Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 43 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2010

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 355 to 361



Avaliação do volume de fluxo portal em pacientes esquistossomóticos: estudo comparativo entre ressonância magnética e ultrassom Doppler*

Autho(rs): Alberto Ribeiro de Souza Leão1; Danilo Moulin Sales1; José Eduardo Mourão Santos2; Edson Nakano1; David Carlos Shigueoka3; Giuseppe D’Ippolito4

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Texto em Português English Text

Descritores: Fluxo portal; Imagem por ressonância magnética; Ultrassonografia Doppler; Reprodutibilidade; Hipertensão portal.

Keywords: Portal blood flow; Magnetic resonance imaging; Doppler ultrasonography; Reproducibility; Portal hypertension.

Resumo:
Objetivo: Avaliar a concordância entre o ultrassom Doppler e a ressonância magnética e a reprodutibilidade interobservador desses métodos na quantificação do volume de fluxo portal em indivíduos esquistossomóticos. Materiais e métodos: Foi realizado estudo transversal, observacional e autopareado, avaliando 21 pacientes portadores de esquistossomose hepatoesplênica submetidos a mensuração do fluxo portal por meio de ressonância magnética (utilizando-se a técnica phase-contrast) e ultrassom Doppler. Resultados: Observou-se baixa concordância entre os métodos (coeficiente de correlação intraclasse: 34,5% [IC 95%]). A reprodutibilidade interobservador na avaliação pela ressonância magnética (coeficiente de correlação intraclasse: 99,2% [IC 95%] / coeficiente de correlação de Pearson: 99,2% / média do fluxo portal = 0,806) e pelo ultrassom Doppler (coeficiente de correlação intraclasse: 80,6% a 93,0% [IC 95%] / coeficiente de correlação de Pearson: 81,6% a 92,7% / média do fluxo portal = 0,954, 0,758 e 0,749) foi excelente. Conclusão: Há uma baixa concordância entre o ultrassom Doppler e a ressonância magnética na mensuração do volume de fluxo na veia porta. A ressonância magnética e o ultrassom Doppler são métodos reprodutíveis na quantificação do fluxo portal em pacientes portadores de hipertensão porta de origem esquistossomótica, apresentando boa concordância interobservador.

Abstract:
Objective: To evaluate the agreement between Doppler ultrasonography and magnetic resonance imaging as well as the interobserver reproducibility of both methods in the measurement of portal blood flow in schistosomal patients. Materials and methods: A cross-sectional, observational, self-paired study evaluated 21 patients with schistosomiasis mansoni submitted to measurement of portal blood flow with phase-contrast magnetic resonance imaging and Doppler ultrasonography. Results: A poor intermethod agreement was observed (intraclass correlation coefficient: 34.5% [CI 95%]). On the other hand, the interobserver reproducibility was excellent in the evaluation by magnetic resonance imaging (intraclass correlation coefficient: 99.2% [CI 95%] / Pearson’s correlation coefficient: 99.2% / portal blood flow = 0.806) and by Doppler ultrasonography (intraclass correlation coefficient: 80.6 to 93.0% [CI 95%] / Pearson’s correlation coefficient: 81.6% to 92.7% / portal blood flow = 0.954, 0.758 and 0.749). Conclusion: There is a poor intermethod agreement in the measurement of portal blood flow. Nevertheless, contrastphase magnetic resonance imaging and Doppler ultrasonography demonstrated to be reproducible methods presenting excellent interobserver agreement in the quantification of portal blood flow in patients with hepatosplenic schistosomiasis-related portal hypertension.

INTRODUÇÃO

Em pacientes saudáveis, a circulação porto-hepática é capaz de acomodar grandes variações do fluxo sanguíneo, com pequenas mudanças da pressão portal(1). As principais alterações na hemodinâmica deste sistema caracterizam-se pelo aumento crônico da pressão venosa no território porta, definido como hipertensão portal, secundário à interferência no fluxo sanguíneo venoso esplênico e traduzido clinicamente por circulação colateral, visível na parede abdominal, ascite e alterações esofagogástricas, ou seja, varizes esofágicas, varizes gástricas e gastropatia congestiva(1,2). Quando o gradiente de pressão portal — diferença entre as pressões na veia cava inferior e veia porta, cujo valor normal é abaixo de 6 mmHg — aumenta acima de 10 a 12 mmHg, podem ocorrer complicações da hipertensão portal(3).

Dentre as doenças que podem cursar com hipertensão do sistema porta, destacam-se a cirrose e a forma hepatoesplênica da esquistossomose, além de neoplasias do fígado, das vias biliares ou do pâncreas. Ocorrem também em fenômenos tromboembólicos da veia porta e moléstias supra--hepáticas, como a insuficiência cardíaca direita e a oclusão da veia cava inferior, por trombos ou tumores(4).

A hemorragia digestiva alta por varizes esofagogástricas é a principal complicação da hipertensão portal, tanto em pacientes cirróticos quanto esquistossomóticos, com altos índices de morbimortalidade(5). O sangramento decorre da cadeia de eventos que se inicia com o aumento da pressão portal, evoluindo com formação e progressiva dilatação das varizes gastroesofágicas(6).

A hipertensão porta acomete entre 2,0% e 7,0% da população infectada pela esquistossomose, sendo a principal causa de hemorragia digestiva(7). Em tais pacientes, a incidência de varizes esofágicas é de aproximadamente 85%, evoluindo para sangramento em cerca de dois terços dos casos(8). A mortalidade durante o primeiro episódio de sangramento é de 11,7%(8).

O diagnóstico de hipertensão portal pode ser feito por meio de formas não invasivas, abrangendo os dados semiológicos e métodos complementares, e também por formas invasivas, representadas pela abordagem direta, com mensuração cirúrgica da pressão no sistema porta, ou indireta, pela medida da pressão venosa hepática ocluída e livre, obtendo-se o gradiente entre essas duas pressões, denominado gradiente de pressão venosa hepática(9). A medida direta da pressão portal é o procedimento mais preciso para avaliar sua real elevação(9). A mensuração dos níveis da pressão portal pode auxiliar no diagnóstico diferencial das causas de hipertensão portal, na avaliação do risco de sangramento por ruptura de varizes gastroesofágicas, principal causa de morbimortalidade para esses pacientes, na avaliação da eficácia do tratamento medicamentoso, na profilaxia do sangramento por varizes gastroesofágicas, na decisão terapêutica em casos de ressecção hepática e na avaliação do prognóstico(5,9).

Apesar das indiscutíveis vantagens da medida do gradiente de pressão, este método é invasivo e pouco disponível, por ser oneroso e necessitar de profissionais treinados. Por essas razões, persiste o desafio de se identificar um marcador não invasivo para a hipertensão portal.

Vários autores sugeriram que alguns parâmetros do ultrassom Doppler (USD) poderiam ter valor prognóstico e ser úteis na avaliação do risco de sangramento por varizes de esôfago. No entanto, a técnica em questão tem sido pouco empregada com este fim e sua utilidade clínica vem sendo debatida(9).

A mensuração do volume de fluxo na veia porta por métodos não invasivos, em portadores de hipertensão portal, vem ganhando espaço como alternativa na propedêutica diagnóstica e no acompanhamento desses pacientes. Dentro do contexto da utilização de métodos de imagem na avaliação de parâmetros hemodinâmicos, a ressonância magnética (RM) vem adquirindo espaço importante como método não invasivo na abordagem diagnóstica e no acompanhamento evolutivo de pacientes portadores de hipertensão portal, inclusive de origem esquistossomótica.

A elevada reprodutibilidade da RM na avaliação das alterações morfológicas hepáticas e esplênicas em pacientes portadores crônicos de esquistossomose mansônica(10), assim como seu papel na diferenciação diagnóstica com a hepatopatia cirrótica de origem alcoólica e viral, foram devidamente estabelecidos(11,12).

A RM mostrou-se ainda confiável para quantificar o fluxo portal em pacientes sadios, apresentando melhor concordância interobservador que o USD, observando-se baixa concordância entre os métodos na quantificação do fluxo portal(13). Os mesmos índices de reprodutibilidade também foram observados na avaliação de aspectos como a fibrose periportal, tornando a RM um método abrangente e preciso na avaliação de pacientes esquistossomóticos(14).

