Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 3 - Maio / Jun.  of 2014

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 141 to 148



SUS na medicina nuclear do Brasil: avaliação e comparação dos dados fornecidos pelo Datasus e CNEN

Autho(rs): Lorena Pozzo1; George Coura Filho2; João Alberto Osso Júnior3; Peterson Lima Squair4

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Texto em Português English Text

Descritores: SUS; Medicina nuclear; Câmara de cintilação.

Keywords: SUS; Nuclear medicine; Gamma camera.

Resumo:
OBJETIVO: Investigar o acesso a procedimentos ambulatoriais de medicina nuclear por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil e analisar a correspondência dos dados fornecidos por este sistema com os da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
MATERIAIS E MÉTODOS: Foram obtidos e avaliados os dados disponíveis no Datasus quanto a quantidade de câmaras de cintilação, procedimentos ambulatoriais de 2008 a 2012, esfera administrativa responsável por estes procedimentos, tipo de prestador de serviços e terceirização de serviços. Também foi feita comparação com os dados de estabelecimentos autorizados pela CNEN.
RESULTADOS: O estudo mostrou que ainda falta amadurecimento do sistema quanto à sua completa alimentação, especialmente no campo de equipamentos disponíveis. Foi possível elencar os procedimentos mais realizados e verificar o crescimento da especialidade no período estudado. Estabelecimentos privados são responsáveis pela maior parte dos procedimentos cobertos pelo SUS. Entretanto, muitos estabelecimentos de saúde não são autorizados pela CNEN.
CONCLUSÃO: O Datasus oferece dados importantes para uma análise como a feita neste estudo, embora alguns pontos ainda demandem atenção. O trabalho mostrou, quantitativamente, a realidade brasileira quanto ao acesso a procedimentos de medicina nuclear oferecidos pelo/para o SUS.

Abstract:
OBJECTIVE: To investigate the outpatient access to nuclear medicine procedures by means of the Brazilian Unified Health System (SUS), analyzing the correspondence between data provided by this system and those from Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) (National Commission of Nuclear Energy).
MATERIALS AND METHODS: Data provided by Datasus regarding number of scintillation chambers, outpatient procedures performed from 2008 to 2012, administrative responsibility for such procedures, type of service providers and outsourced services were retrieved and evaluated. Also, such data were compared with those from institutions certified by CNEN.
RESULTS: The present study demonstrated that the system still lacks maturity in terms of correct data input, particularly regarding equipment available. It was possible to list the most common procedures and check the growth of the specialty along the study period. Private centers are responsible for most of the procedures covered and reimbursed by SUS. However, many healthcare facilities are not certified by CNEN.
CONCLUSION: Datasus provides relevant data for analysis as done in the present study, although some issues still require attention. The present study has quantitatively depicted the Brazilian reality regarding access to nuclear medicine procedures offered by/for SUS.

INTRODUÇÃO

Criado em 1988 na Constituição Federal do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) está em constante aperfeiçoamento. É um sistema de saúde cuja doutrina se baseia na universalidade de acesso, na equidade e na integralidade do atendimento(1). Como segue a mesma doutrina e os mesmos princípios organizativos em todo o território nacional, sob a responsabilidade das três esferas autônomas de governo federal, estadual e municipal, o sistema é entendido como sendo único. Trata-se de um conjunto de unidades, de serviços e ações que interagem para um fim comum.

O SUS segue os princípios de regionalização e hierarquização. Ou seja, os serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida. Também segue os princípios de resolubilidade, descentralização, participação dos cidadãos e de complementaridade do setor privado. Quanto a este último, a Constituição definiu que o setor privado pode fazer parte do SUS, quando conveniado e contratado, desde que siga suas regras. Além disso, dentre os serviços privados, devem ter preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Vale lembrar que, segundo a Lei nº 8.080 de 1990, no seu capítulo 2, artigo 26, § 4º: "Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS)".

Atendendo aos princípios acima, para a descentralização das atividades de saúde e viabilização do controle social sobre a utilização dos recursos disponíveis, foi criado o Departamento de Informática em Saúde, o Datasus. Em 2011 passou a integrar a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde.

O Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS) do Datasus é informatizado e seus formulários são de envio obrigatório para todos os gestores que tenham serviços públicos ou privados sob sua gestão. O SIA/SUS contém dados de quantidade de procedimentos ambulatoriais realizados que foram cobertos pelo SUS, seja na rede pública ou na rede privada. Os procedimentos ambulatoriais são estruturados em grupos, subgrupos e níveis de organização. Em seu processamento são utilizados outros bancos de dados, como é o caso do Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), além da tabela de procedimentos do SIA/SUS(2).

Os dados do CNES, instituído pela Portaria MS/SAS 376, de 3 de outubro de 2000, compreendem o conhecimento dos estabelecimentos de saúde nos aspectos de área física, recursos humanos, equipamentos e serviços ambulatoriais e hospitalares. Abrange a totalidade dos hospitais existentes no País, assim como a totalidade dos estabelecimentos ambulatoriais vinculados ao SUS e, ainda, os estabelecimentos de saúde ambulatoriais não vinculados ao SUS. O CNES é uma das bases de dados utilizadas pelo SIA e pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH), sendo de responsabilidade do gestor estadual ou municipal a inclusão de unidades por meio da Ficha de Cadastro de Estabelecimento de Saúde (FCES), sua atualização e manutenção, de acordo com as responsabilidades de cada gestor. É possível pesquisar até mesmo a quantidade de vínculos de um profissional com estabelecimentos de saúde credenciados ao SUS.

Medicina nuclear

Esta é uma especialidade médica que tem como característica principal o uso de emissores de radiação ionizante, na forma não selada. Estes devem ser ligados a moléculas de interesse biológico, compondo substâncias chamadas de radiofármacos, que são administradas aos pacientes para diagnóstico ou terapia. Se o radionuclídeo usado for emissor de radiação eletromagnética (gama) ou de pósitrons, é possível mapear a distribuição do material dentro do corpo do paciente usando um detector externo chamado de câmara de cintilação (gama câmara) ou um tomógrafo por emissão de pósitrons (PET). Se o radionuclídeo usado for emissor de partículas, como o 131I, que é emissor de partículas beta, é possível realizar terapias específicas para muitos tipos de tumores. Em alguns casos também é possível detectar a radiação de freamento dessas partículas para compor uma imagem adquirida com câmara de cintilação para seguimento da terapia, por exemplo. Para que a especialidade seja aplicada é necessária uma equipe multi e interdisciplinar composta por médicos, tecnólogos ou biomédicos, físicos-médicos, radiofarmacêuticos e equipe de enfermagem treinada para o trabalho com fontes de radiação não seladas.

Os procedimentos de medicina nuclear, assim como os de ressonância magnética e tomografias por raios X, são classificados pelo SUS como sendo de alta complexidade. Ou seja, são procedimentos que envolvem alta tecnologia e alto custo. A tabela de procedimentos unificada registra apenas 50 procedimentos ambulatoriais baseados no uso de geradores de 99mTc e radioisótopos primários (131I, 67Ga, 201Tl). Entretanto, hoje a especialidade utiliza emissores de pósitrons, com meia-vida muito curta, como o 18F, além de radioisótopos de emissores de partículas como 177Lu, para fins terapêuticos, que não são contemplados pelo SUS1. O uso da [18F]-FDG para alguns tipos de doenças no SUS está sob consulta pública no momento de revisão deste artigo. Assim, a medicina nuclear praticada no SUS é bem mais restrita do que a praticada na rede suplementar ou mesmo de forma particular. A Tabela 1 mostra a relação dos radiofármacos produzidos pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN-SP) e as suas aplicações. O IPEN é a instituição estatal responsável pela implantação e crescimento da medicina nuclear no País, na medida em que desenvolveu os principais produtos usados pela especialidade e os vem produzindo desde 1959(3,4). A última coluna mostra quais são os produtos que são usados em procedimentos pagos pelo SUS atualmente. Vale ressaltar que existem procedimentos pagos pelo SUS que raramente ou nunca são feitos, como cintilografia de pâncreas e determinação de sobrevida de hemácias (com radioisótopos).




O objetivo deste estudo foi o de mapear o acesso ao SUS pelos pacientes que necessitam de exames ambulatoriais diagnósticos de alta complexidade de medicina nuclear em todo o território nacional e por regiões. Procurou-se analisar a maior parte de dados disponíveis para poder traçar um panorama mais completo da especialidade. Neste sentido foram analisados aspectos de quantidade de equipamentos específicos (câmaras de cintilação ou gama câmaras), de terceirização de procedimentos e procedimentos mais realizados, por exemplo. Os procedimentos hospitalares que exigem internação não foram analisados, por exigirem um método de pesquisa diferente.

Como nos procedimentos de medicina nuclear são utilizados radiofármacos, o funcionamento de estabelecimentos que os realizam deve ser autorizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Assim, também foi objetivo deste estudo verificar a correspondência entre os dados obtidos no Datasus com os disponibilizados pela CNEN (www.cnen.gov.br).


MATERIAIS E MÉTODOS

Foram extraídos dados correspondentes à quantidade de câmaras de cintilação existentes a partir da CNESnet(5). A pesquisa foi feita por Estado, para todos os municípios, dentro do campo 1 - Equipamentos de diagnóstico por imagem, código 01 - gama câmara. A consulta retorna o número CNES, o estabelecimento de saúde, o município em que se encontra e a quantidade existente e em uso.

Foi avaliada a quantidade de procedimentos ambulatoriais realizados e aprovados pelo SUS no período de janeiro a dezembro de 2008 e no mesmo período para os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 por unidade federativa e por região. Também foi feita uma investigação quanto à esfera administrativa responsável por estes procedimentos: privada, federal, estadual e municipal. Além disso, investigou-se a distribuição destes procedimentos em relação ao tipo de prestador de serviços: estabelecimento federal; estabelecimento estadual; estabelecimento municipal; estabelecimento privado com fins lucrativos; estabelecimento privado lucrativo SIMPLES; estabelecimento privado sem fins lucrativos; estabelecimento filantrópico com CNES válido.

Foi feita consulta sobre o serviço especializado de medicina nuclear, código 151, oferecido por diversos estabelecimentos, com serviços próprios e terceirizados. A pesquisa foi feita para medicina nuclear ambulatorial in vivo, por Estado e depois agrupado para o País inteiro. Dessa forma, foi possível comparar este resultado, Estado por Estado, com a lista de estabelecimentos autorizados pela CNEN (<www.cnen.gov.br>, março de 2013). Estes estabelecimentos possuem licença de funcionamento e podem adquirir radiofármacos para medicina nuclear na presente data.


RESULTADOS

Segundo a pesquisa por equipamentos, existiriam no Brasil 875 câmaras de cintilação, sendo 834 em uso. Este número não condiz com a realidade e uma análise mais fina mostra que apenas 49,7% dos equipamentos em uso (415) estão localizados em estabelecimentos de medicina nuclear. Os outros 50,3% localizam-se, segundo o Datasus, em clínicas odontológicas ou radiológicas que não realizam procedimentos de medicina nuclear. Esta análise é possível, pois o Datasus disponibiliza o acesso às informações de cada um dos estabelecimentos de saúde listados. Das empresas que possuem o serviço próprio de medicina nuclear e que, portanto, certamente possuem câmaras de cintilação, 91% são privadas e apenas 9% são públicas.

Em 2012 foram realizados 392.264 procedimentos ambulatoriais de medicina nuclear pelo SUS. Dos 50 tipos cobertos pelo SUS, 7 procedimentos são responsáveis por 92,1% do total: cintilografia de miocárdio para avaliação da perfusão em situação de repouso e de estresse (mínimo três projeções), cintilografia de ossos com ou sem fluxo sanguíneo (corpo inteiro), cintilografia renal/renograma (qualitativa e/ou quantitativa), estudo renal dinâmico com ou sem diurético, cintilografia de tireoide com ou sem captação, cintilografia para pesquisa do corpo inteiro. A Figura 1 mostra a distribuição regional destes procedimentos no território nacional. Há uma evidente concentração na região mais desenvolvida e mais densamente povoada, a Sudeste, seguida do Nordeste e do Sul. Embora a Região Sul se apresente na terceira posição em números absolutos, a sua relação de procedimentos/1.000 habitantes é superior à da Região Nordeste.


Figura 1. Distribuição regional dos sete procedimentos de medicina nuclear mais realizados pelo SUS e sua relação de procedimentos/1.000 habitantes.



