INTRODUÇÃO
A síndrome de Mounier-Kuhn ou traqueobroncomegalia (TBM) é uma doença rara, caracterizada por atrofia ou ausência de fibras elásticas e adelgaçamento da musculatura lisa na traqueia, brônquios principais e de primeira à quarta ordem(1); consequentemente, as vias aéreas flácidas tornam-se bastante alargadas na inspiração e colapsadas na expiração(1). Embora as alterações tenham sido reconhecidas em autópsias desde 1897, por Cyhlarz, somente em 1932 Mounier-Kuhn associou as alterações endoscópicas e radiológicas das vias aéreas alargadas com infecções recorrentes do trato respiratório(1,2). A doença é carac
terizada clinicamente pela presença de infecções respiratórias de repetição, acúmulo de secreção e tosse inefetiva(1,2). Observa-se leve predomínio no sexo masculino, na terceira ou quarta décadas de vida, mas a exata prevalência da doença não é conhecida e são poucos os casos relatados na literatura(1–3). Acredita-se que a fraqueza do tecido conjuntivo, associada à inalação de poluentes aéreos e fumaça de cigarro, sejam os principais fatores no desenvolvimento desta síndrome(1).
O presente trabalho tem como objetivo mostrar os principais aspectos clínicos e achados da radiologia e da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax na TBM, também conhecida como síndrome de Mounier-Kuhn. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da nossa instituição (CEP-FHEMIG, parecer nº 065/2010).
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 33 anos de idade, pintor, com história prévia de tratamento para tuberculose pulmonar em 1979, tabagista ativo (dois maços/dia), apresentando quadro de febre, sudorese noturna, tosse produtiva, dor torácica, dispneia e chiada torácica de dois meses de evolução, foi encaminhado à nossa unidade para avaliação pneumológica. Ao exame físico revelava hipocratismo digital, ausculta pulmonar com crepitações em terços inferiores, bilateralmente. A espirometria evidenciou distúrbio ventilatório obstrutivo grave, com valores de CVF = 3,40 (75%), VEF
1 = 1,49 (40%) e IT = 39,1%.
A radiografia do tórax demonstrou aumento do volume e da transparência pulmonar, com sinais de infiltrado intersticial reticular predominando nas regiões centrais. Traqueia de calibre aumentado, com diâmetro transverso máximo de 40,0 mm (Figura 1). A TCAR evidenciou detalhes das alterações parenquimatosas caracterizadas notadamente por bronquiectasias predominantemente císticas e conglomeradas nas regiões centrais, alterações perfusionais difusas do parênquima pulmonar configurando "padrão em mosaico", além de aumento do calibre da traqueia e dos brônquios principais, que apresentavam, ainda, contornos serrilhados configurando diverticulose traqueobrônquica (Figura 2).
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Figura 1. Radiografia de tórax em perfil (a) mostrando aumento do calibre traqueal (seta). Reconstrução MPR (b) evidenciando aumento do calibre da traqueia, brônquios principais e bronquiectasias.
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Figura 2. TCAR do tórax, em cortes axiais, mostrando aumento do calibre dos brônquios principais e bronquiectasias difusas (setas).
O paciente evoluiu com piora progressiva da dispneia ao longo dos anos, supuração crônica (exame de escarro mostrou colonização por
Pseudomonas aeruginosa) e várias internações hospitalares motivadas por exacerbações infecciosas. Em 2009 foi hospitalizado na nossa unidade pela última vez, culminando com insuficiência respiratória fatal.
DISCUSSÃO
A TBM pode ser diagnosticada quando o diâmetro da traqueia, brônquio principal direito e esquerdo ultrapassam 3,0, 2,4 e 2,3 cm, respectivamente(1,2). Frequentemente, associa-se a diverticulose traqueal e bronquiectasias. O divertículo traqueal pode ser originado pelo aumento da complacência da parede da traqueia e desenvolvimento de tecido membranoso redundante( 4). A doença pode ser diagnosticada pela radiografia simples do tórax, associada às informações clínicas, mas estudos utilizando a tomografia computadorizada permitem maior detalhamento das alterações presentes nas vias aéreas comprometidas, bem como a avaliação da extensão da doença( 5). A dificuldade em mobilizar as secreções, observada nesta síndrome, provoca seu acúmulo, causando infecções respiratórias de repetição que favorecem o desenvolvimento das alterações anatômicas descritas e, por conseguinte, o comprometimento funcional, que varia desde o normal até a insuficiência respiratória levando ao óbito(1,3). As provas funcionais revelam padrão obstrutivo, aumento do volume residual e redução da difusão de CO
2 na presença de doença do parênquima; em casos avançados predomina padrão restritivo secundário à fibrose(1). O tratamento é geralmente de suporte, por meio de fisioterapia respiratória, antibioticoterapia adequada para as infecções recorrentes e cessação do tabagismo. Em poucos casos obteve-se sucesso com a colocação de
stent traqueal para evitar o colabamento expiratório(6).
CONCLUSÃO
A TBM deve ser suspeitada em pacientes com supuração pulmonar crônica, infecções respiratórias de repetição e tosse ineficaz, apresentando à radiografia do tórax aumento do calibre da traqueia. A TCAR é um método importante no estudo detalhado das alterações presentes no parênquima pulmonar.
REFERÊNCIAS
1. Menon B, Aggarwal B, Iqbal A. Mounier-Kuhn syndrome: report of 8 cases of tracheobronchomegaly with associated complications. South Med J. 2008;101:83–7.
2. Nóbrega BB, Figueiredo SS, Cavalcante LP, et al. Traqueobroncomegalia (síndrome de Mounier- Kuhn): relato de caso e revisão da literatura. Radiol Bras. 2002;35:187–9.
3. Schwartz M, Rossoff L. Tracheobronchomegaly. Chest. 1994;106:1589–90.
4. Shin MS, Jackson RM, Ho KJ. Tracheobronchomegaly (Mounier-Kuhn syndrome): CT diagnosis. AJR Am J Roentgenol. 1988;150:777–9.
5. Sorenson SM, Moradzadeh E, Bakhda R. Repeated infections in a 68-year-old man. Chest. 2002;121: 644–6.
6. Collard P, Freitag L, Reynaert MS, et al. Respiratory failure due to tracheobronchomalacia. Thorax. 1996;51:224–6.
1. Doutoranda em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Médica Assistente do Departamento de Diagnóstico por Imagem do Hospital Júlia Kubitschek – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Médica Assistente do Departamento de Pneumologia do Hospital Júlia Kubitschek – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço para correspondência:
Dra. Andréa de Lima Bastos
Hospital Júlia Kubitschek – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Unidade de Diagnóstico por Imagem
Rua Doutor Cristiano Rezende, 2745, Bairro Flávio Marques Lisboa (Barreiro)
Belo Horizonte, MG, Brasil, 30620-470
E-mail: andblima@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 30/11/2010.
Aceito, após revisão, em 14/3/2011.
Trabalho realizado no Hospital Júlia Kubitschek – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte, MG, Brasil.