Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 45 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2012

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 83 to 86



Doses extracranianas em pacientes submetidos a radiocirurgia estereotáxica para tumores cerebrais

Autho(rs): Maria da Salete Fonseca dos Santos Lundgren1; Helen Jamil Khoury2; Sérgio Azevedo3

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Texto em Português English Text

Descritores: Tumor cerebral; Radioterapia; Radiocirurgia; Dosimetria.

Keywords: Brain tumor; Radiotherapy; Radiosurgery; Dosimetry.

Resumo:
OBJETIVO: Estimar a dose extracraniana nos olhos, tireoide, tórax e pelve em pacientes submetidos a radiocirurgia com acelerador linear de 6 MV.
MATERIAIS E MÉTODOS: Foram avaliados 11 pacientes com tumores cerebrais primários (7 pacientes) e secundários (4 pacientes), sendo que dois destes apresentavam duas lesões. Para a estimativa da dose extracraniana, foram utilizados dosímetros termoluminescentes. Foram utilizados cones de 1,50 a 3,75 cm e as doses de radiação variaram de 1300 a 2000 cGy.
RESULTADOS: A idade média dos pacientes foi de 52 anos, sendo 63,6% do sexo feminino e 36,4% do sexo masculino. As localizações das lesões foram: nervo acústico direito (1), frontal (2), parietal (5), occipital direito (1), cerebelar (2) e parassagitais (2). Os valores médios das doses recebidas na região entre os olhos foram de 5,1 cGy; no olho direito, de 4,8 cGy; no olho esquerdo, de 6,5 cGy; na tireoide, de 4,2 cGy; no tórax, de 1,65 cGy; e na pelve, de 0,45 cGy.
CONCLUSÃO: Estes resultados mostram que embora as doses não ultrapassem os limites de tolerância para ocorrência da opacidade do cristalino, é importante que os médicos radioterapeutas considerem os riscos de dose de radiação nessas regiões durante o planejamento de procedimentos de radiocirurgia craniana.

Abstract:
OBJECTIVE: To estimate extracranial doses on eyes, thyroid, chest and pelvis in patients submitted to radiosurgery with 6 MV linear accelerator.
MATERIALS AND METHODS: The present study evaluated 11 patients, 7 of them with primary, and 4 with secondary brain tumors. In the latter group, 2 patients had two lesions. Thermoluminescent dosimeters were utilized to estimate the extracranial dose. Radiosurgery cones ranges between 1.50 and 3.75 cm and doses between 1300 and 2000 cGy.
RESULTS: Mean patients' age was 52 years, and 63.6% of them were women and 36.4%, men. Lesion locations were the following: right acoustic nerve (1), frontal (2), parietal (5), right occipital (1), cerebellum (2) and parasagittal (2). Mean received doses were the following: 5.1 cGy between the eyes; 4.8 cGy in the right eye; 6.5 cGy in the left eye; 4.2 cGy in the thyroid; 1.65 cGy in the chest; and 0.45 cGy in the pelvis.
CONCLUSION: The results demonstrate that that although the eye doses do not exceed the tolerance limits for occurrence of lens opacity, it is important that the risks associated with radiation doses are taken into consideration by radiotherapists in the planning of cranial radiosurgery procedures.

INTRODUÇÃO

A radiocirurgia estereotáxica craniana consiste na administração de altas doses de radiação ionizante em um alvo intracraniano, estereotaxicamente definido. Este procedimento é utilizado para o tratamento de lesões pequenas, de dimensões inferiores a 4 cm. O procedimento é realizado utilizando- se feixes de radiação gama (cobalto- 60) ou feixes de raios X de alta energia (acelerador linear)(1,2). A vantagem deste tipo de procedimento é a aplicação de altas doses de radiação no alvo a ser tratado, com o mínimo de radiação para as estruturas vizinhas(3). Entretanto, partes do corpo do paciente, fora da área de tratamento, podem receber radiação secundária devido aos espalhamentos por partes do aparelho e paredes da sala, vazamentos de radiação através da blindagem do cabeçote do equipamento, do espalhamento nos colimadores, bem como devido ao espalhamento no próprio paciente(4,5). A estimativa da dose recebida pelo paciente em órgãos extracranianos é importante, principalmente para os pacientes submetidos a radiocirurgia e que têm longa expectativa de vida. Efeitos secundários decorrentes da radiação podem se manifestar, especialmente nos casos de pacientes pediátricos e dos portadores de doenças cerebrais benignas.

