RELATO DE CASO
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Autho(rs): Rita de Cassia Leite Fernandes1; Ana Lucia Zuma de Rosso2; Maurice Borges Vincent3; Paulo Roberto Valle Bahia4; Celia Maria Coelho Resende5; Nordeval Cavalcante Araujo6 |
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Descritores: Ultrassonografia transcraniana; Doença de Parkinson; Tremor essencial. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A doença de Parkinson (DP) caracteriza-se por tremor de repouso, bradicinesia e rigidez muscular. Contudo, os pacientes que apresentam tremor isolado podem representar um desafio diagnóstico, em razão da difícil diferenciação entre a DP inicial e o tremor essencial (TE)(1). As duas condições apresentam curso clínico distinto, com maior gravidade da DP, e distintas abordagens terapêuticas. Por isso, os exames de neuroimagem são requisitados, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética cerebral, sem, no entanto, fornecer o diagnóstico de certeza de nenhuma das duas entidades, restringindo o seu papel ao de afastar causas de parkinsonismo secundário, como hidrocefalia, doença cerebro-vascular, etc.(2). A neuroimagem funcional, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou a tomografia por emissão de fóton único (SPECT), teria papel relevante no diagnóstico diferencial em virtude da sua capacidade de identificar redução dopaminérgica estriatal, mas seu custo elevado e sua disponibilidade limitada, fora dos grandes centros de pesquisa nacionais, a torna impraticável para uso rotineiro(1,2). As pesquisas sobre a ultrassonografia transcraniana (USTC) iniciaram-se em 1995, quando pesquisadores encontraram aumento da ecogenicidade no sítio da substância negra mesencefálica (SN) de pacientes com DP(3). A técnica vem sendo estudada em vários países, com grande número de publicações atestando a sua validade no diagnóstico diferencial das doenças que cursam com sintomas parkinsonianos, destacando-se a DP e o TE(4). O exame é inócuo, de baixo custo, utiliza equipamento amplamente disponível e não requer sedação do paciente. A sua maior limitação é dependência de janela acústica temporal que permita às ondas ultrassônicas ultrapassar a barreira óssea e gerar imagens bidimensionais das estruturas intracranianas. Em função disto, em 10% a 20% dos indivíduos o exame não obtém imagens de utilidade diagnóstica(1). O achado-chave na USTC de pacientes com DP - aumento da área ecogênica da SN > 0,20 cm2 - já foi relatado por diversos autores e observado em até 90% dos casos(5). No Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) encontra-se em curso estudo sobre a utilização do método na população brasileira para o diagnóstico da DP. Em um estudo piloto, 88% dos pacientes com DP apresentaram aumento da área ecogênica da SN, corroborando a boa sensibilidade do método para a detecção da enfermidade(6). No entanto, o achado do marcador em indivíduos do grupo controle (falso-positivos) reduziu a especificidade para cerca de 82%. Estudos prospectivos multicêntricos recentes sugerem que indivíduos saudáveis com aumento da área da SN medida pelo ultrassom apresentam risco aumentado de desenvolver a DP(7), candidatando, dessa forma, a alteração ecográfica como marcador de risco(1). Com o objetivo de trazer ao radiologista um exemplo de aplicação da USTC, apresentamos os casos de dois pacientes com DP e dois pacientes com TE, pareados por sexo e idade, em que a USTC foi capaz de fornecer informação diagnóstica adicional a favor de uma das doenças. O estudo teve aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa do HUCFF-UFRJ. No ambulatório de transtornos do movimento do HUCFF foram selecionados dois pacientes com DP, diagnosticados pelos critérios do Banco de Cérebros do Reino Unido(8), e dois pacientes com TE, diagnosticados pelos critérios da Sociedade de Distúrbios do Movimento(9). Os exames foram realizados com aparelho AcusonX300 (Siemens; Erlangen, Alemanha) e transdutor setorial de 1,5-2,5 MHz, conforme método descrito(4,6). Cortes axiais foram obtidos com insonação pré-auricular bilateralmente. No plano paralelo à linha orbitomeatal foi visualizada a imagem hipoecoica do mesencéfalo em forma de borboleta (delineado nas figuras), circundado pelas cisternas basais hiperecogênicas. No pedúnculo cerebral ipsilateral à insonação, a área hiperecogênica da SN, visualmente identificada, foi mensurada. As medidas > 0,20 cm2 foram consideradas aumentadas, seguindo o consenso internacional(4). RELATO DOS CASOS Caso 1 - Mulher, 70 anos, com DP há 10 anos, estágio Hoehn e Yahr 2. USTC evidenciou aumento da área de ecogenicidade da SN mesencefálica bilateralmente (Figura 1). A área da SN à direita mediu 0,32 cm2 e à esquerda, 0,27 cm2. Figura 1. Ultrassonografia transcraniana - caso 1. Insonação pré-auricular esquerda em paciente com doença de Parkinson. O mesencéfalo hipoecoico em forma de borboleta encontra-se delineado no centro da imagem, circundado pelas cisternas basais hiperecogênicas. As áreas ecogênicas da substância negra nos pedúnculos cerebrais estão delimitadas por pontilhado. (AS, aqueduto de Sylvius; FIP fossa interpeduncular). Caso 2 - Homem, 51 anos, com DP há nove anos, estágio Hoehn e Yahr 2. Apresentava aumento importante unilateral da SN ao ultrassom: área ecogênica da SN à direita de 0,27 cm2 e à esquerda de 0,17 cm2 (Figura 2). Figura 2. Ultrassonografia transcraniana - caso 2. Insonação pré-auricular direita em paciente com doença de Parkinson. Mesencéfalo delineado. A área ecogênica da substância negra direita está medida (A1 = 0,27 cm2). (SND, substância negra direita). Caso 3 - Mulher, 70 anos, com diagnóstico de TE há 40 anos. Área de ecogenicidade da SN à direita de 0,12 cm2 e à esquerda de 0,16 cm2 (Figura 3). Figura 3. Ultrassonografia transcraniana - caso 3. Insonação pré-auricular direita em paciente com tremor essencial. Mesencéfalo delineado. A área ecogênica da substância negra direita está delineada no pedúnculo. (SN, substância negra). Caso 4 - Homem, 48 anos, com TE desde a juventude. Área de ecogenicidade da SN à direita de 0,11 cm2 e à esquerda de 0,10 cm2 (Figura 4). Figura 4. Ultrassonografia transcraniana - caso 4. Insonação pré-auricular esquerda em paciente com tremor essencial. Mesencéfalo delineado. A área ecogênica da substância negra esquerda está pontilhada. DISCUSSÃO A visualização do encéfalo pela USTC fornece dados morfométricos importantes para o diagnóstico de algumas doenças neurológicas(4,5). Em razão das características físicas do método e da necessidade de suplantar a barreira óssea, a visualização mais apropriada é de estruturas localizadas na linha média, na região do tronco cerebral e núcleos da base(4). Essas características tornam o exame propício ao estudo dos distúrbios do movimento cuja origem se situa na disfunção dessas estruturas. A área ecogênica da SN > 0,20 cm2, unilateral ou bilateralmente, correlaciona-se fortemente com o diagnóstico de DP, sendo considerado marcador estável por não se modificar com a evolução da doença(3-5). O aumento unilateral da SN associa-se com a lateralidade dos sintomas(4). Os quatro casos que apresentamos são de indivíduos com diagnóstico clínico confirmado e de longa duração, tanto de DP como de TE. A medida da área ecogênica no sítio da SN foi capaz de discriminar as duas doenças, estando > 0,20 cm2 nos dois casos de DP (bilateralmente no caso 1 e unilateralmente no caso 2) e normal (< 0,20 cm2) nos dois pacientes com TE (casos 3 e 4). O aumento da área ecogênica da SN também pode ocorrer em indivíduos saudáveis, em portadores de parkinsonismo atípico (paralisia supranuclear progressiva, atrofia de múltiplos sistemas, etc.), e mesmo no TE, o que contribuiria para a redução da sua especificidade e variabilidade de sensibilidade e especificidade entre estudos(5,10). A causa do aumento de ecogenicidade da SN permanece objeto de debate. Como ela está presente desde o início do quadro e não aumenta com a progressão da doença, não deve ser ocasionada pela degeneração neuronal(4,7). Existem evidências de que o aumento do conteúdo de ferro no sítio da SN seria responsável pelo achado(11). CONCLUSÃO Por ser um exame inócuo e de baixo custo, com informações importantes ao neurologista, a USTC merece ser alvo de investigação para o diagnóstico das doenças do movimento. As suas limitações são dependência de janela óssea e baixa especificidade, o que a colocaria no rol dos exames de rastreio(10). No Brasil, já existem alguns estudos sobre a técnica que confirmam a validade dos achados no nosso meio(6,12). REFERÊNCIAS 1. Stern MB, Lang A, Poewe W. Toward a redefinition of Parkinsons disease. Mov Disord. 2012;27:54-60. 2. Doepp F, Plotkin M, Siegel L, et al. Brain parenchyma sonography and (123)I-FP-CIT SPECT in Parkinsons disease and essential tremor. Mov Disord. 2008;23:405-10. 3. Becker G, Seufert J, Bogdahn U, et al. Degeneration of substantia nigra in chronic Parkinsons disease visualized by transcranial color-coded real-time sonography. Neurology. 1995;45:182-4. 4. Walter U, Behnke S, Eyding J, et al. Transcranial brain parenchyma sonography in movement disorders: state of the art. Ultrasound Med Biol. 2007;33:15-25. 5. Vlaar AMM, Bouwmans A, Mess WH, et al. Transcranial duplex in the differential diagnosis of parkinsonian syndromes: a systematic review. J Neurol. 2009;256:530-8. 6. Fernandes RCL, Rosso ALZ, Vincent MB, et al. Transcranial sonography as a diagnostic tool for Parkinson's disease: a pilot study in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Arq Neuropsiquiatr. 2011;69:892-5. 7. Berg D, Seppi K, Behnke S, et al. Enlarged substantia nigra hyperechogenicity and risk for Parkinson disease: a 37-month 3-center study of 1847 older persons. Arch Neurol. 2011;68:932-7. 8. Hughes AJ, Daniel SE, Kilford L, et al. Accuracy of clinical diagnosis of idiopathic Parkinson's disease: a clinico-pathological study of 100 cases. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1992;55:181-4. 9. Deuschl G, Bain P, Brin M. Consensus statement of the Movement Disorders Society on Tremor. Ad Hoc Scientific Committee. Mov Disord. 1998; 13 Suppl 3:2-23. 10. Lauckaitg K, Rastenytg D, Surkieng D, et al. Specificity of transcranial sonography in parkinson spectrum disorders in comparison to degenerative cognitive syndromes. BMC Neurol. 2012;12:12. 11. Berg D, Roggendorf W, Schröder U, et al. Echogenicity of the substantia nigra: association with increased iron content and marker for susceptibility to nigroestriatal injury. Arch Neurol. 2002;59:999-1005. 12. Bor-Seng-Shu E, Fonoff ET, Barbosa ER, et al. Substantia nigra hyperechogenicity in Parkinson's disease. Acta Neurochir (Wien). 2010;152:2085-7. 1. Mestre, Médica do Ministério da Saúde, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Clínica Médica (Área de concentração: Neurologia) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2. Doutora, Chefe do Setor de Distúrbios do Movimento do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3. Doutor, Professor Assistente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 4. Doutor, Professor Assistente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chefe do Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 5. Doutora, Chefe do Setor de Ultrassonografia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 6. Doutor, Professor Associado da Pós-graduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Dra. Rita C. L. Fernandes Rua Marques de Abrantes, 171/502, Flamengo Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22230-060 E-mail: ritafernandes@ufrj.br Recebido para publicação em 30/5/2012. Aceito, após revisão, em 8/8/2012. * Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |