Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2013

RELATO DE CASO
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Page(s) 379 to 381



Diagnóstico pré-natal da síndrome de Beckwith-Wiedemann pela ultrassonografia bidimensional e tridimensional

Autho(rs): Edward Araujo Júnior1; Christiane Simioni2; Luciano Marcondes Machado Nardozza1; Antonio Fernandes Moron3

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Texto em Português English Text

Descritores: Diagnóstico pré-natal; Síndrome de Beckwith-Wiedemann; Ultrassonografia bidimensional; Ultrassonografia tridimensional.

Keywords: Prenatal diagnosis; Beckwith-Wiedemann syndrome; Two-dimensional ultrasonography; Three-dimensional ultrasonography.

Resumo:
A síndrome de Beckwith-Wiedemann é uma síndrome genética caracterizada por macroglossia, onfalocele, gigantismo fetal e hipoglicemia neonatal. Apresentamos um caso de síndrome de Beckwith-Wiedemann em uma primigesta de 32 anos, em que a ultrassonografia bidimensional evidenciou presença de cisto de parede abdominal, macroglossia e rins policísticos. A ultrassonografia tridimensional modo de renderização foi de grande importância ao confirmar os achados da ultrassonografia bidimensional.

Abstract:
Beckwith-Wiedemann syndrome is a genetic syndrome characterized by macroglossia, omphalocele, fetal gigantism and neonatal hypoglycemia. The authors report a case of Beckwith-Wiedemann syndrome diagnosed in a 32-year-old primigravida in whom two-dimensional ultrasonography revealed the presence of abdominal wall cyst, macroglossia and polycystic kidneys. Three-dimensional ultrasonography in rendering mode was of great importance to confirm the previous two-dimensional ultrasonography findings.

INTRODUÇÃO

A síndrome de Beckwith-Wiedemann (SBW) é uma condição congênita de hipercrescimento caracterizada por macroglossia, gigantismo, onfalocele, visceromegalia e aumento no risco de neoplasias embrionárias. Apresenta incidência de um caso para 13.500 nascidos vivos(1). A maioria dos casos é esporádica, entretanto, a herança é complexa e inclui padrão autossômico dominante com expressividade variável e desregulação de genes na região cromossomal 11p15.5(2).

O diagnóstico desta condição, em geral, é realizado no período pós-natal por meio dos achados de macroglossia, onfalocele, gigantismo, visceromegalia, idade óssea avançada, displasia renal, nevos faciais e pregas na orelha(1). O diagnóstico pré-natal desta condição é de grande importância para o seguimento perinatal, como o modo de nascimento, cuidado pediátrico decorrente da hipoglicemia neonatal, obstrução de vias aéreas superiores, falência cardíaca congestiva, risco de malignidade e teste genético para membros da família. O diagnóstico pré-natal da SBW pela ultrassonografia bidimensional (US2D) pode ser realizado por meio de dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores. Os critérios maiores incluem macroglossia, macrossomia (estimativa de peso acima do percentil 90 para idade gestacional) e um defeito da parede abdominal. Os critérios menores incluem polidrâmnio, nefromegalia, displasia renal e citomegalia adrenal confirmada por diagnóstico patológico. A ultrassonografia tridimensional (US3D) no modo de renderização permite melhor avaliação da superfície fetal, contribuindo para melhor entendimento das malformações pelos pais. Há apenas uma descrição de diagnóstico pré-natal da SBW pela US3D(3).

Apresentamos um caso da SBW diagnosticada na 28ª semana de gestação pela US2D e enfatizamos os seus principais achados à US3D no modo de renderização.


RELATO DO CASO

Mulher branca de 32 anos, primigesta, encaminhada ao Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) devido a diagnóstico de displasia renal e polidrâmnio. Apresentava idade gestacional de 28 semanas e 5 dias, com base na data da última menstruação. Negava antecedentes de doenças gênicas em familiares.

À US2D evidenciaram-se biometria compatível com 29 semanas, polidrâmnio (índice de líquido amniótico de 255 mm), estimativa de peso fetal de 2.661 g (percentil 90 = 1.416 g), aumento na espessura da placenta, rim direito multicístico, imagem cística em abdome medindo 5,4 × 5,7 × 5,9 cm e macroglossia (Figura 1). Com base nestes achados, levantou-se a hipótese de SBW, sendo realizada ecocardiografia e cariótipo. A ecocardiografia revelou coração normal, enquanto a análise cariotípica realizada por amniocentese demonstrou cariótipo masculino normal (46,XY). De modo a complementar o diagnóstico bidimensional, realizou-se US3D por meio um aparelho da marca Voluson 730 Expert (General Electric Healthcare; Zipf, Áustria) equipado com transdutor convexo multifrequencial (RAB 4-8L). A US3D no modo de renderização demonstrou de forma clara a grande distensão do abdome fetal e a macroglossia (Figura 2).


Figura 1. Achados à US2D em um feto com SBW na 28ª semana de gestação. A: Circunferência abdominal compatível com idade gestacional de 37 semanas e 6 dias (> percentil 98). B: Displasia cística no rim direito.


Figura 2. Achados à US3D no modo de renderização em um feto com SBW na 28ª semana. A: Grande distensão do abdome fetal. B: Macroglossia.



