ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Adeli Cardoso de Azevedo1; Ellyete de Oliveira Canella2; Maria Célia Resende Djahjah3; Hilton Augusto Koch4 |
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Descritores: Câncer de mama; Prevenção secundaria; Cuidado de saúde; Ambiente hospitalar. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Prevenção é uma ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural da doença, a fim de tornar improvável seu progresso posterior(1). Estratégias de prevenção primária, secundária e terciária têm sido utilizadas com o objetivo de prevenir enfermidades, diagnosticá-las e tratá-las precocemente, além de minimizar seus efeitos, assegurando ao indivíduo um padrão de vida adequado à manutenção da saúde(2). Dessa forma, a principal distinção entre prevenção primária, secundária e terciária repousa no período de progressão da doença sobre o qual se deseja intervir: antes do início da doença (prevenção primária), depois que a doença se iniciou e ainda não se manifestaram sintomas (prevenção secundária) ou quando já há sintomas (prevenção terciária)(2). O câncer de mama é hoje uma doença de extrema importância para a saúde pública mundial, motivando a discussão em torno das medidas que promovam seu diagnóstico precoce e, consequentemente, a redução em sua morbidade e mortalidade(3). Na prevenção secundária enquadra-se o diagnóstico pré-sintomático e tratamento dos cânceres precoces. Nessa abordagem está inserida a mamografia como um método de diagnóstico do câncer de mama em estágio inicial, capaz de detectar alterações ainda não palpáveis, favorecendo assim o tratamento mais efetivo, menos agressivo, com melhores resultados estéticos e eventos adversos reduzidos(4). Ao longo do tempo, o "cuidado" vem sendo considerado uma palavra norteadora. Entretanto, existe um paradoxo em razão do unidirecionamento desse "cuidado", ou seja, o ambiente hospitalar tem como missão salvar vidas e recuperar a saúde dos indivíduos enfermos. Dificilmente tem a preocupação de promover e manter a saúde de seus funcionários(5). Muito se tem falado sobre prevenção do câncer de mama no âmbito social, hospitalar e ambulatorial, tanto por meio de campanhas públicas das sociedades médicas como de organizações não governamentais. Como será que as mulheres que trabalham em um ambiente hospitalar se comportam em relação à sua própria conduta de prevenção? Com base nessa concepção, o objetivo deste trabalho foi avaliar a adesão das funcionárias de um hospital universitário em um programa de prevenção do câncer de mama, por meio da mamografia. MATERIAIS E MÉTODOS Em 1998, foi criado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Programa de Saúde da Mulher em Ginecologia Preventiva (PSMGP), realizado pelo Serviço de Segurança e Saúde do Trabalhador (SESSAT) com o apoio da direção do Hospital, com a finalidade de atendimento especializado para as funcionárias da instituição. No ano de 2002, 436 funcionárias do HUCFF-UFRJ, já cadastradas no Programa do SESSAT, foram convidadas para responder a uma entrevista semiestruturada, composta por questões objetivas e subjetivas. A finalidade da entrevista era conhecer a conduta das funcionárias com a saúde no ambiente de trabalho, especialmente sobre prevenção do câncer de mama. Das 436 funcionárias, 162 responderam afirmativamente ao convite e marcaram a entrevista. Dentre as 162 agendadas, somente 120 compareceram para a entrevista. Das 120 entrevistadas, 29 foram excluídas por não estarem na faixa etária adequada para realizar a mamografia, e de acordo com o critério clínico do médico assistente não faziam parte do grupo de risco para o câncer de mama. As 91 funcionárias restantes, que representam a amostra do estudo, foram seguidas no período de 2000 até 2009. Após a entrevista, foi consultado prontuário para recuperar os dados desde o ano de 2000. O grupo entrevistado foi acompanhado por meio dos seus laudos mamográficos, do ano de 2000 até o ano de 2009, para verificar a realização da mamografia. As funcionárias acompanhadas não possuíam plano de saúde privado e dependiam do Sistema Único de Saúde (SUS) para se tratar. Para a análise do questionário foi usado o método quantitativo, que permitiu a codificação da coleta de informações. RESULTADOS A respeito da categoria profissional das 91 funcionárias, foram encontrados 18 cargos das participantes do estudo, conforme exposto na Tabela 1. No período do estudo, 91 funcionárias realizaram 247 mamografias, sendo que o número de mamografias por faixa etária está descrito na Tabela 2. Quanto ao nível de escolaridade, verificou-se que 145 mamografias foram realizadas em funcionárias que possuíam nível auxiliar, 55 nas que possuíam nível médio e 47 nas que possuíam nível superior, totalizando 247 mamografias realizadas durante o estudo. A maior adesão ao programa foi a das funcionárias de nível auxiliar, que representaram 59,3%. A adesão do nível médio foi 20,8% e a do nível superior, 19,7%. A quantidade de mamografias realizadas foi proporcionalmente igual em todos os níveis, independentemente do grau de escolaridade. Cinquenta e cinco funcionárias de nível auxiliar realizaram 145 mamografias, resultando uma média de 2,63 mamografias por pessoa, 19 funcionárias de nível médio realizaram 55 mamografias, gerando uma média de 2,89 mamografias por pessoa, e 18 funcionárias de nível superior realizaram 47 mamografias, indicando uma média de 2,89 por pessoa, conforme mostra a Figura 1. Figura 1. Distribuição de mamografias por nível de escolaridade. Quando questionadas sobre a periodicidade do exame mamográfico, 48 funcionárias informaram fazê-lo periodicamente e 43 responderam de forma negativa. Das 48 que responderam afirmativamente, 6 (12,6%) fazem o exame por solicitação médica, 23 (47,9%) por conhecerem a importância do exame, 2 (4,1%) por terem casos de câncer na família e 17 (35,4%) por julgarem a mamografia um procedimento de rotina, sendo que 27 (56,2%) são de nível auxiliar, 11 (22,9%) de nível médio e 10 (20,9%) de nível superior. As funcionárias que declararam obedecer à periodicidade do exame foram 52,7% do estudo. Destas, 47,9% fazem o exame por conhecerem sua importância e 35% fazem o exame como rotina. A Figura 2 ilustra os dados encontrados. Figura 2. Justificativa da realização do exame mamográfico. Os motivos da não periodicidade do exame mamográfico para 43 funcionárias são mostrados na Figura 3. Verificou-se que 16 (37,3%) não realizam o exame por falta de solicitação médica, 9 (20,9%) por não conseguirem marcar o exame pelo SUS, 8 (18,6%) por terem medo do exame, 10 (23,2%) por acharem desnecessário e desconhecerem a importância do exame. Destas 43 funcionárias, 27 (62,8%) eram de nível auxiliar, 8 (18,6%) eram de nível médio e 8 (18,6%), de nível superior. Figura 3. Justificativa da não realização do exame mamográfico. DISCUSSÃO Obteve-se a participação de 91 funcionárias (20%) do total de 436, porcentagem muito abaixo da meta de 70% estabelecida pelo documento Healthy People 2010(6). Estudo de Godinho e Koch(7) revelou que 80% dos exames de dois centros investigados não foram executados por falha de condução do processo de rastreamento do câncer de mama por parte do médico assistente. Luna e Koch(8) empenharam-se, mediante envio de questionários para padronização do laudo mamográfico, e obtiveram 19,6% de participação. A casuística foi a mesma encontrada no presente estudo. Ramos et al.(9) relacionam a dificuldade de acesso aos locais de prevenção à falta de recursos de boa parte da população e à incapacidade do SUS de atender a demanda com suporte especializado e adequado para diagnóstico e tratamento das neoplasias. O presente estudo contrariou essas afirmações, pois não foi conseguida participação satisfatória na realização dos exames mamográficos, apesar da oportunidade e facilidade da sua realização no ambiente hospitalar onde essas funcionárias exercem suas atividades. É importante destacar que todas as funcionárias que participaram do estudo não possuíam plano de saúde privado. Há consenso que a falta de acesso nos níveis de saúde é uma das mais importantes causas da progressão da doença(10). O fato de o nível socioeconômico ser um dos fatores determinantes para a realização das condutas preventivas do câncer de mama(11) não foi conclusivo no atual estudo. Quanto ao grau de escolaridade, Molina et al.(12) apontam como fator significante o fato de que mulheres com mais anos de estudo teriam melhores oportunidades de diagnóstico precoce de câncer de mama por possuírem mais informações e plano de saúde privado. A cobertura para fazer mamografia alcança 72% no grupo que possui plano de saúde privado, no mesmo nível da população feminina norte-americana(13). O resultado do presente estudo não reproduziu essa afirmativa, pois a maior adesão foi a das funcionárias de nível auxiliar. Pode-se observar, portanto, com este estudo, que não se teve uma boa adesão das funcionárias ao programa de rastreamento cuja periodicidade não está sendo obedecida, embora tenham um papel importante nesse processo, já que trabalham no mesmo ambiente que poderiam ser tratadas, facilitando o diagnóstico precoce e o tratamento. Rezende et al.(10) mostraram uma forte associação entre os tempos decorridos entre o início da doença e a primeira consulta. O intervalo entre a primeira consulta e o diagnóstico foi maior que 6,5 meses em metade das mulheres, apontando morosidade do sistema de saúde do município onde o estudo foi realizado(10). As funcionárias que afirmaram não fazer mamografia, periodicamente, foram 47,2%, e destas, 37,3% informaram ser o médico o maior responsável por não solicitar o exame. A recomendação médica é o preditor mais forte da realização da mamografia(14), seguido por considerar o exame desnecessário, desconhecendo sua importância (23,2%). Esses dados corroboram os citados por Godinho e Koch(7). Provavelmente, a falta do hábito de se consultar e a rotulação "desnecessária" são frutos de falha num processo de orientação por parte do médico assistente. Os dados reforçam o posicionamento de Koch e Peixoto(15), que em um programa de rastreio grande parte das entrevistadas não havia sido submetida a mamografia anteriormente, porque o médico não havia solicitado ou porque consideraram desnecessário na época do pedido. As funcionárias que não conseguem marcar o exame mamográfico pelo SUS são 16,6%, mesmo estando no próprio ambiente em que trabalham. De acordo com os resultados obtidos, o que se observa é que as ações de prevenção têm-se mostrado limitadas e incoerentes com as reais necessidades da população feminina de maior risco, levando-se em consideração a necessidade do conhecimento de se realizar mamografia respeitando a periodicidade. A falta de adesão ao rastreamento periódico de determinada condição impossibilita sua detecção precoce. A inexistência de estudos com profissionais de saúde sobre a prevenção do câncer de mama, por intermédio da mamografia, foi o grande estímulo para a realização do presente trabalho, que mostra a análise nos diferentes graus de escolaridade. Associações negativas, positivas e significantes para a realização da mamografia podem explicar a baixa aderência aos programas de rastreamento. CONCLUSÃO A adesão ao programa de prevenção do câncer de mama por meio de mamografia foi baixa. Mulheres funcionárias de um hospital universitário não têm o conhecimento sobre prevenção de uma doença grave, que descoberta em estágio inicial eleva a taxa de cura e aumenta a sobrevida das pacientes. Os motivos encontrados para não adesão foram a alegação de não solicitação médica e o desconhecimento da importância do exame mesmo trabalhando em um