ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Elvira Ferreira Marques1; Maria Luiza Leite de Medeiros2; Juliana Alves de Souza1; Maira Coltrone Mendonça2; Almir Galvão Vieira Bitencourt3; Rubens Chojniak4 |
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Descritores: Imagem por ressonância magnética; Neoplasias da mama; Detecção precoce de câncer. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O câncer de mama é a principal causa de morte por câncer em mulheres no Brasil( 1). No entanto, se diagnosticado e tratado precocemente, pode ser considerado como tendo um bom prognóstico. O principal método diagnóstico na avaliação do câncer de mama é a mamografia, com sensibilidade de 60% a 90%. Ela é utilizada para rastreamento em mulheres acima de 40 anos, em razão da sua alta sensibilidade, baixo custo e pequena exposição à radiação. Programas de detecção precoce por mamografias periódicas reduzem a mortalidade por câncer de mama em 25% a 32%(2). A ultrassonografia (US) também se tornou ferramenta de avaliação importante no manejo do câncer de mama, sendo capaz de identificar nódulos pequenos e de elucidar lesões inconclusivas na mamografia. Porém, a principal desvantagem desse método é ser altamente dependente do operador(3). Além da mamografia e US, outros métodos que possibilitem o diagnóstico precoce do câncer de mama têm sido estudados. O mais utilizado desses métodos é a ressonância magnética (RM), que permite o estudo da vascularização das lesões mediante a administração intravenosa de contraste paramagnético(4). A RM apresenta maior sensibilidade (94% a 99%), porém, tem grande variação da especificidade (37% a 86%) nos estudos publicados(5).Esta variação na especificidadeocorre por vários fatores, principalmente relacionados à falta de padronização nos protocolos de aquisição das imagens e as indicações do exame(6,7). Como a RM das mamas foi popularizada na década de 1990, ainda há uma falta de padronização do método e cada serviço tem diferentes indicações para pacientes com o mesmo perfil clínico-radiológico(6). O objetivo principal deste estudo é avaliar e discutir o perfil de indicações de RM das mamas em um centro de referência em oncologia. MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de um estudo retrospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e conduzido através da análise retrospectiva de prontuários médicos e laudos de exames de imagem. Foram incluídas mulheres que realizaram exames de RM das mamas no período de 1º de julho de 2008 a 31 de julho de 2009. Um formulário padrão foi preenchido para todas as pacientes do estudo, com dados demográficos e clínicos, incluindo resultados de exames de imagem anteriores e indicação da RM mamária. Resultados mamográficos anteriores à RM foram categorizados de acordo com o léxico Breast Imaging Reporting and Data System (BIRADS reg;)(8). As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do software SPSS for Windows, versão 17.0 (SPSS Inc.; Chicago, IL, EUA). Análise descritiva incluiu frequências absolutas e relativas. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio- padrão, se distribuição normal. RESULTADOS Foram incluídos 529 exames de RM das mamas. A média de idade das pacientes foi de 49 anos, variando de 17 a 86 anos. Duzentas e dezenove mulheres (41,4%) tinham história pessoal relacionada a risco aumentado para câncer de mama, que inclui câncer de mama prévio (n = 125; 23,6%), câncer de ovário (n = 6; 1,2%), cirurgia mamária (n = 201; 38,1%), achados pré-malignos em biópsias percutâneas (n = 13; 2,5%) e história de irradiação torácica (n = 30; 5,7%). História familiar de câncer de mama e/ou câncer de ovário esteve presente em 162 pacientes (30,6%), sendo 110 (20,7%) em parentes de primeiro grau. Exames de mamografia anterior estavam disponíveis em 415 pacientes (78,4%). A classificação BI-RADS dos achados mamográficos está resumida na Tabela 1. As indicações mais comuns de RM das mamas foram: achados inconclusivos na mamografia e/ou US; avaliação de recidiva tumoral/tecido fibrocicatricial após cirurgias mamárias; e estadiamento/planejamento cirúrgico (Tabela 2). Em 17 pacientes (3,2%) não foi possível encontrar esta informação. No grupo de pacientes cuja indicação para RM das mamas foi baseada nos resultados inconclusivos da mamografia e/ou US, os achados