A paciente manteve seguimento de prénatal no serviço, tendo apresentado, como intercorrência, trabalho de parto pré-termo com 30 semanas e 1 dia, sendo este inibido com terbutalina intravenosa. Durante esta internação, identificou-se centralização hemodinâmica fetal ao modo Doppler. Realizou-se ciclo único de corticoide (betametasona - 12 mg/dia por 2 dias), sendo realizada operação cesariana três dias depois. A paciente deu à luz um recém-nascido masculino com peso de 2.450 g (acima do percentil 97 para a idade gestacional). O recém-nascido apresentou acentuada hipoglicemia logo após o nascimento, tendo evoluído para insuficiência respiratória e óbito após três horas de vida. O exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de SBW.


DISCUSSÃO

A SBW foi descrita inicialmente por Beckwith em 1963 e por Wiedemann em 1964(4). De acordo com Eliott et al.(5), que reportaram o seguimento de 74 pacientes pediátricos com SBW, os achados mais frequentes foram: macroglossia (97%), gigantismo (88%), defeito de parede abdominal (80%), pregas na orelha (76%), hipoglicemia (63%), nevos faciais (62%), displasia multicística ou nefromegalia (59%) e hemi-hipertrofia (24%). A hemi-hipertrofia é o único sinal associado significativamente com o desenvolvimento de tumores embrionários, principalmente o tumor de Wilms.

Em nosso caso observamos a macrossomia e a macroglossia, que são dois sinais maiores para o diagnóstico de SBW, além do polidrâmnio e displasia renal, que são sinais menores. O'Connor et al.(6) descreveram um caso de SBW diagnosticado pela US2D na 22ª semana associado a onfalocele e placentomegalia com áreas císticas. Em nosso caso também observamos a placentomegalia, entretanto, sem áreas císticas. A ultrassonografia pré-natal e neonatal tem sido utilizada há vários anos na avaliação das malformações fetais(7-9). A US3D no modo de renderização demonstrou de forma clara a grande distensão do abdome fetal e a macroglossia. Há vários anos a US3D no modo de renderização tem sido utilizada na avaliação de malformações fetais, de maneira a permitir um melhor entendimento dos pais em relação à anomalia fetal, auxiliando na tomada de condutas durante o pré-natal(10,11). Apesar de a US3D não ter se mostrado essencial no diagnóstico de SBW, esta foi de grande importância para um melhor entendimento da doença pelos pais e pela equipe médica multidisciplinar. Há um único relato de diagnóstico pré-natal da SBW por meio da US3D, em artigo de Eckmann-Scholz et al.(3). Estes autores descreveram um caso também diagnosticado na 28ª semana, no qual a US3D evidenciou de forma clara a macroglossia, da mesma forma que em nosso caso.

Em síntese, acreditamos que a US3D possa contribuir com a US2D para uma melhor avaliação de algumas malformações no pré-natal como a SBW, possibilitando melhor compreensão desta doença pelos pais, bem como para a equipe médica multidisciplinar.


REFERÊNCIAS

1. Harker CP, Winter T 3rd, Mack L. Prenatal diagnosis of Beckwith-Wiedemann syndrome. AJR Am J Roentgenol. 1997;168:520-2.

2. Tilghman SM. The sins of the fathers and mothers: genomic imprinting in mammalian development. Cell. 1999;96:185-93.

3. Eckmann-Scholz C, Jonat W. 3-D ultrasound imaging of a prenatally diagnosed Beckwith-Wiedemann syndrome. Arch Gynecol Obstet. 2011;284:1051-2.

4. Wiedemann HR. Complexe malformatif familial avec hernie ombilicale et macroglossie: un "syndrome nouveau"? J Genet Hum. 1964;13:223-32.

5. Elliott M, Bayly R, Cole T, et al. Clinical features and natural history of Beckwith-Wiedemann syndrome: presentation of 74 new cases. Clin Genet. 1994;46:168-74.

6. O'Connor C, Levine D. Case 49: Beckwith-Wiedemann syndrome. Radiology. 2002;224:375-8.

7. Baldisserotto M, Fiori H, Fiori R, et al. Neonato com ascite urinária e ruptura de cálice renal secundárias a válvula de uretra posterior: diagnóstico ultrassonográfico. Radiol Bras. 2011;44:68-70.

8. Barros LM, Fernandes DA, Melo EV, et al. Malformações do sistema nervoso central e malformações associadas diagnosticadas pela ultrassonografia obstétrica. Radiol Bras. 2012;45:309-14.

9. Rios LT, Araújo Júnior E, Nardozza LM, et al. Rânula congênita: diagnóstico ultrassonográfico antenatal. Radiol Bras. 2012;45:300-1.

10. Araujo Júnior E, Kawanami TE, Nardozza LM, et al. Prenatal diagnosis of bilateral anophthalmia by 3D "reverse face" view ultrasound and magnetic resonance imaging. Taiwan J Obstet Gynecol. 2012;51:616-9.

11. Barros FS, Araujo Júnior E, Rolo LC, et al. Prenatal diagnosis of lethal multiple pterygium syndrome using two- and three-dimensional ultrasonography. J Clin Imaging Sci. 2012;2:65.










1. Livres-docentes, Professores Adjuntos da Disciplina de Medicina Fetal do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
2. Mestre, Médica voluntária da Disciplina de Medicina Fetal do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
3. Livre-docente, Professor Titular do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Edward Araújo Júnior
Rua Carlos Weber, 956, ap. 113, Visage, Vila Leopoldina
São Paulo, SP, Brasil, 05303-000
E-mail: araujojred@terra.com.br

Recebido para publicação em 15/3/2013.
Aceito, após revisão, em 26/4/2013.

Trabalho realizado no Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
 
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