RELATO DE CASO
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Autho(rs): Artur Guimarães Filho1; Luiz Augusto Carneiro Neto2; Michel Santos Palheta3; Priscila Távora Campos4; Lorena Machado Santos5; Bárbara Góis Cordeiro Barroso4 |
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Descritores: Doença de Caroli; Colangiorressonância: Abscesso hepático. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A doença de Caroli é uma má-formação congênita rara caracterizada por dilatações multifocais dos ductos biliares intra-hepáticos, descrita por Caroli e colaboradores em 1958. As porções ectasiadas formam cistos de tamanhos variados separados por porções de ductos biliares normais ou pouco dilatados(1). A doença resulta da desorganização embriológica dos ductos biliares. Quando os ductos maiores são afetados, caracteriza a doença de Caroli, e quando as alterações atingem os pequenos ductos, se desenvolve fibrose hepática congênita. Quando todos os níveis da árvore biliar estão envolvidos, achados de fibrose congênita e doença de Caroli estão presentes, e a condição é conhecida como síndrome de Caroli(1). A dilatação multifocal pode ser difusa, afetando toda a árvore biliar intra-hepática, ou pode estar confinada a parte do fígado. Descrevemos o caso de um paciente portador de doença de Caroli complicada com abscesso hepático, ressaltando aspectos clínicos e radiológicos. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 16 anos de idade, previamente hígido, admitido com queixa de dor no hipocôndrio direito associada a icterícia, vômitos e picos febris diários acompanhados de calafrios, de início há sete dias da admissão. Exame físico: estado geral regular, ictérico (2+/4+), tarquicárdico, abdome com hepatoesplenomegalia discreta. Exames laboratoriais: Hb: 10,5 g/dl; VCM: 82 fl; CHCM: 33 g/dl; leucócitos: 12.000/mm3; bilirrubina total: 10,0 mg/dl (direta: 4,5 mg/dl e indireta: 5,5 mg/dl); fosfatase alcalina: 237 U/l; gama-GT: 292 U/l. Função hepática e transaminases normais. Foram realizadas ressonância magnética e colangiorressonância, que demonstraram dilatações císticas das vias biliares intra-hepáticas, porém com hepatocolédoco de dimensões normais (Figuras 1 e 2). Figura 1. Ressonância magnética do abdome, corte axial (FSE T2) mostrando discreta dilatação cística nas vias biliares intra-hepáticas no lobo direito. Figura 2. Colangiorressonância evidenciando dilatações císticas nas vias biliares intra-hepáticas no lobo direito. Após internação e tratamento com antibióticos por sete dias, o paciente evoluiu com remissão dos sintomas e recebeu alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial. Após seis dias da alta, retornou ao serviço com recorrência da febre e dor no hipocôndrio direito. Foi realizada ultrassonografia (US) abdominal, que identificou abscesso hepático de 5,0 cm de diâmetro (Figura 3) confirmado pela colangiorressonância (Figura 4). Submetido a drenagem cirúrgica aberta, evoluiu com remissão dos sintomas e cura do abscesso, sendo orientado a manter acompanhamento regular. Figura 3. Ultrassonografia abdominal: lesões císticas de limites bem definidos contendo septos espessos e ecos hiper-refringentes no seu interior, localizadas no VII segmento hepático, com lesões satélites adjacentes, configurando aspecto de abscesso hepático. Figura 4. Ressonância magnética do abdome, corte axial (FSE T2) demonstrando dilatação cística nas vias biliares intra-hepáticas no lobo direito complicadas com abscesso. DISCUSSÃO Ainda que as alterações estruturais da doença de Caroli estejam presentes desde o nascimento, comumente é diagnosticada em torno dos 20 anos de idade, quando a maioria dos pacientes abre o quadro com dor abdominal, febre, hiperbilirrubinemia, elevação da fosfatase alcalina, hepatomegalia ou sintomas de hipertensão portal(2). Mais raramente, pode permanecer assintomática durante toda a vida, sendo diagnosticada por exames de imagem solicitados por indicações não relacionadas à doença. As alterações estruturais predispõem a colestase e episódios recorrentes de colangite aguda e podem complicar com formação de cálculos biliares intra-hepáticos, abscesso hepático e sepse(3). Apresenta ainda risco relativo de 7% a 24% para desenvolvimento de colangiocarcinoma(4). Na maioria dos pacientes, o primeiro episódio de colangite ocorre na ausência de fator desencadeante, entretanto, novos episódios podem ocorrer após cirurgias ou exames invasivos de vias biliares, como colecistectomia, coledocotomia ou colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE). O principal sintoma da colangite bacteriana é febre sem dor abdominal e icterícia. Este achado contrasta com os da colangite desencadeada por cálculo biliar, que é acompanhado de dor abdominal, icterícia ou ambos. Frequentemente, o fígado é aumentado de volume sem alterações nos exames laboratoriais, exceto por elevação da fosfatase alcalina e gama-GT, como apresentados neste caso. Na doença de Caroli associada com fibrose hepática congênita manifestações de hipertensão porta podem estar presentes(3). O diagnóstico radiológico é estabelecido pela visualização das lesões císticas de tamanhos variáveis distribuídas dentro do fígado ou em um segmento hepático em comunicação com a árvore biliar, por meio de métodos de imagem: US, tomografia computadorizada, CPRE ou colangiorressonância. A CPRE é o método com maior sensibilidade para diagnóstico da doença de Caroli, mas evidências mostram que a colangiorressonância é uma técnica não invasiva que possui boa correlação diagnóstica com a CPRE, sendo isenta dos riscos encontrados com exames invasivos(5). O curso da doença é marcado por episódios recorrentes de colangite bacteriana. Pacientes com maior número de episódios por ano possuem prognóstico em longo prazo reservado e apresentam piora gradual de sua qualidade de vida. Geralmente a morte destes pacientes está relacionada com abscessos hepáticos e septicemia(5). A hepatectomia parcial pode oferecer tratamento definitivo, com morbidade aceitável para doença de Caroli localizada, com completo alívio dos sintomas. Doença difusa complicada com colangite recorrente ou cirrose é difícil de conduzir, sendo o transplante hepático a única e última opção de tratamento definitivo(6). REFERÊNCIAS 1. Levy AD, Rohrmann CA Jr, Murakata LA, et al. Caroli's disease: radiologic spectrum with pathologic correlation. AJR Am J Roentgenol. 2002;179:1053–7. 2. Millwala F, Segev DL, Thuluvath PJ. Caroli's disease and outcomes after liver transplantation. Liver Transpl. 2008;14:11–7. 3. Habib S, Shaikh OS. Caroli's disease and liver transplantation. Liver Transpl. 2008;14:2–3. 4. Lefere M, Thijs M, De Hertogh G, et al. Caroli disease: review of eight cases with emphasis on magnetic resonance imaging features. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2011;23:578–85. 5. Yonem O, Bayraktar Y. Clinical characteristics of Caroli's disease. World J Gastroenterol. 2007;13:1930–3. 6. Wang ZX, Yan LN, Li B, et al. Orthotopic liver transplantation for patients with Caroli's disease. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2008;7:97–100. 1. Mestre, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Professor Assistente do Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Sobral, Sobral, CE, Brasil. 2. Médico graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Sobral, Sobral, CE, Brasil. 3. Mestre, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médico Radiologista Assistente da Santa Casa de Misericórdia de Sobral, Sobral, CE, Brasil. 4. Estudantes de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Sobral, Sobral, CE, Brasil. 5. Médica Residente de Clínica Médica da Santa Casa de Misericórdia de Sobral, Sobral, CE, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Luiz Augusto Carneiro Neto Avenida Gerardo Rangel, 754, ap. 205, Pedrinhas Sobral, CE, Brasil, 62041-380 E-mail: luizcarneiro@yahoo.com.br Recebido para publicação em 30/4/2012. Aceito, após revisão, em 5/7/2012. * Trabalho realizado no Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Sobral e na Santa Casa de Misericórdia de Sobral, Sobral, CE, Brasil. |