ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Ana Flávia Assis de Ávila1; Bruna de Oliveira Melim Aburjeli1; Wanderval Moreira2; Emília Guerra Pinto Coelho Motta3; Marcelo Almeida Ribeiro3; Renata Lopes Furletti Caldeira Diniz3 |
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Descritores: Tomografia computadorizada; Orelha média; Colesteatoma. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O colesteatoma é uma proliferação de epitélio estratificado escamoso queratinizado em localização anômala, localizado geralmente na orelha média. Tem potencial osteolítico, que pode ser explicado pela presença de colagenase na periferia da lesão, já que o colágeno é a principal proteína do tecido ósseo(1–4). A sua denominação é controvertida. Em sua transcrição literal, deriva das palavras colesterol e tumor, mas na verdade é um cisto epidermoide. Não se observam cristais de colesterol em sua estrutura, além de não apresentar natureza tumoral(1,2). PATOGÊNESE Existem quatro principais teorias relativas à origem do colesteatoma adquirido, que são: retração, invasão epitelial, metaplasia do epitélio da orelha média e hiperplasia de células basais(1–3). A teoria mais amplamente aceita sugere que o colesteatoma surge através de bolsas de retração. Se uma pressão negativa se desenvolve no ouvido médio (por disfunção tubária ou infecção), a membrana timpânica se retrai geralmente em sua parte mais fraca, a pars flácida. Desta maneira, a queratina (que normalmente se localiza externamente à membrana timpânica) sofre invaginação, ficando em posição anômala. CLASSIFICAÇÃO Pode ser classificado como de origem congênita ou adquirida(1–3). Os colesteatomas congênitos (2%) são decorrentes de restos epiteliais de origem embrionária. Os pacientes nascem com o tecido em posição anômala. Não há história de infecção e a membrana timpânica está intacta. Eles tendem a ocorrer na cavidade timpânica anterior perto do epitímpano ou estribo(1,4). Os colesteatomas adquiridos são mais comuns (98%) e estão relacionados a processo inflamatório crônico da orelha média. A sua etiologia está relacionada com a anatomia da membrana timpânica, que contém três camadas de células, sendo uma camada externa contígua com a mucosa do conduto auditivo externo, uma camada interna contínua com a mucosa do ouvido médio, e uma camada média de tecido fibroso, que está presente apenas na pars tensa(1). Colesteatomas adquiridos podem ocorrer na pars flácida (82%) e pars tensa (18%), surgindo mais comumente na porção superior da pars flácida da membrana timpânica e se estendendo para o espaço de Prussak, que fica no epitímpano e é limitado pela pars flácida pelo ligamento lateral do martelo e pelo processo curto do martelo (Figura 1)(5). Figura 1. TCMS com reconstrução multiplanar em coronal mostrando o espaço de Prussak delimitado pela pars flácida, pelo ligamento lateral do martelo e pelo processo curto do martelo (círculo). Em razão da sua localização no espaço de Prussak, os colesteatomas adquiridos da pars flácida geralmente deslocam a cabeça do martelo e o corpo da bigorna medialmente e provocam erosão do esporão ósseo de Chausse (Figura 2). A partir do espaço de Prussak, a massa facilmente se estende posteriormente no espaço incudal superior para a porção posterolateral do ático e depois, via aditus ad antrum, para o antro e células aéreas da mastoide(4,6). Figura 2. TCMS com reconstruções multiplanares em coronal. A: Parede lateral do ático/esporão ósseo de Chausse íntegro (seta). B: Tecido mole no interior da orelha média associado a erosão da parede lateral do ático/esporão ósseo de Chausse (cabeça de seta). Colesteatomas resultantes da pars tensa são muito menos comuns do que os decorrentes da pars flácida. O acometimento é maior da parede medial do epitímpano, com destruição de ossículos e deslocamento lateral da cadeia ossicular. A parede lateral do epitímpano e o espaço de Prussak estão preservados(4,7). DIAGNÓSTICO O diagnóstico do colesteatoma fundamenta-se no exame clínico (otoscopia), no qual se observa retração da membrana timpânica com perfuração da pars flácida e uma massa brancacenta na orelha média(7). A tomografia computadorizada multi-slice (TCMS) é considerada técnica de imagem de escolha para a avaliação do colesteatoma da orelha média. A ressonância magnética (RM) vem ganhando importância na avaliação do colesteatoma complicado e no seguimento pós-operatório de pacientes, para avaliação de colesteatoma residual ou recorrente(1,2). Papel da imagem pré-operatória: extensão da lesão (ático, antro e mastoide); detecção de complicações (lise óssea e complicações cerebromeníngeas); variações anatômicas (deiscência jugular e seio lateralizado). Atenção especial deve ser dada ao seio timpânico e ao recesso facial, pois são locais de difícil visualização na cirurgia e sítios frequentes de doença residual. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA A TCMS pré-operatória não é específica, mas altamente sugestiva da doença, sendo a imagem clássica a de uma massa de tecido mole ático-antral, em especial no espaço de Prussak e no epitímpano, homogênea, não calcificada, de contornos lobulados, apresentando efeito de massa com deslocamento medial da cadeia ossicular, osteólise de estruturas finas (parede lateral do ático, tégmen timpânico e ossículos) e retração da membrana timpânica (Figura 3). Figura 3. TCMS com reconstruções multiplanares em coronal. A: Tecido mole ocupando o espaço de Prussak e o epitímpano, deslocando medialmente a cadeia ossicular (asterisco). B: Obliteração praticamente completa da orelha média por tecido mole, com desmineralização da cadeia ossicular. A TCMS demonstra com grande acurácia a presença de tecido anormal na orelha média, com sensibilidade variando de 70% a 96%(5,6), mas uma de suas limitações é não definir se este tecido representa tecido inflamatório, fibrose ou colesteatoma. Porém, quando associado a erosão óssea de algumas estruturas como a cadeia ossicular, tégmen timpânico, labirinto ósseo e muro lateral do ático é fortemente indicativo de colesteatoma ou otite média crônica. O diagnóstico diferencial entre estas duas afecções não pode ser feito com precisão na TCMS, pois os achados radiológicos são bastante semelhantes e muitas vezes se sobrepõem. Nestes casos, e sobretudo em pacientes já operados, é imprescindível a realização da RM para definir o diagnóstico. O diagnóstico diferencial de uma massa de ouvido médio inclui colesteatoma, rabdomiossarcoma, histiocitose de células de Langerhans, carcinoma de células escamosas, metástases, tumor de células gigantes e xantoma(1). RESSONÂNCIA MAGNÉTICA Aumenta a especificidade em relação à TCMS, principalmente no pós-operatório. É útil para avaliação de meningoencefalocele, para diferenciação entre fibrose, tecido inflamatório e recidiva da doença. Vários protocolos de exames por RM têm sido propostos e se baseiam principalmente em sequências T1 pós-gadolínio tardio (45 minutos), sequências ponderadas em difusão, ou uma combinação das duas técnicas(8). No que diz respeito à difusão, a distinção deve ser feita entre as sequências ecoplanares (EPI) e as sequências não ecoplanares (TSE). As sequências em difusão não ecoplanares têm espessura mais fina e são menos propensas a artefatos de suscetibilidade do que a difusão ecoplanar. Trabalhos demonstram que a sequência difusão é superior à T1 pós-gadolínio tardia e que a difusão TSE (sensibilidade de 90% e especificidade de 100%) é melhor que a difusão EPI(8,9). Sequência T1 pós-contraste tardio (45 minutos) – O colesteatoma é avascular e não tem realce pelo contraste. A fibrose é pobremente vascularizada e se impregna em aquisições tardias, já o tecido inflamatório apresenta um realce precoce pelo produto de contraste (Figura 4)(2,9). Figura 4. RM ponderada em T1 pós-contraste tardio em axial. Tecido inflamatório/granulação impregnando-se intensamente pelo contraste (asterisco). Colesteatoma recidivado sem realce pelo contraste (círculo). Sequência de difusão – O colesteatoma apresenta alto sinal na difusão, diferenciando-o dos tecidos inflamatório e fibrótico, que não apresentam restrição à difusão (Figuras 5 e 6)(2,9). Figura 5. Colesteatoma recidivado. Na imagem à esquerda, RM ponderada em T1 pós-contraste tardio: ausência de impregnação pelo contraste. Na imagem à direita, RM ponderada em difusão EPI: hipersinal compatível com restrição. Figura 6. A: TCMS com reconstrução multiplanar em coronal: tecido mole inespecífico no interior da orelha média. B,C: Restrição na sequência EPI (B) e TSE (C), compatível com colesteatoma recidivado. (Imagens gentilmente cedidas pelo Dr. Marcelo Garcia). COMPLICAÇÕES Osteólise da cadeia ossicular (Figura 7) – É uma complicação frequente e leva a surdez de transmissão. Ocorre em 75% dos colesteatomas da pars flácida e em até 90% nos da pars tensa. A apófise longa da bigorna, em razão do seu suporte ligamentar limitado e suprimento sanguíneo pobre, é o segmento mais comumente acometido da cadeia ossicular (87% dos casos). O estribo também deve ser cuidadosamente avaliado, estando comprometido em 21% dos casos. Amputação da cabeça do martelo e corpo da bigorna ocorrem em lesões muito avançadas, especialmente as que ocorrem no espaço de Prussak(4). É essencial comparar com os ossículos contralaterais para o diagnóstico de erosões muito sutis. Figura 7. TCMS em axial. Lesão colesteatomatosa em orelha média associada a osteólise da cadeia ossicular à esquerda (círculo). Erosão da parede lateral do ático (Figura 2) – A origem da grande maioria dos colesteatomas adquiridos na pars flácida da membrana timpânica com extensão pelo espaço de Prussak justifica, como um dos primeiros achados tomográficos, a destruição do esporão ósseo de Chausse, localizado na junção da parede lateral do ático com a parede do canal auditivo externo(1). Lise do tégmen timpânico (Figura 8) – Deiscência óssea com risco de meningoencefalocele e invasão epidural pelo colesteatoma, aumentando o potencial para desenvolvimento de meningite, cerebrite ou abscesso. A RM é recomendada para avaliação destas complicações. Deve ser feita uma análise comparativa com o tégmen timpânico contralateral, pois às vezes a espessura óssea já é bem reduzida. Figura 8. A: TCMS com reconstrução multiplanar em coronal: adelgaçamento com destruição óssea do tégmen timpânico (seta oblíqua), associada a fístula labiríntica (seta vazada). B: RM em coronal: insinuação do tecido encefálico para o interior da orelha média através de deiscência do tégmen timpânico (asterisco). Outros diagnósticos que podem se apresentar com erosão do tégmen timpânico são granulações aracnoides e lesões expansivas na fossa craniana média com acometimento ósseo. Lise do canal do nervo facial (Figura 9) – O canal do nervo facial pode ser erodido e a função do nervo pode se manter preservada. Paralisia facial ocorre em cerca de 1% a 4% dos pacientes com colesteatoma. O local mais comum de compressão do nervo facial é o segmento timpânico, que se encontra inferiormente ao canal semicircular lateral e acima da janela oval. O segmento timpânico do nervo facial pode ser coberto por uma camada muito fina de osso ou pode ser um canal descoberto com o nervo exposto ao ouvido médio(6). Figura 9. TCMS com reconstrução multiplanar em coronal. Lise óssea do segmento timpânico do nervo facial (seta). Fístula labiríntica (Figura 8A) – Complicação potencialmente grave de colesteatoma, com incidência de 5% a 10%, sendo o canal semicircular lateral a região mais comprometida. O diagnóstico de fístula pode ser feito quando a massa está em aposição direta com o lúmen do labirinto. Complicações da formação de fístulas incluem surdez neurossensorial, vertigens, acúfenos e labirintite. Outras – Mastoidite com ou sem osteíte; extensão para o conduto auditivo externo; abscesso de Bezold (abscesso por ruptura da cortical mastoidea e extensão para partes moles); complicações intracranianas: meningite, abscesso cerebral/cerebelar, empiema subdural e tromboflebite do seio sigmoide. Outras apresentações específicas dos colesteatomas Colesteatoma evacuado (automastoidectomia): um colesteatoma pode evacuar espontaneamente através do canal externo, deixando uma cavidade com aparência semelhante à de uma mastoidectomia; iatrogênico após cirurgia da orelha média; opacidade completa da orelha media pós-operada ou não. REFERÊNCIAS 1. Nemzek WR, Swartz JD. Temporal bone: inflammatory disease. In: Som PM, Curtin HD. Head and neck imaging. 4th ed. St Louis: Mosby; 2003. p. 1184–99. 2. Gebrim EMS. Ossos temporais. In: Gebrim EMS, Chammas MC, Gomes RLE. Radiologia e diagnóstico por imagem – cabeça e pescoço. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p. 52–60. 3. Olszewska E, Wagner M, Bernal-Sprekelsen M, et al. Etiopathogenesis of cholesteatoma. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2004;261:6–24. 4. Fatterpekar GM, Doshi AH, Dugar M, et al. Role of 3D CT in the evaluation of the temporal bone. Radiographics. 2006;26 Suppl 1:S117–32. 5. Gaurano JL, Joharjy IA. Middle ear cholesteatoma: characteristic CT findings in 64 patients. Ann Saudi Med. 2004;24:442–7. 6. Razek AA, Huang BY. Lesions of the petrous apex: classification and findings at CT and MR imaging. Radiographics. 2012;32:151–73. 7. Prata AAS, Antunes ML, Abreu CEC, et al. Estudo comparativo entre achados radiológicos e cirúrgicos na otite média crônica. Arq Int Otorrinolaringol. 2011;15:72–8. 8. Moura MVT, Taranto DOL, Garcia MM. Colesteatoma: utilidade de sequência de difusão sem echo-planar. Radiol Bras. 2012;45:283–7. 9. De Foer B, Vercruysse JP, Bernaerts A, et al. Middle ear cholesteatoma: non-echo-planar diffusion-weighted MR imaging versus delayed gadolinium-enhanced T1-weighted MR imaging – value in detection. Radiology. 2010;255:866–72. 1. Especializandas em Radiologia e Diagnóstico por Imagem no Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil 2. Médico Radiologista, Coordenador do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil 3. Médicos Radiologistas do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil Endereço para correspondência: Dra. Ana Flávia Assis de Ávila Rua Miranda Ribeiro, 190, ap. 601, Vila Paris Belo Horizonte, MG, Brasil, 30380-660 E-mail: fauassis@hotmail.com Recebido para publicação em 15/9/2012. Aceito, após revisão, em 15/2/2013. * Trabalho realizado no Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil. |