Aceito, após revisão, em 8/1/2014.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil, e na University of California at San Francisco (UCSF) – School of Medicine, San Francisco, CA, USA.
 
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