Considerando que a precisão diagnóstica de um determinado método é um parâmetro fundamental na definição de sua utilidade e pode ser determinada pela medida de sua reprodutibilidade(ou concordância interobservadores)(15), faz-se necessária a validação de métodos não invasivos capazes de avaliar este parâmetro hemodinâmico, patologicamente modificado em pacientes portadores de hipertensão portal. Dentro deste contexto, utilizamos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica por constituírem um modelo de estudo para a avaliação da hipertensão portal(11,12).

O objetivo deste estudo foi avaliar a concordância entre o USD e a RM e a reprodutibilidade interobservador do USD e RM na quantificação do volume de fluxo portal em indivíduos esquistossomóticos.


MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado estudo prospectivo, transversal, observacional, duplo-cego e autopareado em 21 pacientes (9 homens e 12 mulheres) com idade variando entre 23 e 57 anos (média de 40,9 anos), no período de fevereiro de 2005 a julho de 2007. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição. Os exames foram realizados respeitando-se um intervalo de no máximo 15 dias entre esses estudos, tendo sido preferencialmente realizados no mesmo dia.

Foram utilizados como critérios de inclusão para o estudo: pacientes com idade superior a 18 anos; diagnóstico de esquistossomose mansônica por biópsia retal ou forte evidência clinicolaboratorial (sinais de hipertensão portal e/ou exame protoparasitológico de fezes positivo) e epidemiológica positiva (contato com água de rios e lagoas em área endêmica).

Foram utilizados como critérios de não inclusão: contraindicação ao exame de RM (marcapasso cardíaco, implante coclear, claustrofobia, clipe de aneurisma cerebral, alergia ao contraste paramagnético); antecedente de etilismo (ingestão maior que 160 g de etanol por semana); sorologia positiva para vírus da hepatite B ou C; antecedente de doença autoimune comprovada, que possa cursar com hepatite autoimune; uso conhecido de droga hepatotóxica; pacientes esplenectomizados; uso irregular de beta-bloqueadores (propranolol), de forma que as mensurações sejam feitas sobre o mesmo nível de influência do fármaco; pacientes com oclusão total da veia porta (trombose portal total). Casos de oclusão parcial não foram excluídos, visto que era possível definir a área de secção do vaso pérvia, sem comprometimento à mensuração do volume de fluxo portal.

Os exames de RM foram realizados em equipamento Magnetom Sonata (Siemens; Erlangen, Alemanha) operando em alto campo magnético (1,5 T), com gradiente de 40 mT/m e bobina de corpo para transmissão e recepção de sinais (bobina phased ar­ray). Os exames de USD foram realizados em aparelho EnVisor (Philips Medical Systems; Bothell, WA, EUA), utilizando transdutor convexo com múltiplas bandas de frequência, seguindo os planos de corte padronizados pela Organização Mundial da Saúde para avaliação ultrassonográfica do fígado, baço e sistema vascular esplâncnico em pacientes esquistossomóticos(16). Foi obedecido jejum de 6 a 8 horas para aplicação de ambos os métodos.

No estudo por RM, os pacientes foram posicionados em decúbito dorsal, com os braços elevados acima da cabeça. Para localização da veia porta foram realizadas sequências true fast imaging with steady precession (TRUFI: TrueFISP) no plano coronal. Foi utilizada a técnica phase-contrast para mensuração do volume de fluxo portal. Os parâmetros técnicos destas sequências estão relacionados na Tabela 1.




O plano da imagem para o mapeamento do fluxo foi ajustado perpendicularmente ao segmento médio da veia porta (Figura 1). O tempo de execução do exame variou entre 15 e 25 minutos. Após realizados, os exames eram avaliados independentemente por dois leitores, em estação de trabalho Leonardo (Siemens; Erlangen, Alemanha), utilizando o programa Argus®, dedicado a mensurações de fluxo e estudo hemodinâmico pela RM (Figura 2). O pacote de imagens obtido era manipulado, definindo-se manualmente o perímetro da secção do vaso, caracterizado por área de maior intensidade de sinal, sendo fornecidos pelo programa os valores médios de volume de fluxo no vaso, pico de velocidade sistólica, velocidade média e área de secção.


Figura 1. Plano de corte coronal do abdome adquirido com a sequência TRUFI, utilizado na definição do segmento médio da veia porta.


Figura 2. Imagens da estação de trabalho Leonardo, onde foi utilizado o programa Argus, dedicado a mensurações de fluxo e estudo hemodinâmico pela RM.



O estudo por USD da veia porta foi realizado com o paciente em decúbito dorsal, após pequeno repouso, com cortes subcostais e intercostais oblíquos do tronco da veia porta a meia distância da bifurcação, na mesma fase respiratória e com ângulo de insonação variando entre 45 e 60° (Figura 3). O tempo de execução do exame variou entre 20 e 30 minutos. O calibre e o diâmetro da veia porta foram mensurados na mesma região onde foi obtida a amostragem dopplerfluxométrica para o cálculo do fluxo. O intervalo da curva espectral selecionado para análise foi de pelo menos 4 segundos. Fornecidos os parâmetros solicitados pelo aparelho, foram obtidos os valores do volume de fluxo daquela amostragem. Este cálculo foi feito automaticamente pelo equipamento (operador-independente) a partir do traçado espectral Doppler(17).


Figura 3. Curva espectral, com amostra adquirida pelo USD, no ponto médio entre a origem da veia porta e sua bifurcação, com ângulo de insonação de 60°.



A execução e interpretação dos exames de USD foi feita por três observadores independentes (observadores 1, 2 e 3) com experiência de pelo menos três anos em USD abdominal, após o término da residência médica em diagnóstico por imagem. A interpretação dos exames de RM coube a dois observadores independentes (observadores 3 e 4, sendo que um deles analisou os resultados de ambos os métodos) com experiência de pelo menos cinco anos em RM abdominal. Para ambos os métodos houve treinamento específico para mensuração do fluxo portal, acordando-se a metodologia de obtenção de dados.

Para atingir os objetivos propostos, foram utilizadas quatro ferramentas estatísticas: o gráfico Bland-Altman, o teste t pareado, o diagrama de dispersão entre duas medidas e o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) com seu respectivo intervalo de confiança a 95% (IC 95%). Quando utilizadas em conjunto, essas ferramentas oferecem informações complementares e bastante úteis na tarefa de verificar a reprodutibilidade entre métodos, bem como a concordância de medidas obtidas por dois examinadores.

Para facilitar a interpretação do CCI foi utilizada a classificação proposta por Fleiss (1981), conforme mostra a Tabela 2.




Em toda a análise estatística foi adotado nível de significância de 5% (α = 0,05), ou seja, foram considerados como estatisticamente significantes os resultados que apresentaram p-valor inferior a 5% (p < 0,05).

A análise estatística foi realizada utilizando-se os softwares SPSS 12.0 (Statistical Package for Social Sciences) e MedCalc® version 9.4.2.0.


RESULTADOS

Na Tabela 3 estão plotados os resultados obtidos para os coeficientes de correlação e de Pearson na avaliação da concordância entre os diferentes métodos e observadores.




Com base nos resultados de volume de fluxo portal observados nos 21 pacientes portadores de esquistossomose participantes deste estudo, foram calculados a média, a mediana e o intervalo de confiança para cada um dos métodos. Para o USD, a média de fluxo variou entre 0,966 e 0,986 l/min e a mediana variou entre 0,910 e 1,010 l/min, com um desvio-padrão entre 0,464 e 0,590 l/min. No caso das mensurações com RM, utilizando a técnica phase-contrast, a média de fluxo variou entre 0,933 e 0,937 l/min e a mediana variou entre 0,842 e 0,862 l/min, com um desvio-padrão entre 0,570 e 0,575 l/min.


DISCUSSÃO

A hipertensão portal leva a complicações específicas que tendem à progressão ao longo do curso da doença. A elevação nos níveis pressóricos promove aumento do tamanho das varizes e da tensão na sua parede, causando sangramentos, associado a elevada morbiletalidade. Sendo assim, o controle dos níveis pressóricos na veia porta é essencial(18).

Interesse recente foi dirigido ao controle dos parâmetros hemodinâmicos capazes de refletir as mudanças fisiopatológicas que conduzem ao sangramento. Por exemplo, confirmou-se que nenhum sangramento ocorre com níveis pressóricos na veia porta abaixo de 12 mmHg(19).

