RELATO DE CASO
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Autho(rs): Daniel Kanaan1; Daniella Braz Parente2; Carolina Pesce Lamas Constantino1; Rodrigo Canellas de Souza1 |
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Descritores: Linfoma; Útero. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Os linfomas representam 3,5% das neoplasias malignas em mulheres. Destes, 25% têm início nos tecidos extranodais, dos quais 1,0% a 1,5% se origina no trato genital feminino(1). O linfoma de útero corresponde a 29% dos linfomas primários do sistema genital feminino, sendo o linfoma de colo uterino ainda mais raro. O envolvimento primário do colo uterino é também menos frequente que o relacionado ao acometimento de múltiplos órgãos. Há casos relatados em mulheres entre 20 e 80 anos de idade, com pico de incidência na quinta década de vida(2). O sintoma mais comum é sangramento vaginal anormal, mas também são relatados dor pós-coital, dispareunia, dor pélvica, leucorreia fétida e, mais raramente, sintomas B e sintomas urinários(1). O exame colpocitopatológico apresenta baixa acurácia diagnóstica e a ultrassonografia transvaginal (USTV) é limitada para detecção e estadiamento de câncer cervical(1–4). O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de linfoma do colo do útero, com ênfase nos achados de imagem que levaram à suspeição deste diagnóstico, bem como as características que o diferem do carcinoma epidermoide de colo uterino, seu principal diagnóstico diferencial. RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 80 anos de idade, procurou o serviço de emergência com quadro de lombalgia com piora progressiva, evoluindo com náuseas, vômitos, cefaleia e hiporexia. Na admissão, o exame físico era normal. Os exames laboratoriais mostraram elevação da ureia e creatinina. O exame ginecológico e a USTV realizados um ano antes não mostravam alterações. Na admissão, a ultrassonografia (US) mostrava acentuada dilatação pielocalicinal e ureteral à esquerda por compressão ureteral distal, devido a volumosa formação expansiva pélvica, sem plano de clivagem com o útero. A tomografia computadorizada (TC) de abdome e pelve evidenciava espessamento e irregularidade do contorno do útero, com densificação da gordura adjacente e linfonodos de permeio, promovendo dilatação ureteral e do sistema pielocalicinal esquerdos, além de linfonodomegalias pericardiofrênicas, no retroperitônio perivascular, raiz do mesentério e cadeias ilíacas externas. A ressonância magnética (RM) da pelve evidenciava lesão infiltrativa isointensa em T1 (Figura 1), levemente hiperintensa em T2 (Figuras 2 e 3) e com restrição à difusão (Figura 4), ocupando todo o útero, com extensão bilateral ao paramétrio, anexos e vagina. A lesão também determinava ectasia ureteral à esquerda. Figura 1. Imagem ponderada em T1 no plano do eixo curto do útero demonstra lesão de aspecto infiltrativo com isossinal na topografia do colo uterino, apresentando extensão à gordura adjacente (setas). Figura 2. Imagem ponderada em T2 no plano do eixo longo do útero mostra volumosa lesão infiltrativa uterina apresentando leve hipersinal, porém com anatomia zonal uterina preservada (seta). Figura 3. Imagem ponderada em T2 no plano sagital demonstra endométrio centrado, com espessura e sinal conservados (seta). Figura 4. Imagem ponderada em difusão no plano do eixo curto do útero evidencia restrição à difusão (setas), o que indica lesão com alta celularidade. Apesar da volumosa lesão infiltrativa comprometendo todo o útero, chamava a atenção a preservação da anatomia zonal uterina e do endométrio, assim como as linfonodomegalias difusas. A biópsia por videolaparoscopia revelou linfoma B difuso de grandes células. A TC de tórax, realizada como parte do estadiamento, demonstrou infiltração da gordura mediastinal e linfonodomegalias mediastinais. O estadiamento, de acordo com a classificação de Ann Arbor para linfomas extranodais, foi estágio IIIA (massa volumosa na pelve). O tratamento escolhido foi quimioterapia exclusiva segundo o esquema de três sessões com ciclofosfamida, vinblastina e prednisona. A quimioterapia foi suspensa devido a neutropenia e a paciente permaneceu sob cuidados paliativos até o óbito. DISCUSSÃO O linfoma de colo de útero é raro e, na maioria das vezes, relacionado a acometimento de múltiplos órgãos. Seu diagnóstico é difícil pelo exame colpocitopatológico e pelos métodos de imagem. Seu principal diagnóstico diferencial é o carcinoma epidermoide do colo uterino, sendo a diferenciação entre eles bastante difícil. A RM tem papel importante na suspeição diagnóstica