Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 5 - Set. / Out.  of 2014

QUAL É O SEU DIAGNÓSTICO?
Print 

Page(s) XI to XIII



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Bruno Hochhegger1; Klaus Loureiro Irion2; Arthur Soares Souza Junior3; Adalberto Sperb Rubin1; Gláucia Zanetti4

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Paciente do sexo masculino, 23 anos, usuário de drogas, com tosse seca e dispneia progressiva a grandes e médios esforços. Foi realizada radiografia do tórax em posteroanterior e tomografia computadorizada do tórax (Figura 1).


Figura 1. A: Radiografia do tórax em posteroanterior. B: Tomografia computadorizada com janela para parênquima pulmonar. Corte ao nível dos lobos superiores.



Descrição da imagem

Figura 1.
Radiografia em posteroanterior e tomografia computadorizada do tórax mostrando enfisema bolhoso nas porções superiores dos pulmões, predominando à direita.

Diagnóstico: Enfisema bolhoso em paciente usuário de cocaína fumada (crack).


COMENTÁRIOS

A avaliação por métodos de imagem do sistema respiratório tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional(1-16). A tomografia computadorizada (TC) de tórax revolucionou a importância dos exames de imagem em muitos aspectos da pneumologia e da cirurgia torácica. O uso da TC na investigação do câncer de pulmão, das doenças intersticiais e do enfisema já faz parte da rotina de investigação pneumológica. No enfisema, porém, o potencial da TC vem sendo subutilizado. Rotineiramente, o uso da TC continua sendo restrito à confirmação diagnóstica e à análise subjetiva da extensão e do tipo das lesões enfisematosas(17-26).

Atualmente, a TC de múltiplas fileiras de detectores encontra-se disponível na grande maioria dos centros de diagnóstico por imagem. Esses equipamentos tornaram viável a realização de exames de TC de tórax com uma aquisição de todas as imagens durante uma única pausa respiratória. Essa capacidade técnica abriu novos caminhos na investigação das doenças pulmonares. Medidas objetivas do volume pulmonar total e do volume de pulmão afetado por enfisema podem ser realizadas com elevada precisão(27-36).

A quantificação de enfisema pela densitovolumetria pulmonar por TC(27,37) é um processo no qual as áreas do pulmão com valores pré-determinados de densidade ou atenuação abaixo de um determinado limiar são mascaradas por uma cor sólida, de modo que o observador possa prontamente identificar as áreas de alteração na densidade pulmonar ou enfisema. Em 1995, foi sugerida a fixação do limiar de -950 UH para a separação do pulmão normal versus pulmão enfisematoso (quantificação de enfisema)(38), sendo este o limiar mais frequentemente utilizado. Com o advento da tomografia helicoidal, foi possível calcular o volume real (cm3) em vez da área (cm2), sendo introduzida a quantificação volumétrica do enfisema por TC. Tais técnicas têm permitido o diagnóstico precoce e o monitoramento desses pacientes(21,28,31). Esses trabalhos pioneiros inspiraram muitos outros autores, que expandiram a aplicação clínica da TC para além da análise subjetiva dos aspectos anatômicos das imagens. Agora, já se reconhece que a densitovolumetria pulmonar por TC é mais precisa e sensível que os testes de função pulmonar tradicionais e é considerada método de escolha para avaliação não invasiva e precisa de alterações patológicas no enfisema, mostrando boa correlação com os achados histopatológicos(39).