A técnica mais precisa para avaliar a gravidade da hipertensão portal é a cateterização de uma das veias hepáticas, com medida das pressões neste ponto e em uma posição livre (gradiente de pressão venosa hepática), calculada pela diferença entre ambas as pressões. Entretanto, é uma conduta com custo elevado e com riscos a serem considerados, especialmente nos pacientes com expectativa de vida limitada, como é o caso dos portadores de hipertensão portal descompensada(20).

A consolidação de alternativas às formas invasivas de mensuração da pressão portal, com finalidade diagnóstica, assim como ao rastreamento endoscópico das varizes gastroesofágicas na profilaxia do risco de sangramento digestivo alto, são objetivos constantes no auxílio à abordagem de pacientes portadores de hipertensão portal(21).

Nos dias atuais, o USD é considerado o método de escolha na avaliação de pacientes portadores de hipertensão portal, levando-se em conta sua ampla disponibilidade e baixo custo. Contudo, é um exame suscetível a erros relacionados à mensuração da área de secção transversal do vaso, variabilidade intra- e interobservador, eventos fisiológicos e biótipo do paciente, além de utilizar parâmetros superponíveis para suas análises, como os valores de velocidade de fluxo(22–27).

Em indivíduos normais, a velocidade de fluxo usualmente é maior ou igual a 15 cm/s. Segundo alguns autores, esta variação da normalidade poderia ser maior, com valores variando de 12 a 20 cm/s, embora índices acima deste limite superior também possam ser identificados em indivíduos normais. Nos pacientes cirróticos, esses valores geralmente variam de 8 a 13 cm/s(22). Nos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica, os valores de velocidade do fluxo sanguíneo portal se encontram habitualmente dentro dos limites da normalidade(22).

Nos últimos anos, técnicas de RM vêm sendo usadas na avaliação não invasiva da anatomia do sistema venoso esplâncnico e mensuração dos seus parâmetros hemodinâmicos, especialmente no acompanhamento dos pacientes com hipertensão portal(28). Pesquisas com phantoms, previamente calibrados, simulando condições fisiológicas do sistema venoso portal, mostraram elevada correlação com valores de volume de fluxo mensurados por RM utilizando a sequência phase-contrast(25,26).

Os principais fatores que motivaram o presente trabalho foram a alta correlação obtida in vitro pelo phase-contrast na avaliação de parâmetros hemodinâmicos, utilizando phantoms que simulavam o sistema porta, além do fato de não haver, na literatura médica, estudo sistemático utilizando a RM na mensuração de variáveis hemodinâmicas hepáticas e esplênicas em pacientes portadores de esquistossomose mansônica.

A RM é útil não somente na avaliação de parâmetros hemodinâmicos, mas também para uma análise abrangente do sistema venoso abdominal em pacientes com hipertensão portal. Neste sentido, já foi demonstrado que a angiografia por RM pode ser de utilidade na avaliação da circulação colateral que muitos destes pacientes possam vir a apresentar(23,29).

O modelo esquistossomótico de hipertensão portal foi escolhido em virtude da grande amplitude e variabilidade do volume de fluxo observado, característica do seu padrão hemodinâmico de hiperfluxo portal, favorável para pesquisa e avaliação da precisão de métodos diagnósticos(5).

As técnicas de exame utilizadas no presente estudo são de ampla disponibilidade em equipamentos de RM e USD, podendo fazer com que este trabalho se torne base para outras investigações, mesmo usando equipamentos diferentes.

Foi encontrada baixa concordância entre os dois métodos. O CCI foi de 34,5% (IC 95% [0,0%; 72,6%]). Mediante análise do gráfico de Bland-Altman verificou-se que houve maior número de diferenças positivas, ou seja, houve maior número de mensurações feitas pelo USD com valores maiores do que os apresentados pela RM.