de linfoma do colo uterino. Os principais achados desta doença pela RM são útero de volume aumentado à custa de lesão de aspecto infiltrativo, com sinal intermediário em T1 e T2, realce moderado e uniforme pelo meio de contraste e restrição à difusão, apresentando preservação da zona juncional e do endométrio, apesar do extenso envolvimento do útero(5,6). A lesão é homogênea e mostra nenhuma ou pouca necrose(2,5–7). O diagnóstico definitivo é realizado por biópsia da lesão(1–4). Os programas atuais de prevenção ao câncer de colo uterino diminuíram sensivelmente o número de casos de estágios avançados. Desta maneira, grandes massas no colo uterino, sem áreas de necrose, com manutenção da integridade da anatomia zonal, apesar do envolvimento extenso do corpo uterino, devem apontar para diagnósticos diferenciais menos comuns, como o linfoma não Hodgkin(8). O diagnóstico diferencial dos linfomas do colo uterino deve incluir inflamações benignas, carcinoma de pequenas células ou carcinomas pouco diferenciados e sarcomas(7). No caso apresentado, a paciente abriu o quadro de forma atípica, com síndrome urêmica devido a obstrução ureteral. Inicialmente, foi pensado tratar-se de carcinoma epidermoide de colo uterino em estágio avançado. O achado de volumosa lesão expansiva ocupando todo o útero, com preservação da anatomia zonal e do endométrio, associado a linfonodomegalias difusas, fez questionar o diagnóstico inicial de carcinoma escamoso, que geralmente não preserva a anatomia zonal e o endométrio. Da mesma forma, a história ginecológica de exame preventivo e USTV normais de um ano antes também não corroboravam a hipótese inicial. Nesta situação, linfoma foi incluído entre as hipóteses diagnósticas. A biópsia por videolaparoscopia foi essencial para a confirmação diagnóstica. O caso aqui relatado apresenta a maioria dos achados de imagem descritos na literatura associados ao acometimento nodal difuso. Além disso, sua evolução clínica também não era compatível com o carcinoma escamoso. Os principais sintomas relatados na literatura são sangramento vaginal, dor abdominal e dor lombar. A paciente iniciou com quadro de dor lombar persistente(3,4). O tipo histológico foi linfoma B difuso de grandes células, que é o tipo histológico mais frequente de linfoma de colo de útero(3). Diferentemente da experiência relatada na literatura, que refere bom prognóstico, a paciente não tolerou o esquema de quimioterapia e faleceu(3). Em resumo, em paciente apresentando volumosa massa uterina infiltrativa que preserva a zona juncional e o endométrio, sem necrose, deve-se pensar em linfoma uterino como possibilidade diagnóstica, cujo tratamento e prognóstico são bastante distintos do carcinoma escamoso do colo uterino. REFERÊNCIAS 1. Köhler HF, Novik PR, Campos AH. Lymphoma of the uterine cervix: report of two cases and review of the literature. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30:626–30. 2. Thyagarajan MS, Dobson MJ, Biswas A. Case report: appearance of uterine cervical lymphoma on MRI: a case report and review of the literature. Br J Radiol. 2004;77:512–5. 3. Sohaib SA, Verma H, Attygalle AD, et al. Imaging of uterine malignancies. Semin Ultrasound CT MR. 2010;31:377–87. 4. Okamoto Y, Tanaka YO, Nishida M, et al. MR imaging of the uterine cervix: imaging-pathologic correlation. Radiographics. 2003;23:425–45. 5. Michniewicz K, Oellinger J. Diagnostic imaging in invasive cervical carcinoma: MRI, CT, and ultrasonography. Zentralbl Gynakol. 2001;123:222–8. 6. Bellin MF, Roy C, Kinkel K, et al. Lymph node metastases: safety and effectiveness of MR imaging with ultrasmall supermagnetic iron oxide particles – initial clinical experience. Radiology. 1998;207:799–808. 7. Dursun P, Gultekin M, Bozdag G, et al. Primary cervical lymphoma: report of two cases and review of the literature. Gynecol Oncol. 2005;98:484–9. 8. Cheong IJ, Kim SH, Park CM. Primary uterine lymphoma: a case report. Korean J Radiol. 2000;1:223–5. 1. Médicos Residentes de Radiologia do Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2. Doutoranda em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pesquisadora do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, Radiologista da Rede Labs D'Or, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Daniel Kanaan Rua Maria Angélica, 643, ap. 201, Jardim Botânico Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22461-151 E-mail: daniel.kanaan@hotmail.com Trabalho realizado no Serviço de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Recebido para publicação em 27/9/2011. Aceito, após revisão, em 22/11/2011. |