RELATO DE CASO
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Autho(rs): Diego André Eifer1; Felipe Veras Arsego1; Felipe Soares Torres2 |
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Descritores: Veias pulmonares; Atresia unilateral de veias pulmonares; Tomografia computadorizada. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
As anormalidades venosas do tórax podem envolver veias sistêmicas ou pulmonares, abrangendo casos incidentais até componentes de anormalidades mais complexas, mais comumente doença cardíaca congênita(1). A ausência completa da drenagem venosa pulmonar para o átrio esquerdo, entretanto, é uma condição rara e pode afetar todo um pulmão, sem drenagem anômala associada(2). A atresia pode ser dividida em comum, individual ou unilateral(3), sendo esta última uma condição rara envolvendo a ausência das veias pulmonares em um dos pulmões. Neste artigo relatamos o caso de um adulto com atresia unilateral das veias pulmonares do pulmão direito, com ênfase nos achados de tomografia computadorizada. RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 18 anos de idade, procurou o serviço de emergência com história de hemoptise. À ausculta pulmonar apresentava murmúrios vesiculares reduzidos na base pulmonar direita, sem anormalidades nos exames laboratoriais. A radiografia de tórax não mostrou sinais de infecção pulmonar, porém evidenciou pulmão e artéria pulmonar direitos de dimensões reduzidas e desvio do mediastino para a direita (Figura 1). A paciente apresentava história de dispneia aos grandes esforços, sem infecções de repetição. O estudo por tomografia computadorizada, realizado com tomógrafo de múltiplos detectores (Philips Brilliance 16), colimação 2,0 mm, espaçamento 1,0 mm, com uso de meio de contraste iodado intravenoso não iônico (80 ml infundidos a 4,5 ml/s), demonstrou ausência das veias pulmonares direitas (Figura 2), hipoplasia da artéria pulmonar direita com proeminência das artérias brônquicas deste lado (Figura 3), além de redução do volume pulmonar à direita, permitindo o diagnóstico. O exame do parênquima pulmonar evidenciou opacidades em vidro fosco e espessamento peribroncovascular e de septos interlobulares à direita (Figura 4). Não foi identificada outra alteração pleuropulmonar ou mediastinal no estudo tomográfico. Foi realizada fibrobroncoscopia, que identificou hipervascularização difusa da árvore respiratória direita e edema de mucosa, com pontos de sangramento. Nesse momento, também foi realizada cintilografia, que demonstrou captação de 99mTc-MAA ausente no pulmão direito. Embolização superseletiva dos vasos hemorrágicos foi realizada com sucesso. Atualmente, a paciente segue em acompanhamento ambulatorial, sem novos episódios de hemoptise. Figura 1. Radiografia de tórax demonstrando pulmão direito de dimensões reduzidas e desvio ipsilateral do mediastino. Figura 2. Visão posterior de reconstrução volumétrica tridimensional da tomografia computadorizada do tórax após contraste intravenoso, com remoção da aorta descendente, demonstrando ausência da drenagem venosa pulmonar direita (setas) para o átrio esquerdo (asterisco). Figura 3. Reconstrução axial da tomografia computadorizada do tórax após contraste intravenoso com projeção de intensidade máxima (MIP) demonstrando redução do calibre da artéria pulmonar direita (seta preta) e proeminência das artérias brônquicas (seta branca). Figura 4. Tomografia computadorizada do tórax em corte axial demonstrando espessamento dos septos interlobulares e opacidades em vidro fosco no lobo inferior direito. DISCUSSÃO A atresia unilateral de veias pulmonares é uma condição rara, com menos de 40 casos descritos na literatura até 2010(4), caracterizada pela ausência das veias pulmonares no lado acometido e que apresenta alta morbimortalidade(2). Sua etiologia é desconhecida, suspeitando-se de falha congênita na incorporação da veia comum pulmonar no átrio esquerdo, tendo igual acometimento à esquerda ou à direita(5). A apresentação clínica pode ocorrer na infância ou na adolescência, com dispneia progressiva, devido ao menos em parte por hipertensão de artéria pulmonar, episódios recorrentes de pneumonia e/ou de hemoptise no pulmão afetado. A cianose não é comum nesta doença, devendo-se pensar em defeito cardíaco congênito concomitante, o qual ocorre em 32% a 50% dos pacientes(2,5,6). As mudanças patofisiológicas que ocorrem no pulmão afetado envolvem hipertrofia e fibrose das veias remanescentes, com fibrose da íntima e redução do lúmen vascular(2). Consequentemente, desenvolvemse colaterais extrapulmonares para drenagem parcial do pulmão acometido. Há fibrose intersticial descontínua (ou focal) e espessamento de septos interlobulares secundariamente a infecções repetitivas ou infarto. Em razão das trocas gasosas inadequadas, pela alteração entre ventilação e perfusão, há redução progressiva do calibre da artéria pulmonar do pulmão afetado, a qual, com o tempo, tem seu fluxo revertido para a artéria contralateral. O diagnóstico geralmente é realizado nos primeiros anos de vida(5), sendo os sintomas extremamente variáveis, abrangendo desde pacientes assintomáticos(7,8) ou com infecções pulmonares recorrentes(5,9), hemoptise(9), e até morte(2,4). Óbito foi desfecho de 10 dos 25 casos pediátricos relatados até 2003(2) e também de relato recente em que o paciente apresentava defeitos cardíacos