O uso de drogas ilícitas pode causar lesões pulmonares por diferentes mecanismos. Um mecanismo importante de agressão pulmonar é a utilização de medicamentos feitos para uso oral injetados por via intravenosa, causando talcose e enfisema. Alguns usuários de drogas habitualmente maceram comprimidos, dissolvem o pó resultante em água e injetam esta solução por via intravenosa(40-42). Essas medicações orais têm em comum a adição de um veículo insolúvel (talco, celulose ou amido), para manter as partículas medicinais juntas e para atuar como lubrificante, impedindo que os comprimidos prendam-se nas máquinas ou entre si durante a sua manufatura(40,41). Dessa forma, a injeção resulta em êmbolos pulmonares microscópicos(40,42). As partículas podem migrar para o interstício e causar reação granulomatosa tipo corpo estranho(40,42). O mecanismo mais importante na formação do enfisema parece ser a presença do talco injetado diretamente no sistema vascular. A explicação fisiopatológica não é bem clara, mas qualquer que seja o mecanismo, o enfisema é um elemento de extrema importância na fisiopatologia de algumas formas da talcose pulmonar(40,42).

A principal diferença na TC entre as formas inalatórias da talcose e a forma intravenosa (relacionada ao uso de drogas orais injetadas por via venosa) é o desenvolvimento, na última, de enfisema que afeta predominantemente os lobos inferiores. A prevalência significativamente aumentada de enfisema panacinar nos lobos inferiores é vista em viciados em drogas intravenosas que injetam metilfenidato (Ritalina)(41,43,44). Este padrão é similar ao enfisema descrito em pacientes com deficiência de alfa-1-antitripsina(42,44). Em alguns usuários de Ritalina, enfisema é o único achado.

Barotrauma é outra complicação decorrente do hábito de fumar crack ou de inalar cocaína(45,46). Ele pode se manifestar como pneumotórax, pneumomediastino, pneumopericárdio, ou enfisema subcutâneo(45,47). Nos usuários de cocaína, aumento de pressão intratorácica pode ocorrer durante o ato de fumar devido a tosse vigorosa ou produção intencional de uma manobra de Valsalva para aumentar a absorção e maximizar o efeito da droga(46). Os alvéolos hiperdistendidos podem romper-se para o interstício e, eventualmente, para o mediastino, produzindo pneumomediastino(45,48). Aspiração vigorosa após inalação de cocaína pode causar pneumomediastino por um mecanismo similar(46,49). O barotrauma é geralmente diagnosticado com radiografias de tórax, mas a TC pode auxiliar no diagnóstico quando a radiografia de tórax não é conclusiva. Em indivíduos jovens, a presença de ar no mediastino, em ausência de uma história de outros fatores etiológicos, deve levantar a suspeita de uso de cocaína(45).

Enfisema também tem sido relatado em usuários de drogas fumadas ou inaladas, geralmente afetando homens jovens. Alguns trabalhos descreveram alterações bolhosas graves associadas à cocaína fumada. A TC identifica bolhas e enfisema centrolobular nos lobos superiores, especialmente na periferia, poupando as porções centrais dos pulmões(45,47), como observado no paciente neste relato.


REFERÊNCIAS

1. Yamanari MGI, Mansur MCD, Kay FU, et al. Bullet embolism of pulmonary artery: a case report. Radiol Bras. 2014;47:128-30.

2. Zanetti G, Nobre LF, Mançano AD, et al. Pulmonary paracoccidioidomycosis. Radiol Bras. 2014;47(1):xi-xiii.

3. Fernandes MC, Zanetti G, Hochhegger B, et al. Rhodococcus equi pneumonia in an AIDS patient. Radiol Bras. 2014;47(3):xi-xiii.

4. Mançano AD, Santos Neto RC, Silva KCC. Williams-Campbell syndrome. Radiol Bras. 2014;47(2):xi-xii.

5. Ceratti S, Pereira TR, Velludo SF, et al. Pulmonary tuberculosis in a patient with rheumatoid arthritis undergoing immunosuppressive treatment: case report. Radiol Bras. 2014;47:60-2.

6. Bispo IGA, Nascimento DT, Ferreira KO, et al. Brain metastasis as initial presentation of papillary adenocarcinoma of the lung: case report. Radiol Bras. 2013;46:313-6.

7. Eifer DA, Arsego FV, Torres FS. Unilateral pulmonary veins atresia: evaluation by computed tomography. Radiol Bras. 2013;46:376-8.

