Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2014

RELATO DE CASO
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Page(s) 51 to 53



Colangiopatia portal: relato de caso

Autho(rs): Maria Cecilia Almeida Maia1; Aline Pimentel Amaro1; Edmundo Clarindo Oliveira2; José Renan da Cunha Melo3; Marcelo Dias Sanches3; Rogerio Augusto Pinto da Silva1

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Texto em Português English Text

Descritores: Colangiopatia portal; Biliopatia portal; Hipertensão portal; Transformação cavernomatosa da veia porta.

Keywords: Portal cholangiopathy; Portal biliopathy; Portal hypertension; Portal vein cavernous transformation.

Resumo:
Relata-se o caso de uma criança que após trauma abdominal fechado apresentou trombose portal, seguida por esplenomegalia progressiva e icterícia. Os achados da ultrassonografia e da colangiografia percutânea mostraram dilatação de vias biliares secundária à constrição do colédoco por veias pericoledocianas dilatadas, configurando caso de colangiopatia portal. O objetivo deste relato é a apresentação de causa incomum desta condição.

Abstract:
The present report describes the case of a child that after blunt abdominal trauma presented with portal thrombosis followed by progressive splenomegaly and jaundice. Ultrasonography and percutaneous cholangiography revealed biliary dilatation secondary to choledochal stenosis caused by dilated peribiliary veins, characterizing a case of portal biliopathy. The present case report is aimed at presenting an uncommon cause of this condition.

INTRODUÇÃO

A colangiopatia portal é definida como a obstrução das vias biliares associada a veias colaterais ingurgitadas no hilo hepático(1). Em geral, os pacientes são assintomáticos, entretanto, icterícia, colangite e litíase biliar podem ocorrer em 5% a 38% dos pacientes(1-5). Relatamos o caso de uma criança com trombose portal secundária a trauma abdominal fechado, evoluindo com hipertensão portal e icterícia obstrutiva consequentes a biliopatia portal.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 6 anos e 7 meses de idade, sofreu acidente em maio de 2008, apresentando fratura de membro inferior esquerdo e trauma abdominal fechado, com lesão no lobo hepático direito (Figura 1), que foram tratadas conservadoramente.


Figura 1. Tomografia computadorizada (axial e reconstrução coronal) realizada durante a internação mostrando trauma hepático atingindo ramo direito portal e hilo hepático (setas). A veia porta e o ramo esquerdo portal não foram lesados nesta época.



Em março de 2009 apresentou esplenomegalia. O ultrassom abdominal mostrou trombose total do ramo portal direito e estenose entre a veia porta intra-hepática e o ramo esquerdo (Figura 2). Foi realizada tentativa infrutífera de dilatação da estenose, que evoluiu para oclusão total da bifurcação portal e esplenomegalia progressiva, bem como ingurgitamento venoso de colaterais ao redor da veia porta desde a cabeça do pâncreas até o hilo hepático.


Figura 2. Ultrassom (A) e mapeamento com Doppler colorido (B) identificando múltiplas veias periportais tortuosas no hilo hepático (setas), configurando transformação cavernomatosa da veia porta.



Em dezembro de 2010 apresentou icterícia, e o ultrassom de janeiro de 2011 demonstrou dilatação biliar intra-hepática, associada à presença de veias periportais calibrosas (Figura 3).


Figura 3. Dilatação da via biliar envolta por colaterais venosas proeminentes. Duto biliar esquerdo dilatado (setas brancas e paquímetros eletrônicos). Porção distal do ramo esquerdo da veia porta pérvia (seta azul). Cavernoma se refere às veias periportais tortuosas no hilo hepático.



Foi realizada punção percutânea ecoguiada de duto biliar, seguida por colangiografia, a qual identificou redução do calibre do colédoco. O ultrassom com Doppler realizado após revelou veia ingurgitada enovelada ao redor do dreno biliar no colédoco (Figura 4).


Figura 4. A: Colangiografia percutânea demonstrando dilatação das vias biliares até o duto biliar comum, com redução abrupta de calibre no terço médio do colédoco. B: Dreno tipo interno-externo na via biliar colocado percutaneamente. C: Ultrassom com Doppler evidenciando veia pericoledociana ao redor do dreno (seta) no hepatocolédoco.



Foram realizadas novas dilatações em 19 de março de 2011, 21 de maio de 2011 e 10 de março de 2012, notandose persistência da compressão extrínseca. Em 14 de julho de 2012 foi realizada punção percutânea do baço para cateterização da veia esplênica e canulação da porção proximal da veia porta e da colateral pericoledociana, sem sucesso.

As angiografias demonstraram obstrução da veia porta logo após sua origem, associada a dilatação importante de veias pericoledocianas até o hilo hepático, seguida por contrastação de inúmeras pequenas e finas veias, que se assemelhavam a uma nuvem, com enchimento tardio do ramo esquerdo portal. As veias hepáticas encontravam-se normais, com pressão usual. Foram utilizados vários fios-guias na tentativa de recuperação da luz da veia porta ou dilatação das finas veias do hilo hepático, sem sucesso. No momento, a criança continua utilizando dreno biliar do tipo interno-externo, o qual é trocado periodicamente, com avaliação por colangiografia.