associados(10). Desde 2011, nove casos foram relatados(4,7-12), dos quais quatro eram assintomáticos e os demais apresentavam cianose(10,12), dispneia(10-12), hemoptise(9) ou infecções recorrentes(9). Neste relato, a paciente permaneceu assintomática por longo período. Da mesma forma, Kim et al. relataram dois pacientes adultos (23 e 37 anos) assintomáticos ao diagnóstico(4). O tempo para desenvolvimento de sintomas ou hipertensão arterial pulmonar parece ser dependente do balanço entre os vasos sistêmicos que irrigam e aqueles que drenam o pulmão afetado(2,4), em conjunto com a capacidade de drenagem do sistema linfático. No presente caso, a cintilografia pulmonar não demonstrou captação no pulmão afetado, indicando importante redução da perfusão do órgão sem detecção de retorno venoso anômalo. Embora a avaliação da participação das veias brônquicas na drenagem pulmonar por meio da TC seja limitada, o espessamento liso de septos interlobulares e o espessamento de aspecto nodular das fissuras e pleura sugerem importante ingurgitamento linfático. Uma série de trabalhos recentes publicados no Brasil tem ressaltado a importância dos métodos de imagem na avaliação do tórax(13-17). Os achados na radiografia de tórax podem revelar um hemitórax reduzido, com desvio do mediastino ipsilateral e opacidades parenquimatosas. A TC demonstra artéria pulmonar reduzida de calibre e ausência de drenagem venosa pulmonar para átrio esquerdo no pulmão afetado, além de alterações pulmonares, como espessamento de septos interlobulares, espessamento peribroncovascular, fibrose intersticial e opacidades em vidro fosco(5,9,18). A cintilografia de ventilação-perfusão demonstra captação ausente no pulmão acometido, apesar de ventilação normal para o volume pulmonar reduzido(6). As opções terapêuticas compreendem seguimento em casos com pouco ou nenhum sintoma(4,11), embolização seletiva de colaterais sistêmicas em clínica de hemoptise(5), e pneumonectomia nas apresentações de dispneia progressiva, infecções de repetição e para prevenção de hipertensão pulmonar sem shunt esquerda-direita significativo(2,4). Embora Pourmoghadam et al. indiquem cirurgia como primeira alternativa terapêutica(2), Kim et al. entendem que ela possa ser retardada em pacientes adultos assintomáticos desde que acompanhados para o desenvolvimento de hipertensão arterial pulmonar(4). Esta foi a conduta terapêutica optada no presente relato, uma vez que a embolização superseletiva dos vasos hemorrágicos foi suficiente no controle dos sintomas. Nesse sentido, quatro pacientes de publicações recentes foram acompanhados clinicamente, sem complicações(4,7,8,11), com dois seguimentos de até cinco anos(4,8). A cirurgia corretiva do retorno venoso pode ser realizada em casos em que não há shunt esquerda-direita significativo, mas, considerando que o diagnóstico é muitas vezes posterior ao desenvolvimento de tal complicação, a pneumonectomia do lado afetado poderia diminuir os efeitos hemodinâmicos do shunt e reduzir o espaço-morto, com reflexo na tolerância ao exercício e na ocorrência de infecções de repetição(2,11). No presente relato demonstramos a capacidade de a TC revelar os achados característicos da atresia unilateral das veias pulmonares, reforçando os dados recentes da literatura que apontam a TC com uso de contraste intravenoso como método diagnóstico definitivo desta e também de outras anormalidade venosas torácicas(4,9,10,19), diminuindo a necessidade de procedimentos diagnósticos invasivos e facilitando o planejamento cirúrgico(9,18). REFERÊNCIAS 1. Demos TC, Posniak HV, Pierce KL, et al. Venous anomalies of the thorax. AJR Am J Roentgenol. 2004;182:1139-50. 2. Pourmoghadam KK, Moore JW, Khan M, et al. Congenital unilateral pulmonary vein atresia: definitive diagnosis and treatment. Pediatr Cardiol. 2003;24:73-9. 3. Lee HN, Kim YT, Cho SS. Individual pulmonary vein atresia in adults: report of two cases. Korean J Radiol. 2011;12:395-9. 4. Kim Y, Yoo IR, Ahn MI, et al. Asymptomatic adults with isolated, unilateral right pulmonary vein atresia: multidetector CT findings. 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A tomografia por emissão de pósitrons com 2-[18F]-fluoro-2-desoxi-D-glicose é custo-efetiva em pacientes com câncer de pulmão não pequenas células no Brasil. Radiol Bras. 2012;45:198-204. 17. Bozi LCF, Melo ASA, Marchiori E. Calcificação pulmonar metastática: relato de caso. Radiol Bras. 2012;45:297-9. 18. Mataciunas M, Gumbiene L, Cibiras S, et al. CT angiography of mildly symptomatic, isolated, unilateral right pulmonary vein atresia. Pediatr Radiol. 2009;39:1087-90. 19. Kimura LY, Fernandes GSS, Nobrega KTM, et al. Multidetector-row computed tomography angiography for the diagnosis of anomalous pulmonary venous drainage: an initial experiment. Radiol Bras. 2010;43:347-53. 1. Médicos Residentes do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil 2. Médico Radiologista do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Programa de Pós-Graduação em Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Felipe S. Torres. Serviço de Radiologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rua Ramiro Barcelos, 2350, Santana Porto Alegre, RS, Brasil, 90035-903 E-mail: felipesoarestorres@gmail.com Recebido para publicação em 28/9/2012. Aceito, após revisão, em 30/4/2013. Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil. |