8. Amorim VB, Rodrigues RS, Barreto MM, et al. Computed tomography findings in patients with H1N1 influenza A infection. Radiol Bras. 2013;46:299-306.

9. Carneiro DS, Arantes JH, Souza GV, et al. Heterotaxy syndrome: a case report. Radiol Bras. 2013;46:181-3.

10. Zanetti G, Nobre LF, Mançano AD, et al. Nodular reversed halo sign caused by pulmonary tuberculosis, confirmed by sputum culture. Radiol Bras. 2013;46(6):ix-x.

11. Costa AN, Giassi KS, Bachion GH, et al. Post-traumatic pulmonary pseudocyst in a soccer player: a case report. Radiol Bras. 2013;46:122-4.

12. Amoedo MK, Souza LVS, Souza AS, et al. Pulmonary interstitial emphysema: a case report and review of the literature. Radiol Bras. 2013;46:317-9.

13. Souza VF, Chaves RT, Balieiro VS, et al. Qualitative and quantitative pulmonary density analysis in a patient with polymyositis and pulmonary fibrosis. Radiol Bras. 2013;46(3):ix-x.

14. Pereira e Silva JL. The virus-drug-host dynamics in the tomographic characterization of pulmonary influenza A (H1N1) infection - a clinical-radiological-pathological view. Radiol Bras. 2013;46(5):vii-ix.

15. Canellas R, Kanaan D, Martins PHR, et al. Spontaneous regression of pulmonary alveolar proteinosis: a case report. Radiol Bras. 2012;45:294-6.

16. Bozi LCF, Melo ASA, Marchiori E. Pulmonary metastatic calcification: a case report. Radiol Bras. 2012;45:297-9.

17. Irion KL, Hochhegger B, Marchiori E, et al. Radiograma de tórax e tomografia computadorizada na avaliação do enfisema pulmonar. J Bras Pneumol. 2007;33:720-32.

18. Hochhegger B, Dixon S, Screaton N, et al. Emphysema and smoking-related lung diseases. Imaging. 2008;20:219-35.

19. Irion KL, Marchiori E, Hochhegger B. Tomographic diagnosis of pulmonary emphysema. J Bras Pneumol. 2009;35:821-3.

20. Hochhegger B, Irion KL, Andrade CF, et al. Congenital lobar emphysema: the role of multislice computed tomography with virtual bronchoscopy in the differential diagnosis with bronchial foreign bodies. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2012;269:2015-6.

21. Hochhegger B, Alves GR, Irion KL, et al. Emphysema index in a cohort of patients with no recognizable lung disease: influence of age. J Bras Pneumol. 2012;38:494-502.

22. Hochhegger B, Souza G, Meireles GP, et al. The chest and aging: radiological findings. J Bras Pneumol. 2012;38:656-65.

23. Hochhegger B, Irion KL. Chest radiography and COPD. Radiol Bras. 2013;46(6):v-vi.

24. Marcos L, Bichinho GL, Panizzi EA, et al. Classification of chronic obstructive pulmonary disease based on chest radiography. Radiol Bras. 2013;46:327-32.

25. Irion KL, Hochhegger B. Emphysema: diagnosis, classification, quantification and treatment planning. Radiol Bras. 2013;46(1):ix.

26. Koenigkam-Santos M, Paula WD, Gompelmann D, et al. Endobronchial valves in severe emphysematous patients: CT evaluation of lung fissures completeness, treatment radiological response and quantitative emphysema analysis. Radiol Bras. 2013;46:15-22.

27. Hochhegger B, Marchiori E, Irion K, et al. Accuracy of measurement of pulmonary emphysema with computed tomography: relevant points. Radiol Bras. 2010;43:260-5.

28. Irion KL, Marchiori E, Hochhegger B, et al. CT Quantification of emphysema in young subjects with no recognizable chest disease. AJR Am J Roentgenol. 2009;192:W906.

29. Hochhegger B, Irion KL, Marchiori E, et al. Reconstruction algorithms and their influence in emphysema CT measurements. Acad Radiol. 2010;17:674.

