QUAL É O SEU DIAGNÓSTICO?
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Autho(rs): Bruno Hochhegger1; Klaus Loureiro Irion2; Arthur Soares Souza Junior3; Adalberto Sperb Rubin1; Gláucia Zanetti4 |
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Paciente do sexo masculino, 23 anos, usuário de drogas, com tosse seca e dispneia progressiva a grandes e médios esforços. Foi realizada radiografia do tórax em posteroanterior e tomografia computadorizada do tórax (Figura 1).
Figura 1. A: Radiografia do tórax em posteroanterior. B: Tomografia computadorizada com janela para parênquima pulmonar. Corte ao nível dos lobos superiores. Descrição da imagem Figura 1. Radiografia em posteroanterior e tomografia computadorizada do tórax mostrando enfisema bolhoso nas porções superiores dos pulmões, predominando à direita. Diagnóstico: Enfisema bolhoso em paciente usuário de cocaína fumada (crack). COMENTÁRIOS A avaliação por métodos de imagem do sistema respiratório tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional(1-16). A tomografia computadorizada (TC) de tórax revolucionou a importância dos exames de imagem em muitos aspectos da pneumologia e da cirurgia torácica. O uso da TC na investigação do câncer de pulmão, das doenças intersticiais e do enfisema já faz parte da rotina de investigação pneumológica. No enfisema, porém, o potencial da TC vem sendo subutilizado. Rotineiramente, o uso da TC continua sendo restrito à confirmação diagnóstica e à análise subjetiva da extensão e do tipo das lesões enfisematosas(17-26). Atualmente, a TC de múltiplas fileiras de detectores encontra-se disponível na grande maioria dos centros de diagnóstico por imagem. Esses equipamentos tornaram viável a realização de exames de TC de tórax com uma aquisição de todas as imagens durante uma única pausa respiratória. Essa capacidade técnica abriu novos caminhos na investigação das doenças pulmonares. Medidas objetivas do volume pulmonar total e do volume de pulmão afetado por enfisema podem ser realizadas com elevada precisão(27-36). A quantificação de enfisema pela densitovolumetria pulmonar por TC(27,37) é um processo no qual as áreas do pulmão com valores pré-determinados de densidade ou atenuação abaixo de um determinado limiar são mascaradas por uma cor sólida, de modo que o observador possa prontamente identificar as áreas de alteração na densidade pulmonar ou enfisema. Em 1995, foi sugerida a fixação do limiar de -950 UH para a separação do pulmão normal versus pulmão enfisematoso (quantificação de enfisema)(38), sendo este o limiar mais frequentemente utilizado. Com o advento da tomografia helicoidal, foi possível calcular o volume real (cm3) em vez da área (cm2), sendo introduzida a quantificação volumétrica do enfisema por TC. Tais técnicas têm permitido o diagnóstico precoce e o monitoramento desses pacientes(21,28,31). Esses trabalhos pioneiros inspiraram muitos outros autores, que expandiram a aplicação clínica da TC para além da análise subjetiva dos aspectos anatômicos das imagens. Agora, já se reconhece que a densitovolumetria pulmonar por TC é mais precisa e sensível que os testes de função pulmonar tradicionais e é considerada método de escolha para avaliação não invasiva e precisa de alterações patológicas no enfisema, mostrando boa correlação com os achados histopatológicos(39). O uso de drogas ilícitas pode causar lesões pulmonares por diferentes mecanismos. Um mecanismo importante de agressão pulmonar é a utilização de medicamentos feitos para uso oral injetados por via intravenosa, causando talcose e enfisema. Alguns usuários de drogas habitualmente maceram comprimidos, dissolvem o pó resultante em água e injetam esta solução por via intravenosa(40-42). Essas medicações orais têm em comum a adição de um veículo insolúvel (talco, celulose ou amido), para manter as partículas medicinais juntas e para atuar como lubrificante, impedindo que os comprimidos prendam-se nas máquinas ou entre si durante a sua manufatura(40,41). Dessa forma, a injeção resulta em êmbolos pulmonares microscópicos(40,42). As partículas podem migrar para o interstício e causar reação granulomatosa tipo corpo estranho(40,42). O mecanismo mais importante na formação do enfisema parece ser a presença do talco injetado diretamente no sistema vascular. A explicação fisiopatológica não é bem clara, mas qualquer que seja o mecanismo, o enfisema é um elemento de extrema importância na fisiopatologia de algumas formas da talcose pulmonar(40,42). A principal diferença na TC entre as formas inalatórias da talcose e a forma intravenosa (relacionada ao uso de drogas orais injetadas por via venosa) é o desenvolvimento, na última, de enfisema que afeta predominantemente os lobos inferiores. A prevalência significativamente aumentada de enfisema panacinar nos lobos inferiores é vista em viciados em drogas intravenosas que injetam metilfenidato (Ritalina)(41,43,44). Este padrão é similar ao enfisema descrito em pacientes com deficiência de alfa-1-antitripsina(42,44). Em alguns usuários de Ritalina, enfisema é o único achado. Barotrauma é outra complicação decorrente do hábito de fumar crack ou de inalar cocaína(45,46). Ele pode se manifestar como pneumotórax, pneumomediastino, pneumopericárdio, ou enfisema subcutâneo(45,47). Nos usuários de cocaína, aumento de pressão intratorácica pode ocorrer durante o ato de fumar devido a tosse vigorosa ou produção intencional de uma manobra de Valsalva para aumentar a absorção e maximizar o efeito da droga(46). Os alvéolos hiperdistendidos podem romper-se para o interstício e, eventualmente, para o mediastino, produzindo pneumomediastino(45,48). Aspiração vigorosa após inalação de cocaína pode causar pneumomediastino por um mecanismo similar(46,49). O barotrauma é geralmente diagnosticado com radiografias de tórax, mas a TC pode auxiliar no diagnóstico quando a radiografia de tórax não é conclusiva. Em indivíduos jovens, a presença de ar no mediastino, em ausência de uma história de outros fatores etiológicos, deve levantar a suspeita de uso de cocaína(45). Enfisema também tem sido relatado em usuários de drogas fumadas ou inaladas, geralmente afetando homens jovens. Alguns trabalhos descreveram alterações bolhosas graves associadas à cocaína fumada. A TC identifica bolhas e enfisema centrolobular nos lobos superiores, especialmente na periferia, poupando as porções centrais dos pulmões(45,47), como observado no paciente neste relato. REFERÊNCIAS 1. Yamanari MGI, Mansur MCD, Kay FU, et al. Bullet embolism of pulmonary artery: a case report. Radiol Bras. 2014;47:128-30. 2. Zanetti G, Nobre LF, Mançano AD, et al. Pulmonary paracoccidioidomycosis. Radiol Bras. 2014;47(1):xi-xiii. 3. Fernandes MC, Zanetti G, Hochhegger B, et al. Rhodococcus equi pneumonia in an AIDS patient. Radiol Bras. 2014;47(3):xi-xiii. 4. Mançano AD, Santos Neto RC, Silva KCC. Williams-Campbell syndrome. 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