A variação de volume em função da fase do ciclo respiratório, parâmetro de difícil manipulação, é uma explicação plausível para justificar a baixa concordância entre o USD e a RM na mensuração do volume de fluxo na veia porta. O tempo de aquisição da sequência phase-contrast, na prática clínica, inviabiliza sua execução com controle da respiração, sendo necessária, nesses casos, a aquisição com respiração livre, padrão não utilizado no estudo Doppler. Wolf et al., em estudo dirigido para avaliação da influência do ciclo respiratório na variabilidade do phase-contrast em vasos que sofrem influência da respiração, concluíram que existe um erro potencial e que as aplicações clínicas nas quais este efeito pode ser significante incluem medidas do fluxo em vasos como a veia cava inferior, vasos pulmonares e a veia porta(30).

A avaliação da reprodutibilidade da RM identificou alta concordância entre os dois observadores. A correlação entre as leituras foi classificada como quase perfeita e o CCI foi de 99,2% (IC 95% [98,5%; 99,9%]). Estes resultados são consistentes com outros estudos, que têm demonstrado a elevada reprodutibilidade da RM na avaliação de parâmetros subjetivos e objetivos(10–14,25–29,31–33).

A reprodutibilidade do USD pôde ser avaliada em três diferentes momentos, combinando as leituras de cada um dos três observadores dois a dois. Neste caso, os resultados obtidos nas três diferentes análises foram bastante satisfatórios, observando-se CCI elevado em todas as situações (r = 0,80 / 0,87 / 0,93). De acordo com o teste t pareado, pôde-se observar que os examinadores mostraram-se concordantes em média, uma vez que o teste estatístico não evidenciou diferença significativa na média de fluxo adquirida. Houve ainda alta correlação entre as medidas geradas pelos observadores. A análise da variabilidade interobservador para as variáveis quantitativas demonstrou que o método pode ser utilizado na avaliação objetiva de variações de fluxo em pacientes portadores de hipertensão portal.

A avaliação da reprodutibilidade da RM e do USD na mensuração da média de volume de fluxo portal nesses pacientes revelou, no presente estudo, boa concordância entre os observadores, estudo não descrito anteriormente na literatura em pacientes esquistossomóticos.

Considerando a ampla disponibilidade do USD e a excelente relação custo-benefício, além de estarmos (no caso da esquistossomose) diante de uma doença bastante prevalente em países subdesenvolvidos, as evidências de uma boa reprodutibilidade do método diagnóstico reforçam o seu papel na abordagem propedêutica e semiológica de pacientes portadores de hipertensão portal.

Como limitações do presente estudo, podem-se citar o tamanho da amostra (21 pacientes) e o fato de os observadores saberem que os pacientes eram esquistossomóticos. Além disso, neste estudo não foi possível utilizar medidas diretas do gradiente de pressão venosa hepática, por se tratar de método invasivo e não utilizado na rotina de atendimento do grupo de pacientes estudados. Dessa forma, não podemos contar com um padrão de referência para mensurar a eficácia das medidas de fluxo portal, obtidas por intermédio do USD e da RM. Portanto, não sabemos qual das medidas é a correta, uma vez que não houve elevada concordância entre os métodos. Serão necessários estudos em modelo animal para verificar a precisão das medidas obtidas.

Concluindo, com este estudo observou-se que a técnica phase-contrast e o USD apresentam elevada reprodutibilidade na mensuração do volume de fluxo na veia porta em pacientes portadores de hipertensão portal de origem esquistossomótica, creditando ambos os métodos na avaliação desta variável. Entretanto, os valores absolutos de volume de fluxo na veia porta, obtidos pelo USD, não são comparáveis aos adquiridos pela sequência phase-contrast, não havendo concordância entre ambos, variabilidade provavelmente relacionada à aquisição, com e sem apneia, respectivamente. Ulteriores estudos estabelecendo valores de volume de fluxo portal fisiológicos e patológicos, para cada um dos métodos, podem vir a consolidar o papel do USD e da RM com técnica phase-contrast na abordagem diagnóstica e prognóstica das alterações na hemodinâmica deste sistema.


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1. Mestres, Médicos Radiologistas do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
2. Doutor, Médico Radiologista do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
3. Doutor, Professor Afiliado do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
4. Livre-Docente, Professor Associado do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Alberto Ribeiro de Souza Leão
Rua Canário, 644, ap. 42, Moema
São Paulo, SP, Brasil, 04521-002
E-mail: ar.leao@uol.com.br

Recebido para publicação em 15/11/2009.
Aceito, após revisão, em 5/3/2010.

* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
 
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