INTRODUÇÃO
A histiocitose de células de Langerhans é uma doença rara, que normalmente afeta crianças e pode acometer diversas partes do corpo. O seu diagnóstico é feito com base nos exames histológico e imuno-histoquímico das lesões. O tratamento depende da forma de apresentação da doença. O objetivo do presente estudo é descrever o caso de um paciente de 63 anos de idade acometido pela doença, bem como apresentar seus exames de imagens e a evolução do caso. Ao final, é apresentado breve resumo da literatura sobre a doença.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, de 63 anos, com queixa de proptose do olho direito há seis meses. Antecedentes pessoais: tabagista e etilista. A triagem para doenças infectocontagiosas foi negativa. O exame físico, à exceção da proptose à direita, não apresentou alterações.
Foi realizada tomografia computadorizada de crânio (Figura 1), que revelou uma lesão comprometendo a parede lateral da órbita (com destruição óssea) e região intraorbitária direita, estendendo-se externamente para a região perizigomática. Observou-se proptose do globo ocular direito e invasão da musculatura extrínseca lateral da órbita desse lado.
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Figura 1. Imagens axiais de tomografia computadorizada de crânio com contraste do paciente. Lesão expansiva intraorbitária com extensão para os espaços intra e extraconais, tecidos moles extracranianos e erosão óssea da parede lateral (osso zigomático e asa maior do esfenoide) da órbita direita.
O paciente foi, então, submetido a exérese completa da lesão. O exame histopatológico revelou proliferação de padrão histiocítico macrofágico abundante, com células epitelioides e gigantócitos multinucleados e algumas figuras de mitose, compatível com histiocitose de células de Langerhans (Figura 2).
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Figura 2. Coloração hematoxilina-eosina demonstra células de Langerhans fagocitando hemossiderina. Elas são reconhecíveis pelo núcleo irregular com contorno arredondado ou alongado, frequentemente com clivagens e endentações, cromatina frouxa e bem distribuída.
O exame imuno-histoquímico apresentou-se positivo para CD1a, CD 68, HAM56 e S-100 nas células neoplásicas, negativo para HMB45, AE1, AE3, CD20, CD3 e positivo para KI67 em 5-10% dos núcleos, corroborando a hipótese diagnóstica de histiocitose de células de Langerhans (Figura 3).
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Figura 3. Estudo imuno-histoquímico demonstra positividade para CD1a em padrão membrana, condição
sine qua
non para diagnóstico da histiocitose de células de Langerhans.
O paciente foi, então, submetido à pesquisa de outros focos de acometimento pela histiocitose, que revelou lesão do quinto arco costal esquerdo e comprometimento pulmonar característico da histiocitose (Figura 4). O paciente realizou acompanhamento com equipe de hematologia, tendo sido submetido a dois ciclos de quimioterapia com vimblastina, etoposide e prednisona. Evoluiu a óbito em fevereiro de 2012, em decorrência de complicações advindas de sua doença pulmonar.
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Figura 4. Tomografia computadorizada de tórax do paciente evidenciando múltiplos cistos difusamente distribuídos pelo parênquima pulmonar, com paredes irregulares e dimensões variáveis ("cistos bizarros"), associados a micronódulos difusos, aspecto característico do acometimento pulmonar pela histiocitose de células de Langerhans.
DISCUSSÃO
A histiocitose de células de Langerhans é uma doença rara (incidência de dois a cinco casos em um milhão)(1), caracterizada pela proliferação de células de Langerhans(2), que acomete mais comumente crianças de um a três anos de idade do sexo masculino(1).
A etiologia da doença continua incerta. Acredita-se que a doença seja consequência de uma desregulação imunológica, resultando na produção excessiva de citocinas e prostaglandinas, que ocasionam danos em diversos órgãos(1).
A doença pode se manifestar localmente ou acometer múltiplos órgãos. O quadro clínico vai depender do grau de disfunção dos órgãos atingidos(1). As principais complicações da doença são a disfunção hipofisária, com destaque para o diabetes insipidus(3), e as doenças neurodegenerativas(4).
A manifestação oftalmológica mais comum é a presença de lesão óssea isolada da órbita(5), que é considerada, assim como a presença de lesões no osso mastoide e no osso temporal(6), fator de risco para o surgimento de complicações no sistema nervoso central(7).