No período estudado, de 2008 a 2012, a quantidade de procedimentos ambulatoriais realizados pelo SUS aumentou em 26,5%. Todavia, este crescimento não foi uniforme, sendo de 48,0% na Região Norte, 40% na Região Centro-Oeste, tendo a Região Sudeste o menor crescimento, de 21,4%. Ainda, o crescimento não foi constante ao longo dos anos. Entre 2009 e 2010 o crescimento foi 8,2% e de 2010 a 2011 foi 9,3%. Interessante notar que entre 2008 e 2009 o crescimento foi 1,4%, apesar da crise mundial do fornecimento de geradores de 99Mo/99mTc, principal insumo radioativo usado em medicina nuclear.

De todos os procedimentos ambulatoriais de medicina nuclear diagnóstica pagos pelo SUS, 82% são feitos na esfera privada (Figura 2). Esta distribuição é semelhante para outros procedimentos de alta complexidade de diagnóstico por imagem, como ressonância magnética e tomografia por raios X. Entretanto, nesses dois casos específicos, segundo levantamento feito no Datasus, a esfera privada é responsável por 74,0% e 54,0% dos procedimentos, respectivamente. A Tabela 2 mostra que a esfera privada é praticamente a única a realizar estes procedimentos na Região Norte, seguida de perto pela Região Nordeste. Deve-se destacar que a Região Centro-Oeste apresenta 78,5% da produção ambulatorial SUS feita na esfera privada, equiparando-se à Região Sudeste, com 78,0%. Entretanto, uma análise mais cuidadosa revela que o Distrito Federal, em que somente a esfera pública realiza exames SUS, é o responsável por este valor. Nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás estes procedimentos são realizados exclusivamente pela esfera privada.




Figura 2. Produção ambulatorial nacional do SUS por esfera administrativa em 2012.



A esfera privada divide-se em: estabelecimento privado com fins lucrativos; estabelecimento privado lucrativo SIMPLES; estabelecimento privado sem fins lucrativos; estabelecimento filantrópico com CNES válido. De acordo com a Tabela 3, há grande variação entre as regiões quanto ao tipo de prestador de serviços responsável pela realização destes exames. A Região Centro-Oeste encaminha praticamente todos (93,8%) os seus procedimentos para estabelecimentos privados com fins lucrativos, seguida pela Região Norte (77,4%). A Região Sudeste é a que consegue se aproximar mais da intenção de priorizar estabelecimentos sem fins lucrativos. As regiões Sul e Nordeste apresentam uma divisão um pouco mais equilibrada entre estes e estabelecimentos com fins lucrativos.




Ao analisar a contribuição dos diferentes tipos de prestadores de serviço entre 2008 e 2012, nota-se que o único ramo que cresceu de maneira consistente foi o de estabelecimentos privados com fins lucrativos (Figura 3). Destaca-se também a contribuição de estabelecimentos privados sem fins lucrativos em 2012. Rio Grande do Sul e São Paulo são os principais responsáveis por esse aumento: em 2011 foram 126 e 2.491 procedimentos realizados nesses estabelecimentos, respectivamente, e em 2012 foram 7.611 e 66.413, caracterizando um aumento de aproximadamente 60 e 26 vezes.


Figura 3. Contribuição dos diferentes tipos de prestadores para o serviço especializado de medicina nuclear in vivo ambulatorial entre 2008 e 2012.



Segundo o banco de dados do CNES, existem 776 empresas que oferecem o serviço especializado de medicina nuclear in vivo, sendo que 79,3% são privadas e 20,7% são de uma das três esferas do setor público, com predomínio da federal e da estadual, prioritariamente para Estados mais desenvolvidos como São Paulo. As empresas privadas possuem serviço próprio em 70,0% dos casos. O restante oferece o serviço de forma terceirizada. A situação se inverte no caso das empresas públicas: menos de 30,0% delas têm serviços próprios, fazendo com que mais de 70,0% dos procedimentos de medicina nuclear sejam realizados por serviços terceirizados privados (Tabela 4). No total, 61,3% dos serviços oferecidos são próprios e 38,0% são terceirizados.




Ao comparar a quantidade de serviços próprios de medicina nuclear com a lista de estabelecimentos autorizados e certificados pela CNEN, nota-se uma discrepância de 13,4%. Ou seja, dos 476 serviços próprios que realizam procedimentos ambulatoriais pagos pelo SUS, 64 não são autorizados a receber material radioativo pela CNEN e, portanto, não poderiam exercer a medicina nuclear diagnóstica.

A Tabela 5 mostra a situação por Estado e por região. A autorização da CNEN se refere a estabelecimentos que podem adquirir material radioativo para exames in vivo como 99mTc, para terapia como 153Sm e para exames com emissores de pósitrons (PET), de meia-vida curta, sendo que estes últimos não são cobertos pelo SUS até a presente data. Desta forma, algumas vezes, para alguns Estados, o número de estabelecimentos autorizados pela CNEN pode ser maior que os cadastrados pelo Datasus. Entretanto, chama a atenção os casos em que ocorre a situação oposta: um número de estabelecimentos autorizados pela CNEN menor que o de cadastrados ao SUS. É o caso das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, liderado por este último. Santa Catarina é o Estado com maior número de serviços não autorizados pela CNEN mas cadastrados ao SUS, com 17, seguido por Rio Grande do Sul, com 14, e por Minas Gerais, com 12.




O Datasus não disponibiliza campos para preenchimento do responsável técnico do serviço de medicina nuclear e nem do supervisor de proteção radiológica. Estas duas figuras são obrigatórias pela norma CNEN - NN 3.05(6).


DISCUSSÃO

Embora o preenchimento das tabelas SUS seja obrigatório para o reconhecimento e pagamento dos procedimentos realizados pela rede pública e pela rede particular conveniada, nem todos os campos são abastecidos com informações confiáveis. É o caso da quantidade de câmaras de cintilação, informação importante para poder traçar um panorama atual e para realizar prospecções confiáveis sobre a realidade da medicina nuclear acessível à população brasileira por meio do SUS. Este dado já foi anteriormente usado por Freitas et al.(7) para o Estado de São Paulo. Entretanto, as limitações aqui levantadas não tinham sido identificadas. Este estudo mostra que é possível gerar uma estimativa baseada em outras informações constantes no CNES. Segundo levantamento de mercado feito em 2009 pela BizAcumen(8), em 2010 existiriam por volta de 1.850 câmaras de cintilação nos Estados Unidos, o que corresponde a aproximadamente 4,5 vezes a mais que os dados aqui estimados para 2012. Uma forma de checar estes valores seria comparar com a base de dados da CNEN, uma vez que a instalação e o uso de cada equipamento de imagem em medicina nuclear devem ser a ela notificados pelo estabelecimento de saúde.

O presente estudo mostra que a maioria expressiva da medicina nuclear pública é praticada em serviços privados. Trata-se de uma especialidade de alta complexidade e que envolve pessoal e conhecimento multidisciplinar, diferente de outras modalidades assim classificadas pelo SUS, como a ressonância magnética e a radiologia. Além disso, estes serviços devem, por trabalhar com fontes radioativas não seladas, reportar-se à CNEN para obter licenças de funcionamento. Em razão dessas características, o custo para a manutenção de um serviço de medicina nuclear é maior do que o de um serviço de radiologia, com tomografia computadorizada e ressonância magnética. Talvez por isso a parcela praticada em serviços privados seja maior até do que essas duas outras especialidades. A proporção aumenta em determinadas Unidades da Federação, como no Mato Grosso do Sul, em que todo procedimento de medicina nuclear diagnóstica é feito em serviços privados. Uma vez que a rede conveniada não tem a obrigatoriedade de atender toda a demanda SUS, uma parcela da população pode deixar de ser atendida para que a parte privada seja privilegiada. Assim, o oferecimento de procedimentos de medicina nuclear realizados na esfera pública deveria aumentar, começando pelos Estados em que a esfera privada detém percentuais maiores de participação.

Apesar de a quantidade de procedimentos realizados em estabelecimentos filantrópicos ser grande, não há consistência no seu crescimento ao longo dos anos. Chama a atenção o fato de em 2012 esta quantidade ter-se reduzido consideravelmente, enquanto a coberta por estabelecimentos privados sem fins lucrativos, que vinha apresentando queda desde 2009, tenha aumentado expressivamente no mesmo período. Este fato poderia ser mais bem estudado em outras esferas.