É importante ressaltar que a dosimetria no paciente submetido a radiocirurgia é de fundamental importância, pela possibilidade de ocorrência de efeitos biológicos. Os olhos merecem especial atenção, pela possibilidade de opacificação do cristalino, pois o limiar para a radioindução da catarata é de apenas 0,5 Gy, em exposições agudas e fracionadas(6–9).

O objetivo deste trabalho é estimar a dose recebida em órgãos e regiões extracranianas como olhos, tireoide, tórax e pelve.


MATERIAIS E MÉTODOS

Neste estudo foram acompanhados 11 pacientes submetidos a radiocirurgia no Instituto de Radioterapia Waldemir Miranda – Centro de Radiocirurgia de Pernambuco, utilizando acelerador linear Varian Clinac 600C de 6 MV, com o sistema de radiocirurgia de colimadores circulares da Radionics. Foram sete pacientes do sexo feminino e quatro do sexo masculino, cuja idade mínima foi de 26 anos e a idade máxima, de 83 anos. Os pacientes foram tratados em razão de tumores cerebrais primários (sete) e de tumores cerebrais secundários (quatro). Dos quatro pacientes com tumores secundários, dois apresentaram duas lesões cerebrais.

Para a estimativa da dose em regiões extracranianas, foram utilizados dosímetros termoluminescentes TLD-100 e encapsulados aos pares em envelopes de plástico, que foram identificados com números. Para cada paciente, e para cada lesão tratada, foram colocados envelopes contendo os dosímetros nas seguintes regiões: entre os olhos, nos cantos externos dos olhos direito e esquerdo, na região da tireoide, no tórax (terço inferior do esterno) e na pelve (região hipogástrica). Após o posicionamento dos dosímetros, em função da localização e dimensão do tumor do paciente, foi realizado o tratamento, tendo sido utilizadas doses de tratamento que variaram de 1300 cGy a 2000 cGy. Os diâmetros dos cones utilizados variaram de 1,50 cm a 3,75 cm. O número de campos (arcos) variou de 3 a 6 e as angulações do cabeçote do acelerador variaram de 45° a 150°. Ao término da radiocirurgia, os TLDs foram retirados do paciente e levados ao Laboratório de Dosimetria Termoluminescente do Grupo de Dosimetria e Instrumentação Nuclear do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco, para leitura. Como cada envelope continha dois dosímetros, obtiveram-se duas leituras para cada ponto. O valor médio foi determinado e foi obtida a leitura líquida subtraindo-se a leitura do dosímetro não irradiado (leitura de branco). O valor da leitura líquida obtida em cada ponto foi convertido em dose utilizando-se a curva de calibração dos dosímetros, previamente determinada com a irradiação de dosímetros no acelerador linear, com doses conhecidas. Todos os pacientes foram informados deste estudo e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.


RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as características de todos os pacientes avaliados neste trabalho, bem como a localização dos tumores. Observa-se, pelos dados, que a idade média dos pacientes foi de 52 anos, sendo 63,6% do sexo feminino e 36,4% do sexo masculino.




