INTRODUÇÃO
A síndrome do granuloma letal da linha média (SGLLM) compreende difícil diagnóstico clínico, tanto pela variabilidade de doenças que podem causar como pelos sintomas inespecíficos. Lesões destrutivas da linha média da face foram primeiramente descritas em 1897, recebendo posteriormente várias denominações. Comum a todas é o desenvolvimento de um processo ulcerativo/vegetativo, que culmina com a destruição da região nasal, promovendo deformidade funcional e cosmética(1).
A maioria dos casos corresponde a linfoma não Hodgkin
natural-killer/células T e granulomatose de Wegener, sendo o carcinoma epidermoide um diagnóstico diferencial a ser considerado, por ser a principal neoplasia maligna de cabeça e pescoço, compreendendo 5% de todos tumores que ocorrem no mundo(2,3).
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 58 anos de idade, negra, apresentou pequena lesão ulcerativa na região da glabela em fevereiro de 2012, que evoluiu com rápido crescimento e comportamento predominantemente vegetativo. Três meses após foi internada para investigação desta lesão de grandes dimensões (Figura 1).
Figura 1. A: Lesão de grandes dimensões com epicentro na glabela, mostrando importante componente vegetante associado a áreas ulceradas e de aspecto necrótico. B: Visão lateral.
Realizou exames laboratoriais, sem alterações expressivas, e punção aspirativa por agulha fina inconclusiva. Tomografia computadorizada (TC) de crânio (Figura 2) revelou lesão vegetante, heterogênea, com extensa destruição óssea, acometendo predominantemente septo nasal e seio frontal.
Figura 2. Tomografia computadorizada de crânio pós-contraste, axial, mostra lesão vegetante, com densidade de partes moles, heterogênea, com extensa destruição óssea e discreto realce pelo contraste, principalmente na sua porção periférica.
Complementação com ressonância magnética (RM) (Figura 3), realizada 13 dias após a TC, demonstrou lesão heterogênea, isointensa em T1, levemente hiperintensa em T2 e FLAIR, com discreto realce pelo gadolinio. Observou-se ainda lesão sincrônica, semelhante à anterior, porém sem contiguidade, em intimo contato com o processo palatino da maxila.
Figura 3. A: Imagem axial, sequência FLAIR, demonstrando lesão heterogênea, discretamente hiperintensa, com importante destruição da linha média. B: Imagem axial ponderada em T2 STIR mostra pequena lesão sincrônica (seta), com discreto hipersinal, adjacente à parede lateral do óstio nasal esquerdo, em íntimo contato com o processo palatino da maxila. Biópsia revelou tratar-se de carcinoma epidermoide.
No seguimento, realizou-se biópsia (Figura 4), inclusive da lesão sincrônica, com laudo anatomopatológico compativel com carcinoma epidermoide.
Figura 4. A: Infiltração da derme e epiderme pelas células tumorais apresentando pérolas córneas de permeio, características do carcinoma epidermoide. B: Área de menor diferenciação do tumor, notando-se menor quantidade de pérolas córneas.
DISCUSSÃO
A SGLLM é rara, de diagnóstico difícil em razão da clinica inespecifica, sendo muitas vezes necessárias várias biópsias para estabelecê-lo de forma correta(4).
As principais doenças implicadas nesse quadro são o linfoma não Hodgkin
natural-killer/células T e a granulomatose de Wegener, porém com um diagnóstico diferencial amplo, sendo o carcinoma epidermoide um dos principais, como apresentado no caso.
O carcinoma epidermoide deriva dos queratinócitos suprabasais, com pico entre 50 e 70 anos, acometendo mais homens. Os fatores de risco dependem da localização, sendo tabagismo e etilismo os principais nos casos de lesões da mucosa, enquanto radiação ultravioleta, úlceras crônicas e fístulas são os principais quando provém da pele. Dentre as neoplasias da cabeça e pescoço, o carcinoma epidermoide é a neoplasia maligna mais comum, correspondendo a 5% dos casos de câncer.
Os sintomas geralmente são insidiosos e dependem do local de aparecimento. Metástases comumente são linfonodais, sendo terapia de escolha a cirurgia, associada a radioterapia e quimioterapia em casos selecionados.
Os carcinomas epidermoides, tanto na TC quanto na RM, não apresentam características que os distingam de outras lesões, aparecendo normalmente com margens irregulares, destruição óssea e realce heterogêneo. No trabalho de Groell et al.(5) foi sugerido, mediante estudo de 27 pacientes com carcinoma epidermoide, que sequências tardias na TC com 180 segundos promoviam melhor delimitação da lesão.
Um dado interessante é o fato de que 8%(2) dos carcinomas epidermoides se manifestam com lesões sincrónicas, como no presente caso, sendo uma indicação para tomografia por emissão de pósitron. Estudos recentes destacam o uso das sequências de RM em difusão na avaliação da SGLLM, mostrando que valores do coeficiente de difusão aparente menores que 1,22 X 10
-3 mm
2/s(6,7) são sugestivos de lesão maligna, e menores que 0,84 X 10
-3 mm
2/s(6,7) são mais compatíveis com linfomas. No caso aqui apresentado, o protocolo foi o mesmo desses estudos, sendo que a lesão apresentou valor de coeficiente de difusão aparente de 0,91 X 10
-3 mm
2/s, corroborando os achados anteriormente descritos.
Dentre os diagnósticos diferenciais, temos principalmente o linfoma não Hodgkin
natural-killer/células T, mais prevalente em asiáticos, acima de 50 anos e associado ao vírus Epstein-Barr. A diferenciação por imagem é difícil, sendo incomum haver linfonodopatia, tendo acometimento ósseo menos severo que o carcinoma epidermoide, com raro envolvimento da parede anterior do seio maxilar(8).
Outro diagnóstico possível é a granulomatose de Wegener, que acomete preferencialmente homens, entre 30 e 40 anos, e classicamente apresenta-se com lesão de vias aéreas, glomerulonefrite e vasculite disseminada, sendo importante a pesquisa do c-ANCA para o diagnóstico.
Dentre outros diagnósticos diferenciais, temos: reticulose polimórfica, tuberculose, leishmaniose, abuso de cocaína, granuloma de células gigantes, granuloma de colesterol e hemangioma capilar lobular, com esses três últimos associados a trauma.
Concluindo, devemos considerar o diagnóstico de carcinoma epidermoide na SGLLM, por tratar-se da principal neoplasia maligna da cabeça e pescoço, devendo atentar-nos para pesquisa de acometimento sincrónico.
REFERÊNCIAS
1. Parker NP, Pearlman AN, Conley DB, et al. The dilemma of midline destructive lesions: a case series and diagnostic review. Am J Otolaryngol. 2010;31:104-9.
2. Dammann F, Horger M, Mueller-Berg M, et al. Rational diagnosis of squamous cell carcinoma of the head and neck region: comparative evaluation of CT, MRI, and 18FDG PET. AJR Am J Roentgenol. 2005;184:1326-31.
3. Mendonça VF, Carvalho ACP, Freitas E, et al. Tumores malignos da cavidade nasal: avaliação por tomografia computadorizada. Radiol Bras. 2005;38:175-80.
4. Lessa MM, Goto EY, Voegels RL, et al. Granuloma de linha media: revisão de 17 casos. Arq Int Otorrinolaringol. 2001;5(1). [acessado em 29 de maio de 2012]. Disponível em: http://www.arquivosdeorl. org.br/conteudo/acervo_port.asp?id=146
5. Groell R, Doerfler O, Schaffler GJ, et al. Contrast-enhanced helical CT of the head and neck: improved conspicuity of squamous cell carcinoma on delayed scans. AJR Am J Roentgenol. 2001;176:1571-5.
6. Wang J, Takashima S, Takayama F, et al. Head and neck lesions: characterization with diffusion-weighted echo-planar MR imaging. Radiology. 2001;220:621-30.
7. Gonçalves FG, Ovalle JP, Grieb DFJ, et al. Diffusion in the head and neck: an assessment beyond the anatomy. Radiol Bras. 2011;44:308-14.
8. Ooi GC, Chim CS, Liang R, et al. Nasal T-cell/natural killer cell lymphoma: CT and MR imaging features of a new clinicopathologic entity. AJR Am J Roentgenol. 2000;174:1141-5.
1. Médico Residente de Radiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Professor Assistente do Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chefe do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3. Médica Residente de Clínica Médica no Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4. Médico Radiologista, Chefe do Setor de Tomografia Computadorizada do Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência:
Dr. Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro
Estrada do Capenha, 1431, ap. 202, bloco 01, Freguesia, Jacarepaguá
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22743-041
E-mail: bruno.niemeyer@hotmail.com
Recebido para publicação em 4/8/2012.
Aceito, após revisão, em 11/9/2012.
* Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.