30. Hochhegger B, Marchiori E, Irion KL, et al. Are we measuring pulmonary emphysema? Respir Med. 2010;104:1073.

31. Hochhegger B, Irion KL, Marchiori E, et al. Reconstruction algorithms influence the follow-up variability in the longitudinal CT emphysema index measurements. Korean J Radiol. 2011;12:169-75.

32. Hochhegger B, Marchiori E, Irion K, et al. Visual vs automated assessment of emphysema. Chest. 2011;140:1384.

33. Hochhegger B, Marchiori E, Irion KL, et al. Iodinated contrast media and its influence in emphysema CT measurements. Clin Imaging. 2012;36:160.

34. Hochhegger B, Irion KL, Marchiori E. Reconstruction algorithms and CT emphysema measurements. Radiology. 2012;263:935-6.

35. Hochhegger B, Irion KL, Alves GRT, et al. Normal variance in emphysema index measurements in 64 multidetector-row computed tomography. J Appl Clin Med Phys. 2013;14:4215.

36. de Castro MC, Ferreira AS, Irion KL, et al. CT quantification of large opacities and emphysema in silicosis: correlations among clinical, functional, and radiological parameters. Lung. 2014;192:543-51.

37. Müller NL, Staples CA, Miller RR, et al. "Density mask". An objective method to quantitate emphysema using computed tomography. Chest. 1988;94:782-7.

38. Gevenois PA, de Maertelaer V, De Vuyst P, et al. Comparison of computed density and macroscopic morphometry in pulmonary emphysema. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152:653-7.

39. Newell JD Jr, Hogg JC, Snider GL. Report of a workshop: quantitative computed tomography scanning in longitudinal studies of emphysema. Eur Respir J. 2004;23:769-75.

40. Souza Jr AS, Marchiori E, Irion KL, et al. Talcose pulmonar associada ao uso endovenoso de medicamentos orais. Radiol Bras. 2003;36:187-90.

41. Paré JP, Cote G, Fraser RS. Long-term follow-up of drug abusers with intravenous talcosis. Am Rev Respir Dis. 1989;139:233-41.

42. Ward S, Heyneman LE, Reittner P, et al. Talcosis associated with IV abuse of oral medications: CT findings. AJR Am J Roentgenol. 2000;174:789-93.

43. Marchiori E, Franquet T, Gasparetto TD, et al. Consolidation with diffuse or focal high attenuation: computed tomography findings. J Thorac Imaging. 2008;23:298-304.

44. Marchiori E, Lourenço S, Gasparetto TD, et al. Pulmonary talcosis: imaging findings. Lung. 2010;188:165-71.

45. de Almeida RR, de Souza LS, Mançano AD, et al. High-resolution computed tomographic findings of cocaine-induced pulmonary disease: a state of the art review. Lung. 2014;192:225-33.

46. Kloss BT, Broton CE, Rodriguez E. Pneumomediastinum from nasal insufflation of cocaine. Int J Emerg Med. 2010;3:435-7.

47. Restrepo CS, Carrillo JA, Martínez S, et al. Pulmonary complications from cocaine and cocaine-based substances: imaging manifestations. Radiographics. 2007;27:941-56.

48. Gotway MB, Marder SR, Hanks DK, et al. Thoracic complications of illicit drug use: an organ system approach. Radiographics 2002;22 Spec No:S119-35.

49. Mançano A, Marchiori E, Zanetti G, et al. Pulmonary complications of crack cocaine use: high-resolution computed tomography of the chest. J Bras Pneumol. 2008;34:323-7.










1. Laboratório de Pesquisa em Imagens Médicas da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
2. Royal Liverpool University Hospital, Liverpool, England
3. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e Ultra-X, São José do Rio Preto, SP, Brasil
4. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Bruno Hochhegger
Rua General Neto, 315/404, Floresta
Porto Alegre, RS, Brasil, 90560-020
E-mail: brunohochhegger@gmail.com

Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa em Imagens Médicas da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554