A Tabela 2 mostra a localização dos tumores, o tamanho do cone utilizado, os valores das doses totais do tratamento, bem como os valores das doses encontradas nas regiões extracranianas analisadas, que foram as seguintes: entre os olhos, canto externo do olho direito, canto externo do olho esquerdo, tireoide, tórax (entre as mamas) e pelve (abaixo da cicatriz umbilical). As localizações das lesões nos pacientes foram: nervo acústico direito (1), frontal (2), parietal (5), occipital direito (1), cerebelar (2) e parassagital (2), que são regiões em que os tumores cerebrais são normalmente encontrados.




A Figura 1 mostra a distribuição dos valores das doses de radiação recebidas nas regiões extracranianas de acordo com o gráfico de Box & Whiskers. Neste tipo de gráfico as extremidades do retângulo representam o primeiro e o terceiro quartis da distribuição de frequência dos dados, e a barra que corta o retângulo representa a mediana. O extremo inferior representa o valor mínimo, e o superior, o valor máximo. Os círculos externos são os pontos fora da distribuição (outliers) do conjunto de dados que, geralmente, são representados no gráfico, mas não são computados nos cálculos, da média ou da mediana.


Figura 1. Distribuição das doses de radiação nas regiões extracranianas. (OC, entre os olhos; OD, olho direito; OE, olho esquerdo; Tir, tireoide).



A Tabela 3 expõe os valores médios e o desvio-padrão para as doses obtidas nos diferentes pontos extracranianos analisados.




DISCUSSÃO

A idade média dos pacientes é similar à encontrada em trabalho de Yu et al.(5), que estudaram a dose extracraniana em 104 pacientes, com radiocirurgia com Gamma Knife. Pelos resultados, observa-se que o valor médio das doses de radiação recebidas pela região entre os olhos foi de 5,1 cGy, com um valor de dose máximo de 17,46 cGy. Para a região do olho direito, a dose média foi de 4,8 cGy e a dose máxima foi de 12,06 cGy. O olho esquerdo recebeu dose média de 6,5 cGy e dose máxima de 32,3 cGy. A dose nos olhos, como era esperado, depende da posição do órgão em relação ao feixe primário de radiação. A análise dos dados mostrou que o valor médio da dose nos olhos na região ipsilateral à lesão foi de 5,3 ± 2,4 (cGy) e na região dos olhos contralateral à lesão foi de 3,9 ± 1,1 (cGy). Estes resultados estão similares aos encontrados por Ma et al.(7), que registraram valor médio de dose na região dos olhos ipsilateral à lesão de 7,6 ± 0,6 (cGy), e inferiores aos resultados encontrados por esses autores para a região dos olhos contralateral à lesão, que foi de 6,9 ± 0,6 (cGy). É importante observar que no nosso estudo houve um paciente que apresentou dose na região do olho ipsilateral à lesão de 32,3 cGy, que foi retirado dos cálculos do desvio-padrão acima apresentados, porque estava muito fora dos demais valores encontrados. Esta dose de radiação, neste caso, pode ser justificada pela proximidade do olho esquerdo com a área tratada, a dose total de radiação empregada e a angulação dos arcos utilizada. Os valores das doses encontradas estão similares com os da literatura e apresentam valores abaixo do limiar para a ocorrência de opacidade no cristalino humano, que é de 0,5 a 2,0 Gy, para exposição única(9). Trabalho de Yu et al.(5) apresentou valores médios de 24 cGy na região lateral dos olhos para 104 pacientes submetidos a radiocirurgia com Gamma Knife. Trabalho de Novotný Jr et al.(10) também mostra valores médios das doses na região dos olhos de 22 cGy.

No caso da tireoide, o valor de dose média encontrado neste foi de 4,2 cGy, com valor máximo de 12,6 cGy. A análise dos dados da Tabela 2 mostra que a dose na tireoide varia em função da localização da lesão, sendo que tumores na região cerebelar resultam em maior dose na região da tireoide. Estes valores são similares aos encontrados por Novotný Jr et al.(10) e Yu et al.(11) e inferiores aos encontrados por Yu et al. em trabalho realizado em 1997(5). O valor de dose média na região do tórax foi de 1,65 cGy, e de dose máxima de 3,71 cGy; para a região da pelve, o valor médio foi de 0,45 cGy e o máximo de 1,54 cGy.


CONCLUSÕES

Os valores das doses de radiação encontrados neste estudo nas regiões extracranianas avaliadas são menores que os valores encontrados na literatura para estudos com tratamentos com radiocirurgia craniana com Gamma Knife. Os valores de doses em regiões extracranianas do paciente chegam à ordem de 30 cGy na região dos olhos e de 12 cGy na região da tireoide. A dose na tireoide varia em função da localização da lesão, sendo que os tumores na região cerebelar resultam em maior dose na tireoide. Estes resultados mostram que embora as doses nos olhos não ultrapassem os limites de tolerância para a ocorrência de opacidade do cristalino, é importante que os médicos radioterapeutas considerem os riscos de dose de radiação nestas regiões durante o planejamento de procedimentos de radiocirurgia craniana.


REFERÊNCIAS

1. Cruz JC, Salvajoli JV, Weltman E, et al. Controle de qualidade em radiocirurgia. Radiol Bras. 1997;30:163–70.

2. Cruz JC, Segreto RA, Segreto HRC. Estudo dosimétrico de campos pequenos de raios X utilizados em radiocirurgia com um acelerador linear de 6 MV. Rev Imagem. 2003;25:257–67.

3. Souza CH, Monti CR. Dosimetria dos cones radiocirúrgicos Radionics de diâmetros de 5 mm a 50 mm para um feixe de 6 MV de um acelerador linear Mevatron MD digital. Radiol Bras. 2001;34:95–100.

4. Kase KR, Svensson GK, Wolbarst AB, et al. Measurements of dose from secondary radiation outside a treatment field. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1983;9:1177–83.

5. Yu C, Luxton G, Apuzzo ML, et al. Extracranial radiation doses in patients undergoing gamma knife radiosurgery. Neurosurgery. 1997;41:553–9.

6. Liang CL, Ho MW, Lu K, et al. An investigation of eye lens dose of stereotactic radiosurgery for trigeminal neuralgia using Leksell Gamma Knife model C. J Neurosurg. 2006;105 Suppl:112–6.

7. Ma L, Chin L, Sarfaraz M, et al. An investigation of eye lens dose for gamma knife treatments of trigeminal neuralgia. J Appl Clin Med Phys. 2000;1:116–9.

8. International Commission on Radiological Protection. The 2007 Recommendations of the International Commission on Radiological Protection. ICRP Publication 103. Ann ICRP. 2007;37:1–332.

9. International Commission on Radiological Protection. ICRP ref 4825-3093-1464. Statement on tissue reactions. Approved by the Commission on April 21, 2011.

10. Novotný J Jr, Novotný J, Hobzová L, et al. Transportation dose and doses to extracranial sites during stereotactic radiosurgery with the Leksell Gamma Knife. Stereotact Funct Neurosurg. 1996;66:170–83.

11. Yu C, Joszef G, Apuzzo ML, et al. Fetal radiation doses for model C gamma knife radiosurgery. Neurosurgery. 2003;52:687–93.










1. Doutora, Médica Radioterapeuta do Instituto de Radioterapia Waldemir Miranda, Chefe do Setor de Radioterapia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife, PE, Brasil.
2. Doutora, Professora Titular do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil.
3. Físico Médico do Instituto de Radioterapia Waldemir Miranda, Recife, PE, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dra. Maria da Salete Fonseca dos Santos Lundgren
Instituto de Radioterapia Waldemir Miranda
Rua Pacífico dos Santos, 60, Derby
Recife, PE, Brasil, 52010-030
E -mail: lundgrensalete@gmail.com

Recebido para publicação em 7/6/2011.
Aceito, após revisão, em 10/2/2012.

Trabalho realizado no Instituto de Radioterapia Waldemir Miranda, Recife, PE, Brasil.
 
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