ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Felipe Damásio de Castro1; Fabiano Reis2; José Guilherme Giocondo Guerra3 |
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Descritores: Neoplasias; Neoplasias do ventrículo cerebral; Sistema nervoso central; Ressonância magnética. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Os tumores intraventriculares representam um subgrupo de lesões intracranianas com características próprias e únicas, podendo ser considerados à parte das clássicas subdivisões de tumores em intra e extra-axiais(1). Embora sejam fáceis de visualizar, o diagnóstico diferencial entre as lesões pode ser difícil sem o conhecimento dos tipos de tecidos que dão origem a esses tumores(2). Os ventrículos são rodeados por um revestimento de células ependimárias e uma placa subependimária constituída por células gliais. Essas camadas dão origem aos ependimomas, subependimomas e astrocitomas subependimários de células gigantes. Este revestimento e o septo pelúcido, que está localizado entre o corpo caloso e o fórnix, separando os ventrículos laterais, também dão origem ao neurocitoma central, um tumor neuronal glial único dos sistemas ventriculares(2). O plexo coroide é a porção mais vascularizada do sistema ventricular e produz o liquor. Neoplasias primárias desse tecido são altamente vascularizadas e comumente estão associadas a hidrocefalia por aumento da produção de liquor. Elas ocorrem numa forma benigna, o papiloma do plexo coroide, e menos frequentemente, numa forma maligna, o carcinoma do plexo coroide. Tumores como o meningioma e metástases também podem ocorrer nesse local. As massas são notadas com maior frequência na porção posterior dos ventrículos laterais(2), mas o local pode variar conforme o tipo de tumor. Os papilomas do plexo coroide, que ocorrem principalmente em crianças, têm predileção pelos ventrículos laterais nessa faixa etária, enquanto nos adultos costuma ocorrer mais no quarto ventrículo. Os ependimomas ocorrem mais frequentemente na fossa posterior, em crianças, e nos adultos são geralmente supratentoriais. Muitas vezes, lesões de natureza inflamatória/infecciosa são observadas no interior do sistema ventricular, sendo muito comum em nosso meio a neurocisticercose. Outras afecções mais raras, como a histoplasmose, também podem ser observadas. Neste trabalho reunimos imagens obtidas ao longo dos últimos 15 anos no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição. CARACTERÍSTICAS RADIOLÓGICAS Ependimoma Entre 50% e 75% dos ependimomas ocorrem na fossa posterior(1). Dos que ocorrem na região intraventricular, 58% originam-se no quarto ventrículo e os 42% restantes estão localizados nos ventrículos laterais e no terceiro ventrículo(2). Crescem como massa relativamente mole, que preenche a luz ventricular, amoldando-se à cavidade ventricular(1). Nas imagens de tomografia computadorizada (TC) sem contraste, os ependimomas intraventriculares são usualmente isodensos, com áreas de calcificações (40-80% dos casos). Ocasionalmente, hemorragias intratumorais podem produzir um nível sangue-fluido. Nas imagens de TC contrastada há realce heterogêneo pelo contraste(2-4). Na ressonância magnética (RM) (Figura 1), o ependimoma pode ser um tumor sólido ou um tumor misto sólidocístico. A porção sólida tem hipo ou isossinal nas sequências pesadas em T1 e hipersinal nas sequências pesadas em T2, enquanto a porção cística tem sinal semelhante ao do liquor em T1 e T2. A característica principal desses tumores é a heterogeneidade do sinal. Podem ser observadas áreas de hipersinal espontâneo em T1, correspondendo a hemorragia. Nas sequências SWI são comuns focos de hipossinal (decorrentes de calcificações ou de produtos hemáticos). Após a administração de contraste paramagnético, observa-se realce geralmente heterogêneo desse tumor(1,3). A RM é considerada a modalidade de escolha para avaliação dessas lesões(2). Figura 1. Paciente do sexo masculino, 53 anos. RM sagital T1 (A) mostra lesão de aspecto plástico localizada no quarto ventrículo, que desce para os forames de Luschka, magno e Magendie, com áreas de hipersinal (hemorragia), com captação pelo contraste (B,C,D). Em T2 (E,F), a lesão é hiperintensa, com focos de hipossinal (hemorragia/pequenas calcificações). O laudo anatomopatológico revelou ependimoma. Astrocitoma