ambiente hospitalar. IMPACTO E IMPORTÂNCIA GERAIS Mesmo considerando-se um hospital universitário com programa de prevenção de câncer de mama, por meio da mamografia, as funcionárias não sabiam o quanto útil é a mamografia para o diagnóstico precoce da doença. O trabalho mostra a importância da informação e a divulgação, principalmente dentro das próprias instituições que tratam da saúde. Com isso fica claro que devemos fazer campanhas dentro do próprio meio de trabalho, fundamentalmente nos grandes hospitais. REFERÊNCIAS 1. Leavell S, Clark EG. Medicina preventiva. São Paulo, SP: McGraw Hill; 1976. 2. Thuler LC. Considerações sobre a prevenção do câncer de mama feminino. Rev Bras Cancerol. 2003;49:227-38. 3. [No authors listed]. 16-year mortality from breast cancer in the UK Trial of Early Detection of Breast Cancer. Lancet. 1999;353:1909-14. 4. Sclowitz ML, Menezes AMB, Gigante DP, et al. Condutas na prevenção secundária do câncer de mama e fatores associados. Rev Saúde Pública. 2005;39:340-9. 5. Oliveira CC, Portão RAA, Gomes EB. A outra face da moeda: construção do cuidado de si. Saúde Coletiva: Coletânea. 2007;1(1). 6. Centers for Disease Control and Prevention. Healthy people 2010. [acessado em 5 de julho de 2010]. Disponível em: http://www.cdc.gov/nchs/healthy_people/hp2010.htm 7. Godinho ER, Koch HA. O perfil da mulher que se submete a mamografia em Goiânia - uma contribuição a "Bases Para um Programa de Detecção Precoce do Câncer de Mama". Radiol Bras. 2002;35:139-45. 8. Luna M, Koch HA. Avaliação dos laudos mamográficos: padronização prática de recomendação de conduta para um programa de detecção precoce do câncer de mama por meio da mamografia. Rev Bras Mastologia. 2002;12:7-12. 9. Ramos C, Carvalho JEC, Mangiacavalli MASC. Impacto e (i)mobilização: um estudo sobre campanhas de prevenção ao câncer. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12:1387-96. 10. Rezende MCR, Koch HA, Figueiredo JA, et al. Causas do retardo na confirmação diagnóstica de lesões mamárias em mulheres atendidas em um centro de referência do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31:75-81. 11. O'Malley MS, Earp JA, Hawley ST, et al. The association of race/ethnicity, socioeconomic status, and physician recommendation for mammography: who gets the message about breast cancer screening? Am J Public Health. 2001;91:49-54. 12. Molina L, Dalben I, De Luca L, et al. Análise das oportunidades de diagnóstico precoce para as neoplasias malignas de mama. Rev Assoc Med Bras. 2003;49:185-90. 13. Szwarcwald CL, Leal MC, Gouveia GC, et al. Desigualdades socioeconômicas em saúde no Brasil: resultado da Pesquisa Mundial de Saúde, 2003. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2005; 5(Supl 1):S11-22. 14. Lima-Costa MF, Matos DL. Prevalência e fatores associados à realização da mamografia na faixa etária de 50-69 anos: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2003). Cad Saúde Pública. 2007;23:1665-73. 15. Koch HA, Peixoto JE. Bases para um programa de detecção precoce do câncer de mama por meio da mamografia. Radiol Bras. 1998;31:329-37. 16. Canadian Task Force on Preventive Health Care Force [acessado em 2 de fevereiro de 2010]. Disponível em: http://www.canadiantaskforce.ca:80/ 1. Mestre, Bióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2. Mestre, Médica Radiologista do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3. Doutora, Professora do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 4. Professor Titular, Professor do Programa de Pós-graduação em Medicina (Radiologia) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Dra. Adeli Cardoso de Azevedo Rua Sabino Ribeiro, 72, casa 1, Irajá Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 21235-360 E-mail: adelisimao@gmail.com Recebido para publicação em 11/2/2012. Aceito, após revisão, em 1/6/2012. Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |