Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 45 nº 5 - Set. / Out.  of 2012

RELATO DE CASO
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Page(s) 302 to 304



Recanalização da artéria tibial anterior via artéria pediosa: relato de caso*

Autho(rs): Abdo Farret Neto1; Eduardo Dantas Baptista de Faria2; Ernesto Pantaleo3; Marcelo José Carlos Alencar4; George Anderson da Penha Andrade4; Célia Maria Guedes de Lima5

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Texto em Português English Text

Descritores: Angioplastia; Arteriopatias oclusivas; Angioplastia transluminal percutânea; Artérias tibiais; Procedimentos endovasculares.

Keywords: Angioplasty; Arterial occlusive disease; Percutaneous transluminal angioplasty; Tibial arteries; Endovascular procedures.

Resumo:
Os autores relatam um caso de abordagem mista para o tratamento endovascular de doença oclusiva da artéria tibial anterior por acesso pedioso retrógrado, no qual a abordagem tradicional anterógrada foi inadequada em vencer uma oclusão. A técnica parece oferecer uma opção para procedimentos endovasculares, que objetivam o tratamento de lesões da artéria tibial anterior em que a via anterógrada convencional mostre-se inadequada.

Abstract:
The authors report the case of mixed approach for endovascular treatment of occlusive disease of the anterior tibial artery by retrograde pedal artery access where the traditional antegrade approach failed to overcome a segmental occlusion. The technique seems to offer an option for endovascular procedures aimed at treating occlusion of the anterior tibial artery in cases where the conventional antegrade approach demonstrates to be inappropriate.

INTRODUÇÃO

A arteriopatia diabética é uma das principais doenças referenciadas aos centros de tratamento de isquemias periféricas, sendo as revascularizações das artérias tibiais frequentemente necessárias para seu tratamento(1-3).

O desenvolvimento de novas técnicas e materiais dedicados para atender as características anatômicas e estenóticas dos vasos acometidos, principalmente os tibiais, permite restabelecer, na maioria dos casos, o fluxo sanguíneo distal para o pé mediante angioplastia de pelo menos um destes vasos(1,3). Contudo, um estudo recente relatou insucesso em cerca de 20% dos casos mais complexos, quando da abordagem anterógrada para a revascularização(4).

Dessa maneira, quando a via anterógrada falha em ultrapassar a lesão, a angioplastia por via retrógrada pode ser adotada(5).


RELATO DO CASO

Paciente diabética, 79 anos de idade, hipertensa e coronariopata. Apresentava úlceras isquêmicas na perna esquerda, com evolução arrastada apesar do tratamento clínico instituído. Evidenciavam-se pulsos femoral e poplíteo de amplitudes normais e ausência de pulsos no pé esquerdo. O índice tornozelo-braço (ITB) na artéria pediosa era 0,58.

A angiografia evidenciava oclusão segmentar no terço proximal da artéria tibial anterior e oclusão da fibular e tibial posterior (Figura 1).


Figura 1. Oclusão segmentar da tibial anterior esquerda (setas). Observar ausência de opacificação da fibular e tibial posterior.



Foram instituídos ácido acetilsalicílico 100 mg/dia + clopidogrel 75 mg/dia e foi indicada a recanalização da oclusão segmentar da tibial anterior via anterógrada homolateral. Após o posicionamento de bainha introdutora 5F longa (Angio-Line®; Biometrix, Jerusalém, Israel), se iniciou heparinização conforme protocolo empregado no nosso serviço: gotejamento contínuo durante o procedimento a 40 gotas/minuto pela bainha (20 UI de heparina por minuto) de solução obtida pela diluição de 5.000 UI em 500 ml de soro fisiológico 0,9%. Após tentativas infrutíferas de ultrapassar a oclusão, a via anterógrada foi abandonada. Optou-se pela abordagem retrógrada via artéria pediosa, que foi realizada com Jelco® 21G guiado por roadmapping obtido pela injeção de contraste pela bainha femoral. Por esta punção foi introduzido fio guia 0,018" × 300 cm ponta tipo "J" (Scitech®; Goiânia, GO, Brasil), que ultrapassou a oclusão da tibial anterior sem dificuldades. A ponta flexível do fio guia foi exteriorizada após se negociar sua penetração na extremidade distal de um cateter Cobra-1 5F parcialmente introduzido na bainha 5F, possibilitando a ultrapassagem da válvula hemostática desta. A extremidade rígida do fio guia foi mantida exteriorizada na região dorsal do pé (Figura 2). Pela ponta exteriorizada na bainha femoral foi introduzido um balão Passeo® 2,5 × 80 × 130 (Biotronik Ag®; Bulach, Suíça), insuflado até a pressão nominal de 6 atmosferas (Figura 3). O controle angiográfico evidenciou bom fluxo em toda a tibial anterior e espasmo da artéria pediosa no local da introdução do fio guia (Figura 4). O guia foi retirado via femoral, julgando-se que deste modo a extensão do guia que passaria pela pediosa seria menor. Após a sua retirada, a artéria pediosa foi suavemente comprimida por 10 minutos, não sendo observados sangramentos ou hematomas no local. O ITB medido na artéria pediosa esquerda 24 horas após o procedimento foi 0,62. A paciente evoluiu com manutenção do pulso pedioso palpável (+++/++++) e cura das lesões em três semanas.