de baixo grau O sítio mais comum desses tumores é nos lobos temporais e frontais. Quando intraventriculares, estão localizados no corno frontal, terceiro ventrículo, átrio e quarto ventrículo. Podem formar massas focais, com margens regulares(1). À TC, o astrocitoma aparece como massa sólido-cística ou hipodensa(5). Esses tumores são hipovasculares e usualmente realçam menos que outras massas intraventriculares(6). Na RM (Figura 2) são homogêneos, apresentando iso ou hipossinal nas sequências pesadas em T1 e hipersinal em T2. Podem ser observados cistos no interior da lesão. O realce é variável(1). Figura 2. Paciente do sexo masculino, 3 anos. RM axial (A) e sagital (B) T1 mostram lesão sólido-cística, heterogênea, localizada no quarto ventrículo, com isossinal e alguns focos de hipersinal em T1 (hemorragia). Cortes axial (C) e sagital (D) em T1 pós-contraste mostram impregnação intensa em seu componente sólido. Em T2 (E), o componente sólido exibe predominantemente hipersinal, com alguns focos de hipossinal (hemorragia). A biópsia revelou astrocitoma pilocítico. Neurocitoma central Estão frequentemente localizados no sistema ventricular, preenchendo o ventrículo lateral a partir do forame de Monro. Na TC, o tumor se apresenta sob forma de lesão polilobulada ou arredondada, podendo ser espontaneamente hiperdensa, isodensa ou mista(3,7). São vistos afixados no septo pelúcido, podendo estender-se para ambos os ventrículos laterais(1,8). Nota-se realce tênue ou moderado após injeção de contraste. Calcificações e cistos podem estar presentes(8). Na RM (Figura 3), a imagem típica é de volumosa massa intraventricular, frequentemente no forame de Monro, em contato com o septo pelúcido. O tumor é frequentemente isointenso ao parênquima em T1 e discretamente hipointenso em T2. As zonas císticas podem ser observadas(8). O aspecto da lesão é esponjoso(3). Após a injeção de contraste nota-se realce discreto ou moderado da lesão(7). Figura 3. Paciente do sexo masculino, 33 anos. RM sagital T1 (A) mostra lesão sólida, heterogênea, com isossinal/áreas de hipossinal (áreas císticas), localizada no ventrículo lateral direito, junto ao septo pelúcido, se estendendo para o forame de Monro e ventrículo lateral esquerdo, determinando hidrocefalia. Em T1 póscontraste (B,C) observa-se realce discreto. Nos cortes axial e coronal em T2 (D,E), a lesão apresenta isossinal/hipersinal. A biópsia revelou neurocitoma central. Ganglioglioma São neoplasias benignas, acometem principalmente crianças e adultos jovens, estando localizados mais frequentemente nos lobos temporais. A localização exclusivamente intraventricular é rara. Os achados de imagem à RM são inespecíficos. A aparência mais comum é de uma massa com iso ou hipossinal em imagens pesadas em T1 e iso ou hipersinal em imagens pesadas em T2. Calcificações periféricas grosseiras ("bizarras") podem ser observadas. O realce da massa pelo contraste paramagnético varia desde nenhum a intenso(1) (Figura 4). Figura 4. Paciente do sexo feminino, 10 anos. RM axial T1 (A) mostra lesão sólido-cística localizada no ventrículo lateral direito, com componente sólido apresentando isossinal e componente cístico com hipossinal. Nota-se também lesão isointensa em T1 axial no quiasma óptico (seta em B). Após injeção do contraste (D), observa-se impregnação intensa, porém heterogênea. Axial FLAIR (C) mostra lesão com sinal hiperintenso, e em T2 (E) a lesão tem sinal heterogêneo misto com focos hidratados internos. Há lesão de características semelhantes no quiasma óptico (B,D – setas). O anatomopatológico foi conclusivo para ganglioglioma em ambas as lesões. Papiloma do plexo coroide As lesões tumorais do plexo coroide são raras, representando, entre os tumores intracranianos, cerca de 0,4-0,6% dos casos em todas as idades. Elas ocorrem predominantemente na primeira década de vida (38%), especialmente nos primeiros dois anos. Os papilomas são as massas do plexo coroide mais comuns em crianças, principalmente antes dos cinco anos de idade, preferencialmente nos ventrículos laterais. A segunda localização mais frequente é no quarto ventrículo, mais comum em adultos, sendo incomum no terceiro ventrículo(1,9). À TC, os papilomas são isodensos ou levemente hiperdensos em relação à substância cinzenta. Notam-se calcificações em 25% dos