DISCUSSÃO

A colangiopatia portal decorre de alterações nas vias biliares na transformação cavernomatosa da veia porta(6), associando-se a ingurgitamento de veias periportais ao redor do pâncreas, colédoco e ligamento hepatogástrico(5). Quando as veias dos plexos epicoledocianos (veias de Saint) e paracoledocianos (veias de Petren), situadas, respectivamente, ao redor e na parede do hepatocolédoco, estão ingurgitadas, observa-se compressão deste, a qual também se associa ao processo isquêmico-inflamatório, causador de áreas de fibrose com consequente estenose das vias biliares, que se resolvem após o tratamento da hipertensão portal(7).

Apesar de frequentemente observadas aos métodos de imagem, em geral os pacientes, especialmente crianças, são assintomáticos, apresentando-se eventualmente com elevação das enzimas hepáticas.

Neste caso relatado mostramos o quadro sintomático de uma criança com biliopatia portal secundária a trombose da veia porta, consequente a trauma abdominal contuso, cursando com hipertensão portal e icterícia obstrutiva refratária a tratamento.

As manifestações clínicas da colangiopatia podem ser divididas em dois grupos: a) as decorrentes da colestase (icterícia e prurido); b) as secundárias a litíase biliar intra-hepática, traduzidas por dor no hipocôndrio direito, icterícia e febre. Sintomas são mais comuns em pacientes idosos, especialmente na presença de cálculos na vesícula biliar.

Entre as alterações morfológicas mais comumente observadas pela colangiografia estão a dilatação das vias biliares associada a áreas de estenose e angulações, bem como falhas de enchimento por compressão pelas veias parietais dilatadas, que se projetam para a luz(6).

No diagnóstico diferencial deve-se incluir neoplasias do hilo hepático, como o colangiocarcinoma ou neoplasias metastáticas, e causas de acometimento das vias biliares intrahepáticas, como a colangite esclerosante.

O diagnóstico é realizado por métodos de imagem, destacando-se o ultrassom com Doppler colorido, que é capaz de detectar a trombose portal e a dilatação das vias biliares. Quando a veia porta se encontra fibrosada por causa da trombose portal crônica, usualmente não é visualizada ao modo B, enquanto as veias colaterais são percebidas como estruturas serpiginosas no hilo hepático com fluxo venoso ao Doppler.

A ressonância magnética também permite o diagnóstico da transformação cavernomatosa da veia porta e da dilatação biliar, em especial pela colangiorressonância.

As colangiografias invasivas (retrógrada ou percutânea) são realizadas nos casos em que o tratamento invasivo estiver indicado. Ecoendoscopia constitui alternativa quando disponível, possibilitando o estudo da via biliar, sendo possível, em alguns aparelhos, também realizar o Doppler.

Em relação ao tratamento, a dilatação biliar está indicada em pacientes sintomáticos e com quadro de colangite de repetição. A descompressão portal, em geral, deve ser realizada antes da dilatação das vias biliares(6).


REFERÊNCIAS

1. Walser EM, Runyan BR, Heckman MG, et al. Extrahepatic portal biliopathy: proposed etiology on the basis of anatomic and clinical features. Radiology. 2011;258:146–53.

2. Dhiman RK, Behera A, Chawla YK, et al. Portal hypertensive biliopathy. Gut. 2007;56:1001–8.

3. Khuroo MS, Yattoo GN, Zargar SA, et al. Biliary abnormalities associated with extrahepatic portal venous obstruction. Hepatology. 1993;17:807–13.

4. Dilawari JB, Chawla YK. Pseudosclerosing cholangitis in extrahepatic portal venous obstruction. Gut. 1992;33:272–6.

5. Vibert E, Azoulay D, Aloia T, et al. Therapeutic strategies in symptomatic portal biliopathy. Ann Surg. 2007;246:97–104.

6. Gibson JB, Johnston GW, Fulton TT, et al. Extrahepatic portalvenous obstruction. Br J Surg. 1965;52:129–39.

7. D'Souza MA, Desai D, Joshi A, et al. Bile duct stricture due to caused by portal biliopathy: treatment with one-stage portal-systemic shunt and biliary bypass. Indian J Gastroenterol. 2009;28:35–7.










1. Médicos Radiologistas da Clínica CEU Diagnósticos, Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Médico Hemodinamicista da Clínica CEU Diagnósticos, Belo Horizonte, MG, Brasil
3. Doutores, Professores do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Maria Cecilia Almeida Maia
Rua Oscar Trompowsky, 721/406, Gutierrez
Belo Horizonte, MG, Brasil, 30441-055
E-mail: mariaceciliaalmeida@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 12/11/2012.
Aceito, após revisão, em 27/5/2013.

Trabalho realizado na Clínica CEU Diagnósticos, Belo Horizonte, MG, Brasil.
 
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