INTRODUÇÃO
Rara doença da infância, a miofibromatose infantil foi descrita por Stout, em 1954, como fibromatose generalizada congênita( 1). Classicamente, apresenta-se com massas nodulares solitárias ou multicêntricas, que surgem nos primeiros meses de vida e envolvem pele e subcutâneo, ossos ou vísceras(1–3).
O objetivo do presente relato é revisar os achados desta rara doença e enfatizar que o diagnóstico desta afecção deve ser agilizado, a qual se reveste de importante morbidade.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, três meses de idade, apresentou-se com vômitos incoercíveis desde o nono dia de vida. Evoluiu com perda ponderal importante e surgimento progressivo de nódulos na pele, notadamente no couro cabeludo e tronco (Figura 1A).
Figura 1.
A: Inúmeros nódulos no subcutâneo do tronco e couro cabeludo.
B: Lâmina do nódulo visceral biopsiado evidencia células musculares e fibroblastos.
Procedeu-se a investigação de obstrução intestinal alta com estudo contrastado do esôfago, estômago e duodeno, sendo evidenciado estreitamento, de aspecto extrínseco, na região pilórica. O paciente foi submetido a laparotomia exploradora, que evidenciou massa adjacente ao piloro, que foi biopsiada. O estudo histopatológico revelou células em fuso, característica das células musculares, entremeadas por fibroblastos, confirmando o diagnóstico de miofibromatose infantil (Figura 1B).
Seguindo a propedêutica das lesões, foi realizada ultrassonografia, que demonstrou nódulos hipoecoicos difusos, com centro mais ecogênico acometendo o subcutâneo do tronco, o couro cabeludo (Figura 2A) e a parede da vesícula biliar (Figura 2B). Tomografia computadorizada demonstrou lesões discretamente hipodensas com impregnação homogênea tardia pelo meio de contraste (Figura 3). A ressonância magnética (RM) evidenciou nódulos no subcutâneo, intramusculares e viscerais, que exibiam hipossinal nas sequências ponderadas em T1 (Figura 4A), hipersinal variável nas sequências ponderadas em T2 (Figura 4B) e que apresentavam impregnação periférica pelo meio de contraste paramagnético (Figura 4C).
Figura 2. Ultrassonografia.
A: Nódulos hipoecoicos no subcutâneo e com centro hiperecoico, causando abaulamento da pele.
B: Imagem nodular parietal na vesícula biliar de aspecto iso a hiperecoico.
Figura 3. Tomografia computadorizada.
A: Nódulo hipodenso na região occipital esquerda.
B: Aspecto do realce tardio na região central dos nódulos.
Figura 4. Ressonância magnética.
A: Imagem no plano axial T1 evidencia nódulo dorsal que exibe iso/hipossinal.
B: Imagem no plano coronal T2 com saturação de gordura mostra nódulo profundo com franco hipersinal.
C: Imagem no plano axial ponderada em T1, após a administração do gadolínio, revela realce periférico dos nódulos no subcutâneo.
DISCUSSÃO
A patogênese da fibromatose generalizada ainda é desconhecida, mas existem relatos da associação com receptores de estrogênio(4). É classificada em três tipos: fibromatose solitária, congênita generalizada, mas sem envolvimento visceral, e congênita generalizada com envolvimento cutâneo e visceral(5). A maioria dos casos é esporádica, mas existem relatos de ocorrência familiar nas três formas da doença, postulando-se uma possível herança genética autossômica, dominante ou recessiva, havendo predileção pelo sexo masculino(3). O diagnóstico diferencial é amplo e deve incluir outros tipos de fibromatose, fibrossarcoma infantil congênito, hemangiopericitoma, tumores miofibroblásticos, neurofibromas, leiomiomas e fasciite nodular(6,7).
Os achados de imagem do presente caso estão em acordo com os descritos nos demais relatos da literatura, contudo, deve-se considerar a extensão da lesão, que poderá se apresentar, inclusive, com degeneração central, nos casos de massas maiores. A RM impõe-se como o melhor método para avaliar a extensão e o acometimento visceral por esta desordem.
O tratamento ainda é controverso e inclui cirurgia para os casos obstrutivos, como o deste relato, radioterapia, corticoterapia e quimioterapia, todos ainda com resultados limitados(6). O prognóstico é menos favorável quando há envolvimento visceral(3). O paciente encontra-se em regime de quimioterapia e vem apresentando importante melhora clínica e radiológica das lesões. Apresenta boa evolução ponderal, destacando- se a importância dos métodos de imagem na identificação de inúmeras lesões ainda não visíveis ao exame físico, assim como a relação delas com estruturas anatômicas.
Dessa forma, em conjunto com o diagnóstico histopatológico, pode-se estabelecer o estadiamento/classificação da doença e adotar o tratamento mais adequado desta rara entidade patológica. Conclui-se que é de fundamental importância conhecer os achados radiológicos característicos desta entidade, uma vez que faz diagnóstico diferencial com desordens comuns em crianças.
REFERÊNCIAS
1. Stout AP. Juvenile fibromatosis. Cancer. 1954;7:953–78.
2. Dimson OG, Drolet BA, Southern JF, et al. Congenital generalized myofibromatosis in a neonate. Arch Dermatol. 2000;136:597–600.
3. Robbin MR, Murphey MD, Temple T, et al. Imaging of musculoskeletal fibromatosis. Radiographics. 2001;21:585–600.
4. Chapman PR, Judd CD, Felgenhauer JL, et al. Infantile myofibromatosis of the posterior fossa. AJR Am J Roentgenol. 2005;184:1310–2.
5. Thunnissen BT, Bax NM, Rövekamp MH, et al. Infantile myofibromatosis: an unusual presentation and a review of the literature. Eur J Pediatr Surg. 1993;3:179–81.
6. Kuo FY, Huang SC, Eng HL, et al. Solitary infantile myofibromatosis: report of two cases. Chang Gung Med J. 2002;25:393–8.
7. Schmidt D. Fibrous tumors and tumor-like lesions of childhood: diagnosis, differential diagnosis, and prognosis. Curr Top Pathol. 1995;89:175–91.
1. Médicas Residentes em Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.
2. Radiologista, Médico Assistente do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória, ES, Brasil.
Endereço para correspondência:
Dra. Bruna Emmanuelle Linhares Fonseca Mata
Avenida Rio Branco, 1512, ap. 1003, Praia do Canto
Vitória, ES, Brasil, 29055-642
E-mail: brunaemmanuelle@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 1/9/2011.
Aceito, após revisão, em 10/11/2011.
Trabalho realizado no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória e no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes, Vitória, ES, Brasil.