A histiocitose de células de Langerhans, principalmente na forma disseminada, pode estar associada a outras condições, por exemplo, a leucemia e o linfoma de Hodgkin e não Hodgkin, história de infecção neonatal, exposição a solventes, doenças da tireoide, doenças infecciosas (adenovírus, parvovírus, Epstein-Barr, citomegalovírus, HIV e HTLV) e tabagismo(1), como pode ter ocorrido em nosso caso.
O exame de imagem de escolha para avaliação do sistema nervoso central é a ressonância magnética, por ser o mais sensível na detecção de lesões, embora não haja um padrão radiológico característico da doença(3).
O diagnóstico da histiocitose de células de Langerhans pode ser feito pelo exame histológico das lesões (diagnóstico presuntivo) ou pelo estudo imuno-histoquímico. À microscopia óptica, é observado um infiltrado monoclonal neoplásico de células de Langerhans, com núcleo lobulado de cromatina fina e citoplasma eosinofílico moderadamente abundante, com algumas atipias nucleares e atividade mitótica variável(3). Já o exame imuno-histoquímico revela a presença de grânulos de Birbeck, positividade para S-100 e CD1a (sendo este o diagnóstico de certeza)(1), como ocorreu no caso aqui relatado.
O tratamento da histiocitose de células de Langerhans é a intervenção local(6) em casos em que há apenas uma única lesão, ficando o tratamento sistêmico reservado para os casos em que há resposta incompleta, reativação da lesão, ou surgimento de outras lesões(7), sendo a quimioterapia com vimblastina o padrão ouro(2), como ocorreu em nosso caso.
O prognóstico depende do grau de acometimento. Pacientes com doença local normalmente apresentam bom prognóstico, enquanto os com doença disseminada e os que têm acometimento do sistema nervoso central apresentam pior prognóstico(6).
Podemos concluir que a histiocitose de células de Langerhans é uma doença rara e grave, podendo acometer diversos órgãos. Portanto, ela deve entrar na lista de diagnósticos diferenciais de pacientes com proptose, já que o acometimento orbitário indica provável comprometimento do sistema nervoso central, ou seja, pior prognóstico. Consideramos o caso descrito importante por ser bem ilustrativo em relação à evolução desfavorável do paciente, mesmo com tratamento adequado, servindo para enfatizar a importância do diagnóstico precoce da doença. Além disso, trata-se de um caso raro, já que o paciente foi acometido pela doença em idade avançada, quando o mais freqüente é o acometimento na infância, além de sua lesão orbital ser um local raramente atingido pela doença.
REFERÊNCIAS
1. Duda-Szymańska J, Wierzchniewska-ºawska A. Langerhans cell histiocytosis in a 3-year-old girl: a case report and literature review. Pol J Pathol. 2009;60:134-7.
2. Ng Wing Tin S, Martin-Duverneuil N, Idbaih A, et al. Efficacy of vinblastine in central nervous system Langerhans cell histiocytosis: a nationwide retrospective study. Orphanet J Rare Dis. 2011;6:83.
3. Grois N, Tsunematsu Y, Barkovich AJ, et al. Central nervous system disease in Langerhans cell histiocytosis. Br J Cancer Suppl. 1994;23:S24-S28.
4. Imashuku S. High dose immunoglobulin (IVIG) may reduce the incidence of Langerhans cell histiocytosis (LCH)-associated central nervous system involvement. CNS Neurol Disord Drug Targets. 2009;8:380-6.
5. Margo CE, Goldman DR. Langerhans cell histiocytosis. Surv Ophthalmol. 2008;53:332-58.
6. Allen CE, McClain KL. Langerhans cell histiocytosis: a review of past, current and future therapies. Drugs Today (Barc). 2007;43:627-43.
7. Harris GJ. Langerhans cell histiocytosis of the orbit: a need for interdisciplinary dialogue. Am J Ophthalmol. 2006;141:374-8.
1. Mestre, Médica Oftalmologista do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
2. Médica Residente do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
3. Doutor, Docente do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
4. Doutor, Médico Assistente do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
5. Doutor, Docente do Departamento der Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
6. Livre-docente, Docente do Departamento de Oftalmo-Otorrino da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
Endereço para correspondência:
Dr. Fabiano Reis
Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp)
Rua Vital Brasil, 251, Cidade Universitária Zeferino Vaz
Campinas, SP, Brasil, 13083-888
Caixa Postal 6142
E-mail: fabianoreis2@gmail.com
Recebido para publicação em 21/3/2012.
Aceito, após revisão, em 15/6/2012.
Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.