mais frequentes foram nódulos em 114 dos 258 exames (44%), seguidos por distorção arquitetural e assimetria focal em 59 (23%), cada. DISCUSSÃO A RM das mamas é um exame caro, com potenciais resultados falso-positivos e alta frequência de achados incidentais que podem necessitar de investigação adicional. A avaliação diagnóstica com mamografia e US deve ser esgotada antes de considerar a necessidade da RM(9). A Sociedade Europeia de Especialistas em Câncer de Mama recomenda que a RM mamária deve ser realizada em serviços de radiologia com experiência em imaginologia mamária convencional (mamografia e US), em biópsias percutâneas e em US second-look direcionada para achados detectados na RM(10). Os fatores de maior impacto na interpretação dos exames de RM mamária são a correlação com dados clínicos e exames convencionais, assim como a presença de indicações precisas, direcionando a investigação. Em um estudo multicêntrico realizado nos Estados Unidos em 2008, em que 754 radiologistas especializados em imagem da mama foram entrevistados, a maioria (84,1%) respondeu que nunca (46,5%) ou raramente (37,6%) interpreta RM das mamas sem correlacionar com os achados da mamografia ou de US. Nesse mesmo estudo, as indicações mais comuns para RM mamária foram avaliar a extensão da doença (93,8%) e os achados inconclusivos em métodos de imagem convencionais (72,2%)(11). Nossa amostra teve alta prevalência de antecedentes pessoais e familiares relacionados ao câncer de mama, o que é esperado em pacientes submetidos a RM das mamas, especialmente em um centro de referência oncológico. As principais indicações para RM encontradas neste estudo são consistentes com os achados da literatura e diretrizes internacionais(6,12). Em cerca de metade dos pacientes a indicação de RM foi para esclarecer o diagnóstico de resultados inconclusivos em métodos de imagem convencionais, seguido de diferenciação entre recorrência tumoral e cicatriz cirúrgica em pacientes previamente tratados, estadiamento e planejamento pré-operatório em pacientes com câncer confirmado e rastreamento de pacientes de alto risco. No entanto, apesar de ser a indicação mais comum, não há nenhuma evidência na literatura que justifique o uso da RM mamária como ferramenta diagnóstica para achados inconclusivos nos exames de imagem convencionais, principalmente quando procedimentos percutâneos podem ser realizados( 10,13). O valor preditivo negativo da RM não é suficiente para evitar a biópsia de uma alteração clínica ou radiológica suspeita que não apresente achado correspondente na RM(14). A seleção cuidadosa de pacientes com achados mamográficos inconclusivos que necessitem avaliação adicional com RM é importante. Moy et al. avaliaram 115 exames de RM realizados com esta indicação e constataram que em 87% dos casos a RM não revelou nenhuma anormalidade correspondente e apenas 0,7% mostrou lesões malignas(9). No entanto, em casos selecionados, a RM pode ser utilizada para contribuir na elucidação de achados inconclusivos na mamografia e/ou US. Estes casos incluem o diagnóstico diferencial de cistos com conteúdo ecogênico na US, assimetrias focais ou distorções arquiteturais sem calcificações na mamografia, alterações mamográficas vistas em apenas uma incidência, múltiplas lesões nodulares de etiologia indefinida na mamografia e US, e suspeita de recidiva tumoral na cicatriz cirúrgica( 13). Avaliação de mama no período pós-operatório é uma das indicações mais citadas na literatura, já que a cirurgia e/ou radioterapia podem causar espessamento da pele, edema, massas, cicatrizes e distorção arquitetural. Estes aspectos tornam difícil a análise dos exames de mamografia e US, podendo conduzir a procedimentos desnecessários. Estes pacientes podem se beneficiar da RM mamária em razão das características de impregnação pelo contraste paramagnético dos diferentes tecidos(15). A presença de cicatriz sem realce na RM tem alto valor preditivo negativo para câncer recorrente. No entanto, o aumento normal da vascularização pode ser visto no sítio cirúrgico por até 18 meses após o tratamento radioterápico(16). Vários autores também já descreveram a importância da RM das mamas no estadiamento pré-operatório, uma vez que este exame é mais sensível do que os exames de imagem convencionais na avaliação da extensão do tumor, mesmo para