RELATO DE CASO
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Autho(rs): Karenn Barros Bezerra1; Expedito Aguiar Bacelar Júnior2; Nárjara Caroline de Sousa Pereira3; Fábio Alves da Costa3 |
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Descritores: Malformação arteriovenosa; Hemorragia digestiva; Embolização. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Sangramento digestivo é causa comum de internação nos serviços hospitalares de emergência(1). Entre as principais etiologias destacam-se varizes esofágicas e gástricas, úlceras gástricas e neoplasias do trato gastrintestinal. Sangramentos originados de malformações arteriovenosas (MAVs) no estômago foram raramente descritas na literatura mundial(2,3). Neste artigo descrevemos um caso de paciente admitido com hematêmese e melena recorrentes, sem elucidação diagnóstica pela endoscopia digestiva alta (EDA), cuja angiografia irevelou MAV na grande curvatura do estômago. O tratamento da hemorragia foi realizado por meio de embolização arterial. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 55 anos de idade, negro, foi admitido na emergência com hematêmese e melena de início havia cinco horas. Nos antecedentes pessoais, relatou que era portador de hipertensão arterial, em tratamento medicamentoso, e que apresentou três episódios de hematêmese de pequena monta no último ano, controlados com tratamento clínico. Sem outras comorbidades conhecidas. Após estabilização hemodinâmica, foi submetido a EDA, que revelou gastrite erosiva moderada de corpo e fundo. Durante a internação apresentou novos episódios de hematêmese (hemoglobina: 4,3 g/dl; hematócrito: 11,8%), evoluindo com choque hipovolêmico. EDAs repetidas não identificaram a origem do sangramento digestivo. Em face da persistência do quadro hemorrágico (hemoglobina: 6,6 g/dl; hematócrito: 18,5%), o paciente foi submetido a angiotomografia abdominal e angiografia do tronco celíaco, que demonstraram presença hede MAV com nidus plexiforme, localizada na parede da grande curvatura do estômago, nutrida principalmente pelas artérias gástricas curtas e também pela gástrica esquerda, com drenagem para a veia esplênica, onde foi evidenciado, ainda, aneurisma no coletor venoso (Figura 1). Figura 1. A: Arteriografia seletiva da artéria esplênica mostrando malformação arteriovenosa nutrida pelas gástricas curtas (seta). B: Reconstrução volume rendering angio-CT: observa-se enchimento venoso precoce da veia esplênica, com aneurismas venosos (seta). Após a angiografia, optou-se pela embolização das artérias nutridoras da MAV. O procedimento foi realizado via transfemoral direita, puncionada à Seldinger. Inicialmente, foi colocado transdutor valvulado 6F, seguido de cateterismo seletivo do tronco celíaco e da artéria esplênica com manobra de troca sobre fio-guia hidrofílico 260 cm, realizada com cateter-guia 6F curva cobra 2. Em sequência, foi feito cateterismo superseletivo dos pedículos arteriais da MAV da parede gástrica (gástricas curtas) com microcateter SL 1018, auxiliado por microguia transend 0,014. Foi realizada oclusão desses ramos arteriais com seis micromolas GDC e um Nester, seguida de infusão de N-butilcianoacrilato (NBCA) com lipiodol (Figura 2). Figura 2. Controle angiográfico pós-embolização das artérias gástricas curtas. Observa-se exclusão angiográfica do shunt (seta). No dia seguinte ao procedimento, o paciente apresentou novo episódio de hematêmese, sendo submetido a nova EDA, que não identificou a origem do sangramento. Decidiu-se pela embolização completa da artéria gástrica esquerda. O procedimento foi realizado com a mesma técnica anteriormente descrita (Seldinger), usando-se micromolas e NBCA para oclusão do vaso arterial (Figuras 3 e 4). Figura 3. Controle angiográfico pós-embolização da artéria gástrica esquerda, com exclusão angiográfica do shunt (setas). Figura 4. Angiotomografia MPR, cortes axial e coronal mostrando controle pós-tratamento com embolização da MAV (setas). Sem outros episódios de hematêmese, o paciente recebeu alta hospitalar. Atualmente encontra-se assintomático, com níveis hematimétricos normais. DISCUSSÃO MAV é uma lesão congênita em que se observam conexões persistentes entre os componentes arteriais e venosos, originados de falha embriológica na formação vascular da região acometida(4). Descrevemos um caso de paciente do sexo masculino, 55 anos de idade, com sangramento digestivo tratado por meio de embolização. A literatura revela igual distribuição entre os sexos dessa malformação, idade média ao diagnóstico de 56 anos, com 75% dos pacientes entre 50 e 80 anos, dados compatíveis com os deste relato(5). Clinicamente, as lesões de MAV no trato gastrintestinal podem ser assintomáticas, assim como manifestar-se por hematêmese, melena ou anemia ferropriva. Devese suspeitar da presença de MAV nos pacientes com difícil localização da origem do sangramento pela EDA(1,6,7). No manejo desses pacientes, a endoscopia é o exame mais utilizado, reservando-se a angiotomografia e a angiografia para os casos de difícil elucidação diagnóstica. Atualmente, em razão da maior disponibilidade destas técnicas, o diagnóstico e tratamento das MAVs tem-se tornado mais eficaz(1). MAV do trato gastrintestinal foi determinada como a causa mais comum de hemorragia crônica e maciça quando ferramentas de diagnóstico convencionais falharam em revelar a causa do sangramento(8). No presente caso, sucessivas EDAs não detectaram o foco de sangramento, assim como observado em outros casos na literatura(1,3,8), comprovando a dificuldade no diagnóstico desta afecção por meio da endoscopia. Angiotomografia e angiografia do tronco celíaco identificaram prontamente MAV de parede gástrica no nosso paciente. Deve ser feito diagnóstico diferencial dos achados arteriográficos com doenças como câncer gástrico, hemangioma e leiomiossarcoma(5,9). Segundo Latar et al., o sítio de sangramento pode ser determinado com precisão por angiografia seletiva, a qual apresenta precisão diagnóstica de 50% a 75%, mas que pode chegar de 90% se o procedimento é realizado enquanto o paciente está sangrando ativamente(5). Os exames realizados no nosso paciente identificaram que o suprimento arterial da MAV descrita era feito pelas artérias gástricas curtas e gástrica esquerda, com drenagem venosa para a veia esplênica. Havia relato de manifestações anteriores menos significativas de hematêmese, podendo-se inferir que este era um defeito congênito. O tratamento por embolização tem ganhado grande destaque nas últimas décadas, oferecendo boa chance de controle do sangramento(2,7,10). Um estudo europeu observou controle do sangramento digestivo alto com embolização arterial em 88% dos pacientes encaminhados ao serviço de radiologia intervencionista, sendo que, em 77% dos casos, o objetivo foi alcançado com apenas um procedimento(10). Quanto aos pacientes com sangramento digestivo baixo, o sucesso da técnica foi alcançado em 78% dos casos(10). No caso ora em discussão, o sangramento não foi completamente controlado após o primeiro procedimento, fato que provavelmente ocorreu por causa das grandes dimensões da MAV, que apresentava mais de uma fonte nutridora, dificultando a terapia. Com a decisão de realizar uma segunda intervenção, com oclusão da artéria gástrica esquerda, obteve- se sucesso absoluto no controle da hemorragia. A técnica usada no tratamento foi a mesma estabelecida para o controle de sangramentos digestivos de outras etiologias: embolização superseletiva com oclusão do ramo arterial do segmento do trato digestivo sangrante, com micromolas e NBCA, por meio de cateterismo seletivo de tronco celíaco ou artéria mesentérica, dependendo da localização do sangramento(11). A complicação mais temida das embolizações no trato gastrintestinal é a isquemia intestinal, sendo descritas taxas de 14% a 20% na literatura(10). A taxa de sangramento no pósoperatório imediato e tardio varia de 5% a 37%, sendo importante o seguimento em longo prazo desses pacientes. Esta complicação pode ser secundária a ressecção inicial incompleta ou a MAV metacrônica, que têm sido relatados em 11% dos casos(8). Nosso paciente evoluiu favoravelmente, sem complicações e com controle total do sangramento. Neste caso, mesmo com a decisão de embolizar toda a artéria gástrica esquerda, não houve comprometimento da vascularização do estômago, por conta do grande número de anastomoses arteriais deste órgão, que permaneceu adequadamente perfundido no pós-operatório. A embolização percutânea representa uma opção de tratamento menos invasiva em casos de hemorragias no trato gastrintestinal, que pode ser usada nos pacientes que não tiveram o sangramento controlado pela EDA(2,4,12). REFERÊNCIAS 1. Elazary R, Verstandig A, Rivkind AI, et al. Gastric arterio-venous malformation emerging from splenic artery. World J Gastroenterol. 2008;14:4091–2. 2. Ibrahim AS, Allangawi MH, al-Muzrakchi AM. Massive bleeding from an arteriovenous malformation in the gastric fundus following gastric biopsy treated by embolisation. Int J Clin Pract. 2003;57:354–5. 3. Khan MI, Baqai MT, Baqai MF, et al. Exsanguinating upper GI bleeds due to unusual arteriovenous malformation (AVM) of stomach and spleen: a case report. World J Emerg Surg. 2009;4:15. 4. Vaccaro P, Zollinger RW 3rd, Sharma H, et al. Massive upper gastrointestinal hemorrhage from an arteriovenous malformation of the stomach. J Clin Gastroenterol. 1985;7:285–8. 5. Latar NH, Phang KS, Yaakub JA, et al. Arteriovenous malformation of the stomach: a rare cause of upper gastrointestinal bleeding. Med J Malaysia. 2011;66:142–3. 6. Lewis TD, Laufer I, Goodacre RL. Arteriovenous malformation of the stomach. Radiologic and endoscopic features. Am J Dig Dis. 1978;23:467–71. 7. Cavett CM, Selby JH, Hamilton JL, et al. Arteriovenous malformation in chronic gastrointestinal bleeding. Ann Surg. 1977;185:116–21. 8. Ng SC, Thomas-Gibson S, Harbin LJ, et al. Gastric arteriovenous malformation: a rare cause of upper GI bleed. Gastrointest Endosc. 2009;69:155–6. 9. Wato M, Inaba T, Ishikawa S, et al. A case of gastric arteriovenous malformation forming faded depression. Nihon Shokakibyo Gakkai Zasshi. 2006;103:438–43. 10. Krämer SC, Görich J, Rilinger N, et al. Embolization for gastrointestinal hemorrhages. Eur Radiol. 2000;10:802–5. 11. Pitta GBB, Silva CRA. Radiologia vascular e intervencionista na urgência. In: Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado. [acessado em 15 de fevereiro de 2011]. Disponível em: http://www.lava.med.br/livro 12. Charbonnet P, Toman J, Bühler L, et al. Treatment of gastrointestinal hemorrhage. Abdom Imaging.2005;30:719–26. 1. Médica, São Luís, MA, Brasil. 2. Especialista em Neurorradiologia Terapêutica, Médico Radiologista do Instituto de Radiologia São Luís, São Luís, MA, Brasil. 3. Especialistas em Radiologia, Médicos Radiologistas do Instituto de Radiologia São Luís, São Luís, MA, Brasil. Endereço para correspondência: Dra. Karenn Barros Bezerra Rua das Cegonhas, lote 4, quadra 14, Condomínio Portal do Atlântico, casa 16, Bairro Olho D'Água São Luís, MA, Brasil, 65065-100 E-mail: karennbezerra@hotmail.com Recebido para publicação em 17/6/2011. Aceito, após revisão, em 4/11/2011. Trabalho realizado no Instituto de Radiologia São Luís, São Luís, MA, Brasil. |