Figura 2. Fio guia implantado na pediosa (seta), observando-se também as lesões isquêmicas na perna.


Figura 3. Balão 2,5 × 80 insuflado.


Figura 4. Angiografia de controle. Observar o espasmo da artéria pediosa e o fio guia exteriorizado (seta em B).



DISCUSSÃO

Nas terapêuticas endovasculares, diferentes técnicas e dispositivos podem ser empregados durante um mesmo procedimento(5).

A ultrapassagem de lesões arteriais nos membros inferiores é rotineiramente realizada por via anterógrada, contudo, algumas vezes é impossível ultrapassar determinadas oclusões por esta via(6).

Entre as técnicas utilizadas em situações oclusivas, destaca-se a angioplastia subintimal. Nem sempre é exitosa, sendo a incapacidade de reentrar na luz verdadeira do vaso e perfurações seus principais motivos de insucesso(7).

Interessante observar a diferença entre angioplastia retrógrada e angioplastia via punção retrógrada distal. Na retrógrada, o acesso percutâneo é o convencional - femoral, por exemplo -, aproveitando a existência de caminhos anatômicos pérvios como o arco plantar ou colaterais, para por meio delas alcançar retrogradamente a lesão(7). Na punção retrógrada, o acesso percutâneo é obtido distalmente ao local da lesão a ser tratada - no pé, por exemplo -, sendo a partir deste ponto periférico introduzido o guia.

Ressaltamos algumas particularidades técnicas deste caso: a não utilização de heparinização plena via sistêmica, conforme nossa rotina de longa data(8); a passagem do guia na pediosa através do Jelco® 21G sem o emprego de introdutor, evitando traumatismo desnecessário e facilitando a hemostasia após o término do procedimento; a punção obtida por roadmapping em vez de eco Doppler, que torna possível o acesso mesmo quando da indisponibilidade destes aparelhos de imagem, além de se evitar a necessidade da exposição cirúrgica do vaso a ser puncionado.


REFERÊNCIAS

1. Graziani L, Silvestro A, Bertone V, et al. Vascular involvement in diabetic subjects with ischemic foot ulcer: a new morphologic categorization of disease severity. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007;33:453-60.

2. Hynes N, Mahendran B, Manning B, et al. The in?uence of subintimal angioplasty on level of amputation and limb salvage rates in lower limb critical ischaemia: a 15-year experience. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2005;30:291-9.

3. Kawarada O, Yokoi Y, Sekii H, et al. Retrograde crossing through the pedal arch for totally occluded tibial artery. J Interv Cardiol. 2008;21:342-6.

4. Rogers RK, Dattilo PB, Garcia JA, et al. Retrograde approach to recanalization of complex tibial disease. Catheter Cardiovasc Interv. 2011;77:915-25.

5. Graziani L, Morelli LG. Combined retrogradeantegrade arterial recanalization through collateral vessels: rede?nition of the technique for below-theknee arteries. Cardiovasc Intervent Radiol. 2011;34 Suppl 2:S78-82.

6. Bozlar U, Shih MCP, Harthun NL, et al. Outback catheter-assisted simultaneous antegrade and retrograde access for subintimal recanalization of peripheral arterial occlusion. Clin Imaging. 2008;32:236-40.

7. Biondi-Zoccai GC, Bollati M, Moretti C, et al. Retrograde percutaneous recanalization of coronary chronic total occlusions: outcomes from 17 patients. Int J Cardiol. 2008;130:118-20.

8. Farret Neto A, Faria EB, Laurentino A. Angioplastia infra-inguinal em pacientes com isquemia crítica grau III, categoria 5 de Rutherford. Radiol Bras. 2008;41:173-6.










1. Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Angiorradiologista e Cirurgião Vascular do Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal, RN, Brasil.
2. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Angiologista e Cirurgião Vascular do Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal, RN, Brasil.
3. Angiologista, Cirurgião Vascular, Ultrassonografista Vascular e Estagiário do Serviço de Hemodinâmica do Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal, RN, Brasil.
4. Acadêmicos do 6º ano da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Estagiários do Serviço de Cirurgia Vascular e Angiorradiologia do Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal, RN, Brasil.
5. Mestre em Enfermagem Cirúrgica, Enfermeira do Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal, RN, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Abdo Farret Neto
Rua Doutor Múcio V. Ribeiro Dantas, 500, casa E/27, Ponta Negra
Natal, RN, Brasil, 59092-580
E-mail: abdofarret@gmail.com

Recebido para publicação em 3/4/2012.
Aceito, após revisão, em 2/7/2012.

* Trabalho realizado no Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal, RN, Brasil.
 
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