casos. Os contornos são lobulados, com margens levemente irregulares(3). O realce é intenso e finamente heterogêneo. À RM observa-se grande massa lobulada isointensa à substância branca em T1. Calcificações e flow voids intralesionais podem ser observados. A injeção de contraste venoso determina intenso realce(1,9) (Figura 5). Figura 5. Paciente do sexo masculino, 10 anos. RM coronal T1 (A) demonstra lesão sólida, microlobulada, com aspecto em "couve-flor", localizada no ventrículo lateral esquerdo, apresentando isossinal em T1, com focos de hipossinal (calcificações ou vasos). Em T1 pós-contraste (B,C,D) observa-se impregnação intensa. A ponderação axial em T2 (E) mostra isossinal com focos de hipossinal. Há hidrocefalia. O estudo anatomopatológico revelou papiloma do plexo coroide. Tumores neuroectodérmicos primitivos Tumor neuroectodérmico primitivo (PNET) é uma denominação genérica para a classificação que inclui os meduloblastomas e neoplasias histologicamente indistinguíveis do meduloblastoma localizadas no sistema nervoso central, em outros sítios que não seja o cerebelo. O meduloblastoma é um tipo de PNET que mais frequentemente acomete o sistema nervoso central. Incide principalmente na primeira década de vida. Localiza-se na fossa posterior, caracteristicamente preenchendo o quarto ventrículo, com cerca de 67-93% situados no vérmis cerebelar(1). Na TC, o meduloblastoma aparece como uma lesão espontaneamente hiperdensa e evidência de edema vasogênico pode ser encontrada(5). Na RM (Figura 6), em crianças, aparece como uma massa localizada na linha mediana ou paramediana, usualmente intraventricular, com relativa homogeneidade de intensidade de sinal. Tem habitualmente isossinal em T1, iso ou hipossinal em T2, caracteristicamente restringe à difusão, e tem realce intenso após a administração do agente de contraste. Em adultos, o espectro de intensidade de sinal é semelhante ao das crianças, frequentemente apresentando isossinal em imagens pesadas em T2(1). Figura 6. Paciente do sexo masculino, 10 anos. RM sagital (A) ponderada em T1 mostra lesões heterogêneas com hipossinal localizadas no quarto ventrículo, cisterna suprasselar, pineal, septo pelúcido, ventrículo lateral e haste hipofisária. Em T1 pós-contraste (B,C) há impregnação das lesões e observa-se também massa intraparenquimatosa ou coalescência de lesões liquóricas na região fronto-temporo-insular direita (metástase intraventricular de lesão primária do sistema nervoso central). O exame histopatológico mostrou disseminação de PNET. Meningioma É a neoplasia benigna mais comum do sistema nervoso central(1), representando 33% de todos os incidentalomas (assintomáticos) intracranianos. Em adultos, meningiomas intraventriculares estão entre os tumores mais comuns vistos nos ventrículos laterais. A TC mostra massa lobulada hiperdensa nitidamente demarcada, com edema periventricular(4,5). Dilatação ventricular difusa ou local pode ser vista, dependendo do grau de obstrução à drenagem do líquido cefalorraquiano (LCR). Calcificações são comuns (50% dos casos)(2). Na RM (Figura 7), a lesão pode aparecer iso a hipointensa em T1 e em geral isointensa em T2(2), com intenso realce pelo meio de contraste(5). Figura 7. Paciente do sexo feminino, 67 anos. TC axial antes (A) e após injeção de contraste (B,C) mostra lesão espontaneamente hiperdensa, lobulada, com captação intensa pelo meio de contraste. RM axial T1 (D) evidencia lesão expansiva, com isossinal, no corno posterior e inferior do ventrículo lateral esquerdo infiltrando o parênquima adjacente, caracterizado por extensa nodularidade, com realce intenso no pós-contraste (F,G). Em T2 (E) a lesão apresenta hipossinal. A paciente passou por cirurgia para ressecção de meningioma intraventricular no ventrículo lateral esquerdo (não obtivemos acesso às imagens), que revelou meningioma atípico com frequentes figuras de mitose com positividade do marcador Ki-67 em 20% dos núcleos, o que indica alto grau de proliferação celular. As imagens obtidas são referentes à recidiva da lesão. Tumor epidermoide Tumores epidermoides intracranianos são cistos de inclusão congênitos que constituem 0,2-1,8% das neoplasias intracranianas primárias(10) (é o tumor congênito mais comum do sistema nervoso central(1)). O local mais comum de acometimento é a cisterna do ângulo ponto-cerebelar(10) e o pico de incidência se encontra na quarta década de vida(1). Eles crescem dentro dos espaços ventriculares, contornando os vasos e nervos adjacentes(10). As margens da lesão geralmente são irregulares e pode ser observada hidrocefalia obstrutiva associada. Calcificações estão presentes em 25% dos casos nas bordas da lesão(1). À TC, a aparência típica é de massa extra-axial hipodensa que não se impregna pelo contraste venoso. Na RM podem se apresentar com iso ou discreto hipersinal em relação ao LCR em T1 e T2 (Figura 8). O principal diagnóstico diferencial é feito com cisto de aracnoide e a distinção é geralmente feita com sequências FLAIR e difusão. O cisto de aracnoide segue a intensidade de sinal do LCR em todas as sequências, enquanto os tumores epidermoides não são hipointensos em FLAIR e mostram áreas de hipersinal em relação ao LCR. Nas sequências de difusão, tumores epidermoides tipicamente têm restrição à difusão, ao contrário do cisto de aracnoide(10). Figura 8. Paciente do sexo feminino, 60 anos. RM sagital T1 (A) demonstra lesão cística com margens lobuladas, contornos irregulares e baixa intensidade de sinal. No T1 pós-contraste (B), a lesão apresentou realce, e no T2 (C) mostrou-se hiperintensa. Tem sinal heterogêneo em FLAIR (D), com hipersinal na difusão e hipossinal no mapa de ADC (restrição à difusão) (E,F). A lesão está localizada no quarto ventrículo. O anatomopatológico revelou tumor epidermoide. CONCLUSÃO Tumores intraventriculares têm grande variedade de apresentação nos estudos de imagem, o que pode ser consequência dos diversos tipos de tecidos encontrados no sistema nervoso central que originam estas lesões. Nesse sentido, o estudo do crânio, principalmente pela RM, tem importante papel na tentativa de definir os diagnósticos diferenciais, com base em sua localização, nas características de sinal nas diferentes sequências, bem como na detecção de elementos de hemorragias e calcificações. Cabe ao radiologista conhecer as principais características de imagem de cada lesão, na tentativa de estreitar os diagnósticos diferenciais. REFERÊNCIAS 1. Leite CC, Sequeiros IM, Lacerda MTC, et al. Tumores intraventriculares: achados à ressonância magnética. Rev Imagem. 2001;23:73-85. 2. Koeller KK, Sandberg GD; Armed Forces Institute of Pathology. From the archives of the AFIP. Cerebral intraventricular neoplasms: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2002;22:1473-505. 3. Smith AB, Smirniotopoulos JG, Horkanyne-Szakaly I. From the radiologic pathology archives: intraventricular neoplasms: radiologicpathologic correlation. Radiographics. 2013;33:21-43. 4. Fenchel M, Beschorner R, Naegele T, et al. Primarily solid intraventricular brain tumors. Eur J Radiol. 2012;81:e688-96. 5. Shogan P, Banks KP, Brown S. AJR teaching file: Intraventricular mass. AJR Am J Roentgenol. 2007;189(6 Suppl):S55-7. 6. Tien RD. Intraventricular mass lesions of the brain: CT and MR findings. AJR Am J Roentgenol. 1991;157:1283-90. 7. Conrad MD, Morel C, Guyotat J, et al. Neurocitomas do sistema nervoso central - análise clínico-patológica de três casos. Arq Neuropsiquiatr. 2000;58:1100-6. 8. Chen H, Zhou R, Liu J, et al. Central neurocitoma. J Clin Neurosci. 2012;19:849-53. 9. Glastonbury CM, Osborn AG, Salzman KL. Masses and malformations of the third ventricle: normal anatomic relationships and differential diagnoses. Radiographics. 2011;31:1889-905. 10. Forghani R, Farb RI, Kiehl TR, et al. Best cases from the AFIP. Fourth ventricle epidermoid tumor: radiologic, intraoperative, and pathologic findings. Radiographics. 2007;27:1489-94. 1. Médico Residente em Radiologia e Diagnóstico por Imagem no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil 2. Doutor, Docente Responsável pela Divisão de Neurorradiologia, Professor do Departamento de Radiologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil 3. Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Fabiano Reis Faculdade de Ciências Médicas - Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Radiologia Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz Caixa Postal: 6111 Campinas, SP, Brasil, 13083-887 E-mail: fabianoreis2@gmail.com Recebido para publicação em 17/2/2013. Aceito, após revisão, em 11/9/2013. Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. |