A cintilografia para avaliação da perfusão cardíaca é o principal procedimento realizado, correspondendo a 54% do total. É de se esperar que a quase totalidade destes procedimentos seja realizada por single photon emission computed tomography (SPECT), apesar de o SUS repassar um mesmo valor para procedimentos tomográficos e planares. Esta diferença, que leva a um diagnóstico de qualidades diferentes, não pode ser verificada pelos dados fornecidos pelo Datasus. A cintilografia óssea corresponde a 25% de todos os procedimentos. Uma boa parte deve ser feita a partir de exames de varredura de corpo inteiro e não somente de aquisições planas. Tampouco é possível extrair estas informações do Datasus. É importante destacar que os pacientes submetidos a estes dois procedimentos se beneficiariam consideravelmente se os mesmos fossem realizados em equipamentos híbridos, do tipo SPECT/CT. Com eles, há a possibilidade de obtenção da informação funcional, dada pela medicina nuclear, e da informação anatômica, dada pela TC, ao mesmo tempo. Com isto, a conduta a ser adotada e o custo total do tratamento seguido poderiam ser otimizados. A informação anatômica, adquirida no mesmo instante da funcional, não é coberta pelo SUS. Este é um ponto importante a ser avaliado ao considerar um sistema único público, mas isto ainda não é uma realidade para o SUS.

Também há de se considerar o envelhecimento progressivo da população, que leva a um número cada vez maior de doenças do coração e oncológicas, de maneira geral. Há a necessidade, cada vez maior, de se repensar a aplicação de recursos do SUS, considerando que o diagnóstico precoce destas e de outras doenças pode ser feito com o uso da tecnologia disponibilizada pela medicina nuclear, em especial com equipamentos híbridos SPECT/CT e PET/CT.

Este trabalho não teve como objetivo investigar o uso de PET ou PET/CT, uma vez que não há dados disponíveis no Datasus a seu respeito. Mas, embora o SUS não cubra ainda os procedimentos de PET e muito menos os métodos híbridos de PET/CT, eles devem ser prontamente considerados no contexto da demanda oncológica crescente discutida anteriormente.

Hoje o Brasil consome, aproximadamente, 450 Ci de 99mTc por semana, provenientes de geradores de 99Mo/99mTc fornecidos pelo IPEN/CNEN-SP. O Brasil não produz o 99Mo usado e importa este material da Argentina, África do Sul e Canadá. Entretanto, há hoje um grande esforço aplicado no projeto de construção do reator multipropósito brasileiro (RMB)(9). Este reator produzirá 1.000 Ci de 99Mo por semana. Ou seja, o Brasil, por meio de seu Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, prevê um crescimento considerável da medicina nuclear no país. Este investimento pode ser ampliado com a união do Ministério da Saúde no sentido de fomentar o crescimento da especialidade na rede pública, uma vez que a rede privada já se mostra bastante eficiente em atender a sua própria demanda e parte da demanda do SUS, como mostra este trabalho.

A discrepância entre o número de serviços de medicina nuclear cadastrados no SUS e os que constam na lista de serviços credenciados e autorizados da CNEN aponta a necessidade de direcionar esforços no sentido de unificar as informações. É muito importante lembrar que a autorização da CNEN se baseia em princípios de proteção radiológica que devem ser aplicados nas instituições cadastradas, de modo a garantir o uso seguro das fontes de radiação não seladas usadas em medicina nuclear. Assim, seria interessante que a instituição cadastrada no SUS só possa receber pelos procedimentos realizados se estiver autorizada pela CNEN a fazer uso do material radioativo, na quantidade especificada. Ainda nessa direção, o formulário de preenchimento obrigatório do SUS poderia também possuir um campo para preenchimento do nome do profissional com o cargo de supervisor de proteção radiológica da instituição e com a função de responsável técnico.

Por fim, é importante ressaltar que a inclusão de uma dada clínica ou serviço de medicina nuclear na lista de estabelecimentos autorizados pela CNEN depende de uma ação inicial dos gestores dessas clínicas. À CNEN cabe fornecer a licença e fiscalizar a aplicação de suas normas. No caso da alimentação do Datasus, a inserção de dados é feita pelos gestores de saúde das esferas municipal, estadual e federal. É deles a responsabilidade pela informação apresentada de forma correta ou não. Por isso, deve ser feita uma modificação diretamente dos formulários, de modo a comparar com informações contidas nas listas da CNEN de forma compulsória.


CONCLUSÃO

O Datasus pode ser uma fonte rica de informações para pesquisas sobre a realidade da medicina nuclear no Brasil. Ainda é preciso inserir alguns campos, como o de supervisor de proteção radiológica. O estudo indica fortemente a necessidade de integração com a base de dados da CNEN.

É necessário conscientizar os responsáveis pelo preenchimento de formulários em clínicas odontológicas de que o equipamento de imagem "gama câmara" não é usado nessa especialidade. Também é preciso maior sensibilização dos responsáveis pelo preenchimento em empresas que oferecem o serviço de medicina nuclear, no sentido de atualizarem seus dados quanto à quantidade de gama câmaras usadas. Com estes valores é possível fazer uma melhor estimativa do uso efetivo destes equipamentos no País.

O trabalho mostrou, quantitativamente, a realidade de que a medicina nuclear praticada pelo/para o SUS ocorre na esfera privada, mas numa proporção ainda maior que procedimentos de diagnóstico por imagem de mesma complexidade. Além disso, indicou pontos em que podem se aprofundar os estudos, como no caso do tipo de prestador de serviço. Ainda, mostrou um mapeamento geográfico da necessidade, maior ou menor, dependendo do Estado, de desenvolvimento da especialidade na esfera pública.


REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. ABC do SUS - Doutrinas e princípios. [acessado em 11 de março de 2013]. Disponível em: http://biblioteca.planejamento.gov.br/biblioteca-tematica-1/textos/saude-epidemias-xcampanhas-dados-descobertas/texto-17-abc-do-sus-doutrinas-e-principios.pdf.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência de média e alta complexidade no SUS. Coleção Progestores - Para entender a gestão do SUS. [acessado em 20 de fevereiro de 2013]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/colec_progestores_livro9.pdf

3. Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares. Centro de Radiofarmácia - Quem somos. [acessado em 10 de março de 2013]. Disponível em: https://www.ipen.br/sitio/?idm=113.

4. Gordon AMPL. Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - (1956-2000): um estudo de caso à luz da história da ciência, da tecnologia e da cultura brasileira. [Tese de doutorado]. São Paulo, SP: Universidade de São Paulo. [acessado em 1º de dezembro de 2010]. Disponível em: http://www.ipen.br/biblioteca/teses/11602.pdf.

5. Brasil. Ministério da Saúde. CNESNet. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. [acessado em 20 de fevereiro de 2013]. Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br/.

6. Brasil. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Comissão Nacional de Energia Nuclear. CNEN NN 3.05 - Requisitos de radioproteção e segurança para serviços de medicina nuclear. [acessado em 10 de março de 2013]. Disponível em: http://www.cnen.gov.br/seguranca/normas/pdf/Nrm305.pdf.

7. Freitas MB, Yoshimura EM. Levantamento da distribuição de equipamentos de diagnóstico por imagem e da frequência de exames radiológicos no Estado de São Paulo. Radiol Bras. 2005;38:347-54.

8. ReportLinker. Nuclear medicine - A global update of market trends - opportunities. BizAcumen. 2009. PR Newswire Association LLC, New York, USA. [acessado em 11 de março de 2013]. Disponível em: http://www.reportlinker.com/p0164233/Nuclear-Medicine-A-Global-Update-of-Market-Trends-Opportunities.html.

9. Perrota JA, Obadia IJ. The RMB project development status. [acessado em 20 de março de 2013]. Disponível em: http://www-pub.iaea.org/MTCD/Publications/PDF/P1575_CD_web/datasets/papers/C6%20Perrotta.pdf.










1. Doutora, Pesquisadora do Centro de Radiofarmácia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN-SP), São Paulo, SP, Brasil
2. Especialização em Medicina Legal, Médico I do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp), São Paulo, SP, Brasil
3. Doutor, Gerente da Gerência de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro de Radiofarmácia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN-SP), São Paulo, SP, Brasil
4. Mestre, Tecnologista do Centro de Radiofarmácia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN-SP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Lorena Pozzo
Rua Cotoxó, 424, ap. 83, Vila Pompéia
São Paulo, SP, Brasil, 05021-000
E-mail: lorena.pozzo@ipen.br

Recebido para publicação em 4/9/2013.
Aceito, após revisão, em 10/1/2014.

Trabalho realizado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN-SP), São Paulo, SP, Brasil.

1 A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do governo federal publicou decisão da incorporação de três procedimentos de PET/CT pelo SUS em abril de 2014.
 
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