o carcinoma ductal in situ e o carcinoma lobular invasivo(15). Além disso, a RM tem alta sensibilidade na detecção de tumores multifocais, multicêntricos e contralaterais(17). A RM pode identificar tumores adicionais em 15–27% das pacientes na mesma mama e em 3–10% na mama contralateral. Avaliação pré-operatória por RM modifica o tratamento em até um terço das pacientes com câncer de mama(18). Para rastreamento de câncer de mama, a American Cancer Society recomenda a RM anual associada à mamografia para pacientes com mutação BRCA ou que têm parentes de primeiro grau com mutação BRCA; as com risco de 20–25% ou maior para desenvolvimento de câncer de mama durante a vida baseado em ferramentas de avaliação de risco; mulheres com história de irradiação torácica entre 10–30 anos; e pacientes com doenças genéticas que aumentem o risco de câncer de mama, como síndrome de Li-Fraumeni, Cowden ou Bannayan-Riley-Ruvulcaba(19). Por outro lado, não há evidências suficientes para recomendar a RM das mamas em mulheres com um risco de 15–20% para desenvolvimento de câncer de mama durante a vida; as com carcinoma lobular in situ ou hiperplasia ductal ou lobular atípica; mulheres com mamas heterogêneas ou extremamente densas na mamografia ou com antecedente de câncer de mama, incluindo carcinoma ductal in situ(19). Outras indicações menos comuns para a RM mamária citadas neste estudo foram avaliação de implantes mamários, quimioterapia neoadjuvante e tumor primário oculto em pacientes com metástase ganglionar.Para avaliação de implantes mamários, a RM deve ser indicada para confirmar ou excluir ruptura apenas em pacientes sintomáticos sem alterações nos exames de imagem convencionais(10). Quimioterapia neoadjuvante é utilizada rotineiramente em cânceres de mama avançados para reduzir o tamanho do tumor e, em alguns casos, possibilitar a realização de cirurgias conservadoras. A RM tem-se mostrado melhor do que o exame físico, a mamografia e a US para avaliação de doença residual após a quimioterapia neoadjuvante, contribuindo para um melhor planejamento cirúrgico nestes casos(20–22). Tumores ocultos nos exames convencionais em mulheres com metástase isolada para os linfonodos axilares representam menos de 1% dos casos de carcinoma de mama e a RM pode identificar o tumor primário em 62% a 86% desses casos(13). Em conclusão, é importante conhecer as indicações adequadas para RM de mamas.Como este método tem alta sensibilidade e percentual de resultados falso-positivos, ele só deve ser recomendado nos casos em que há uma questão específica a ser respondida, evitando a realização de procedimentos desnecessários, como biópsias e exames de controle. Se bem indicada, a RM das mamas contribui de maneira importante no processo diagnóstico e constitui uma ferramenta fundamental na avaliação por imagem da mama. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Estimativa 2010: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: INCA; 2009.[acessado em 28 de junho de 2010]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2010/ estimativa20091201.pdf 2. Knutson D, Steiner E. Screening for breast cancer: current recommendations and future directions.Am Fam Physician. 2007;75:1660–6. 3. Yang W, Dempsey PJ. Diagnostic breast ultrasound: current status and future directions. Radiol Clin North Am. 2007;45:845–61. 4. Leopoldino DD, D’Ippolito G, Bezerra ASA, et al. Aspectos técnicos da ressonância magnética de mama com meio de contraste: revisão da literatura. Radiol Bras. 2005;38:287–94. 5. Orel SG, Schnall MD. MR imaging of the breast for the detection, diagnosis, and staging of breast cancer. Radiology. 2001;220:13–30. 6. Rausch DR, Hendrick RE. How to optimize clinical breast MR imaging practices and techniques on your 1.5 T system. Radiographics. 2006;26:1469–84. 7. Kuhl CK. The current status of breast MR imaging. Part 1. Choice of technique, image interpretation, diagnostic accuracy, and transfer to clinical practice. Radiology. 2007;244:356–78. 8. 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Departamento de Imagem Rua Professor Antônio Prudente, 211, Liberdade São Paulo, SP, Brasil, 01509-010 E-mail: almirgvb@yahoo.com.br Recebido para publicação em 17/8/2011. Aceito, após revisão, em 27/10/2011. * Trabalho realizado no Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP |