Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 45 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2012

RELATO DE CASO
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Page(s) 59 to 60



Bilioma espontâneo: relato de caso e revisão da literatura

Autho(rs): Pedro Augusto Mânica Gössling1; Giordano Rafael Tronco Alves2; Régis Vinícius de Andrade Silva3; José Roberto Missel Corrêa3; Henrique Ferreira Marques2; Carlos Jesus Pereira Haygert4

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Texto em Português English Text

Descritores: Bilioma; Coledocolitíase; Retroperitônio.

Keywords: Biloma; Choledocolithiasis; Retroperitoneum.

Resumo:
Bilioma é qualquer coleção de bile fora das vias biliares. Geralmente, resulta de complicações cirúrgicas e trauma abdominal. A ocorrência espontânea é rara, ocasionalmente associada a coledocolitíase. Relata-se um caso de bilioma espontâneo, cujo diagnóstico foi confirmado radiologicamente. À laparotomia, observou-se bilioma retroperitoneal. A colangiografia transoperatória não evidenciou fístula. Após drenagem, o paciente teve boa evolução e alta hospitalar.

Abstract:
Biloma is defined as any collection of bile outside the biliary tree, usually resulting from surgery complications and abdominal trauma. Spontaneous occurrence of bilomas is rare, occasionally associated with choledocolithiasis. The present report describes a case of spontaneous biloma, whose diagnosis was radiologically confirmed. At laparotomy, the presence of a retroperitoneal biloma was observed. Intraoperative cholangiography has not demonstrated the presence of fistula. After drainage, the patient progressed well and was discharged.

INTRODUÇÃO

Define-se bilioma a coleção de bile, encapsulada ou não, fora das vias biliares, de localização intra ou extra-hepática, sendo geralmente resultante de iatrogenia ou trauma abdominal(1,2). O termo foi primeiramente empregado por Gould e Patel, em 1979(3); no entanto, há descrições dessa entidade desde o século 19(4). O rompimento espontâneo da árvore biliar é raro, e por vezes associado a coledocolitíase(1,5). A atividade detergente dos ácidos biliares provoca inflamação crônica, que, por sua vez, causa adesões, levando ao possível aspecto loculado da coleção(2). Clinicamente, pode haver dor abdominal, distensão, peritonite, icterícia e, em casos mais graves, sepse(1,2,5,6). O tempo médio entre início dos sintomas e diagnóstico é de uma a duas semanas(2). Dada sua raridade, apresentamos o presente caso e revisamos esta entidade clínica.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 55 anos de idade, previamente hígido, apresentou há 15 dias dor no hipocôndrio direito, além de acolia e colúria. Ao exame físico, encontrava-se ictérico (3+/4+) e afebril. A avaliação laboratorial incluiu: gama-GT: 323 U/L, bilirrubina direta: 7,08 mg/dl, lipase: 195 U/L. O exame microbiológico revelou-se negativo. A ultrassonografia (US) evidenciou dilatação biliar, coledocolitíase e coleção renal à direita. Punção lombar guiada pela US revelou material espesso, esverdeado, sugerindo bile. A tomografia computadorizada (TC) confirmou espessamento, dilatação biliar e coleções perirrenal e retroperitoneal à direita (Figura 1A). O paciente foi submetido a laparotomia, pela qual se confirmou a descrição tomográfica de coleção retroperitoneal, com bile, dissecando o plano posterior ao mesocólon até a pelve (Figura 1B). A colangiografia transoperatória detectou cálculos, mas não evidenciou fístula. Após remoção dos cálculos e drenagem do bilioma, o paciente evoluiu bem e teve alta hospitalar em 18 dias.


Figura 1. A: Tomografia computadorizada evidenciando dilatação biliar e coleções isodensas nos espaços perirrenal (seta branca) e retroperitoneal (seta preta), ambas à direita. B: Tomografia computadorizada demonstrando dissecção do espaço retroperitoneal pelo bilioma, destacando-se sua extensão pélvica, em contato com o músculo psoas (seta), à direita.



DISCUSSÃO

A descrição e relatos de casos de bilioma mostram-se infrequentes na literatura médica. A maioria envolve a formação da coleção após complicações cirúrgicas da árvore biliar ou trauma abdominal(1,6,7). Os biliomas decorrentes de perfurações iatrogênicas aumentaram de 0,1% para 0,3—1,5% com o advento da técnica laparoscópica(2).

Casos de bilioma espontâneo são ainda mais raros. Quando ocorrem, são mais comumente descritos em crianças, decorrentes de malformações biliares congênitas, ou associados a coledocolitíase em adultos(3,7), conforme descrito no presente relato. Alguns casos de bilioma espontâneo em gestantes também têm sido descritos(7). De acordo com nossa revisão, este é o primeiro relato de bilioma espontâneo na literatura brasileira. Causas menos comuns incluem infarto hepático, abscesso, neoplasias e tuberculose extrapulmonar(1,5).

Não existe consenso sobre os mecanismos pelos quais a bile atinge o retroperitônio(1—4). Uma hipótese seria a perfuração dos dois terços inferiores do colédoco (porção retroperitoneal), enquanto outra resultaria da adesão da vesícula biliar ao peritônio parietal posterior, com inflamação crônica e perfuração subsequente(2,4,5). Acreditamos que o presente caso tenha ilustrado este segundo mecanismo.

A US, geralmente, é o primeiro exame que detecta a presença do bilioma. No entanto, a TC demonstra maior acurácia em determinar as possíveis causas, bem como a relação da coleção com as estruturas adjacentes(1,3).

Os diagnósticos diferenciais incluem cistos, seromas, pseudocistos, hematomas, linfocele e abscessos hepáticos(1,5,6). No caso ora relatado, a presença de síndrome ictérica e coledocolitíase sugeriu o diagnóstico de bilioma. A punção percutânea guiada radiologicamente, como realizado neste caso por meio da US, auxilia no diagnóstico e tratamento(1—3,5,6). As análises bioquímica e microbiológica permitem diferenciar causas infecciosas de outras etiologias(1,5,6).

O tratamento conservador inclui hidratação intravenosa e antibioticoterapia (especialmente se houver sepse)(1,2,5). Em pacientes assintomáticos com pequenas coleções (menores que 4 cm), propõe-se o seguimento do paciente, dispensando-se intervenções(2). Entretanto, a maioria dos casos exige alguma modalidade terapêutica. Para tanto, a drenagem percutânea tem sido proposta como primeira opção(1). Não havendo resolução, pode-se realizar colangiopancreatografia endoscópica retrógrada e esfincteretomia, com ou sem colocação de stent(1—3,5,6).


REFERÊNCIAS

1. Bas G, Okan I, Sahin M, et al. Spontaneous biloma managed with endoscopic retrograde cholangio­pancreatography and percutaneous drainage: a case report. J Med Case Reports. 2011;5:3.

2. Kannan U, Parshad R, Regmi SK. An unusual presentation of biloma five years following cholecystectomy: a case report. Cases J. 2009;2:8048.

3. Akhtar MA, Bandyopadhyay D, Montgomery HD, et al. Spontaneous idiopathic subcapsular biloma. J Hepatobiliary Pancreat Surg. 2007;14:579—81.

4. Kaushik R, Attri AK. Choleretroperitoneum — an unusual complication of cholelithiasis. Indian J Surg. 2004;66:358—60.

5. Lee JH, Suh JI. A case of infected biloma due to spontaneous intrahepatic biliary rupture. Korean J Intern Med. 2007;22:220—4.

6. Trivedi PJ, Gupta P, Phillips-Hughes J, et al. Biloma: an unusual complication in a patient with pancreatic cancer. World J Gastroenterol. 2009;15:5218—20.

7. Yaşar NF, Yaşar B, Kebapçi M. Spontaneous common bile duct perforation due to chronic pancreatitis, presenting as a huge cystic retroperitoneal mass: a case report. Cases J. 2009;2:6273.










1. Médico Radiologista do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Santa Maria, RS, Brasil.
2. Acadêmicos de Medicina, Monitores da Disciplina de Radiologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
3. Médicos Residentes do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Santa Maria, RS, Brasil.
4. Médico Radiologista do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Professor Auxiliar da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.

Endereço para correspondência:
Giordano Rafael Tronco Alves
Rua dos Andradas, 1985, ap. 201, Centro
Santa Maria, RS, Brasil, 97010-033
E-mail: grtalves@gmail.com

Recebido para publicação em 29/3/2011.
Aceito, após revisão, em 3/8/2011.

Trabalho realizado no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Santa Maria, RS, Brasil.
 
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