RELATO DE CASO
|
|
|
|
Autho(rs): Eduardo Hennemann Pitrez1; Roberto Campos Pellanda2; Mariana Eltz Silva3; Gustavo Garcia Holz3; Felipe Teixeira Hertz3; João Rubião Hoefel Filho4 |
|
Descritores: Traumatismos do joelho; Bursite. |
|
Resumo: INTRODUÇÃO
As lesões em cisalhamento “desenluvamento” de Morel-Lavallée representam uma separação traumática causada pela avulsão violenta e rápida da pele sobre a fáscia, causando uma separação entre ela e o tecido celular subcutâneo da fáscia muscular subjacente. Esta separação implica ruptura de pequenos vasos perfurantes nesta região, resultando na formação de cavidade que pode estar preenchida por sangue, linfa e focos de gordura, estes, algumas vezes necróticos(1,2). A lesão de Morel-Lavallée foi originalmente descrita na porção lateral da coxa proximal, que é o seu local mais comum, porém outros sítios anatômicos vêm sendo descritos na literatura, tais como as regiões periescapular, lombar, glútea, tornozelos e joelhos(3,4). Neste artigo os autores descrevem um caso de Morel-Lavallée avaliado por ressonância magnética (RM), em paciente jovem, comprometendo a região do joelho. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 21 anos de idade, vítima de acidente de trânsito, desenvolveu após o acidente, dor e aumento de volume do joelho direito. Procurou o hospital universitário após cerca de 40 dias, para realizar RM. A RM demonstrou uma lesão na profundidade do tecido celular subcutâneo na região pré-patelar, fusiforme, encapsulada e com efeito expansivo entre o subcutâneo e a fáscia subjacente. A lesão apresentava uma pseudocápsula, além de alguns pequenos focos de gordura em seu interior. Foi identificado hipersinal em T1 no interior da lesão, pela presença de conteúdo hemático (Figura 1). Figura 1. Lesão de Morel-Lavallée. RM, corte axial, sequência ponderada em T2 com fat sat (A) e cortes sagitais, sequências ponderadas em T2 com fat sat (B) e T1 (C) mostrando lesão fusiforme encapsulada na região pré-patelar, com efeito expansivo entre o tecido celular subcutâneo e a fáscia subjacente (setas). Notar, em T1 (C), o hipersinal relacionado a conteúdo hemático. DISCUSSÃO A lesão de Morel-Lavallée foi descrita por Morel-Lavallée em 1853 e é uma massa hemolinfática localizada profundamente ao tecido celular subcutâneo, decorrente de uma lesão em cisalhamento consequente a trauma. Originalmente descrita na região externa da coxa, vem, nos últimos anos, sendo reconhecida e descrita em outras regiões anatômicas, como região lombar e escápula(1,4). As lesões em cisalhamento “desenluvamento” resultam de uma separação traumática causada pela avulsão violenta e rápida da pele sobre a fáscia, causando uma descontinuidade entre a porção profunda do tecido conjuntivo da fáscia muscular subjacente. Esta separação ocasiona ruptura de pequenos vasos perfurantes nesta região, resultando em uma cavidade que pode estar preenchida por sangue, linfa e focos de gordura, algumas vezes necróticos(1,2), podendo eventualmente ser colonizados por agentes infecciosos(5). Ocorre a formação de tecido de granulação, o qual pode se organizar em uma pseudocápsula, causando a persistência das coleções(4). A lesão pode ser dolorosa ou assintomática, sendo que até um terço dos pacientes não se recordam de trauma significativo(4). A demora diagnóstica resulta em coleções com abaulamento e deformidade no tecido celular subcutâneo(5). Atrasos diagnósticos de até 34 anos já foram descritos(1,3). O crescimento destas coleções pode acontecer de forma rápida, devido ao comprometimento do leito arterial, ou então de forma mais lenta, devido à lesão nos vasos linfáticos(1). Como as lesões de Morel-Lavallée podem ficar sem diagnóstico por bastante tempo, é importante que o radiologista conheça as características das lesões agudas e crônicas, bem como as suas implicações terapêuticas. O aspecto das lesões depende da proporção de sangue, linfa e gordura presentes, bem como do tempo de evolução transcorrido(4). Na fase aguda, coágulos e débris podem ser encontrados em uma coleção hiperintensa em T2. Com a organização do hematoma, devido à conversão de desoxi-hemoglobina em meta-hemoglobina, estas lesões aparecem iso a hiperintensas em T1. A periferia torna-se hipointensa em T1 e T2 com o passar do tempo, devido à presença de hemossiderina. No decorrer do tempo, a coleção torna-se um seroma hiperintenso em T2 com uma pseudocápsula hipointensa em T1 e em T2(4). As lesões mais frequentes comprometem a região lateral da coxa (Figura 2), envolvendo o grande trocanter(6), embora lesões em outros lugares, como as regiões glútea, lombar, escapular, os tornozelos e os joelhos já tenham sido descritas(3,4,6). Figura 2. Lesão de Morel-Lavallée em seu local mais comum, em paciente com aumento de partes moles na face lateral da coxa após acidente automobilístico. RM demonstrando, em T1 (A) e STIR (B), coleção líquida com focos de gordura (setas) no interior da lesão. Embora as lesões de Morel-Lavallée ocorram de forma relativamente frequente no joelho, a literatura radiológica ainda pouco a relata(5,7,8). Tejwani et al. estudaram 27 lesões de Morel-Lavallée em joelhos de 24 atletas durante 13 anos, demonstrando que o principal mecanismo de ação foi uma força de cisalhamento direto sobre o ponto da coleção e que o déficit funcional mais importante foi o de restrição à flexão, comprometendo 41% dos pacientes. Os autores também demonstraram que estes atletas voltaram ao exercício mesmo sem a completa resolução das coleções(5). O tratamento clássico consistiu, durante muito tempo, de drenagem cirúrgica com debridamento e cicatrização por segunda intenção, porém, recentemente, as alternativas terapêuticas inclinaram-se para os tratamentos menos agressivos(5). Lesões menores podem ser resolvidas mediante pequena incisão e drenagem, enquanto lesões maiores podem criar uma pseudocápsula, tornado-as refratárias ao tratamento conservador(1). As lesões também podem ser tratadas com compressão elástica ou lipossucção. Em casos de falha, a esclerose com administração de doxiciclina é uma opção(5). O diagnóstico diferencial mais importante nas lesões de Morel-Lavallée no joelho se faz com bursite pré-patelar (“joelho da doméstica”). A bursa pré-patelar consiste frequentemente em uma bursa trilaminar cujas dimensões podem se estender um pouco além das bordas da patela e mede, em média, 39 × 40,5 × 3,2 mm de diâmetro, nos planos crânio-caudal, látero-medial e ântero-posterior(5). Entretanto, nas lesões de Morel-Lavallée, as dimensões e os limites das coleções frequentemente excedem as proporções esperadas para a bursa prépatelar, sendo este o sinal mais confiável na diferenciação entre as duas entidades. Coleções que se estendem acima da região suprapatelar são virtualmente diagnósticas de Morel-Lavallée, pois a bursa não deve se estender até este ponto(4,7). Borrero et al. estudaram quatro coleções de Morel-Lavallée, demonstrando em todos os casos uma coleção unilocular cujos limites se estendiam além da bursa pré-patelar, não identificando nelas sangue ou focos gordurosos(4). Tejwani et al. demonstraram que as coleções de Morel-Lavallée ultrapassavam as dimensões esperadas da bursa pré-patelar e afirmaram que muitos dos 27 casos de Morel-Lavallée no joelho podiam ser distinguidos somente com base no exame clínico; nenhuma destas lesões foi biopsiada, o que mantém o critério das dimensões como ferramenta ainda discutível no diagnóstico diferencial(4). CONCLUSÃO As coleções de Morel-Lavallée vêm sendo cada vez mais diagnosticadas na região do joelho, e o conhecimento do radiologista das características das lesões à RM pode auxiliar no diagnóstico desta afecção nem sempre reconhecida e às vezes de difícil tratamento. A presença de história de trauma associado a uma coleção periarticular no joelho deve lembrar a possibilidade de lesão de Morel-Lavallée no diagnóstico diferencial, juntamente com bursite pré-patelar. REFERÊNCIAS 1. Gilbert BC, Bui-Mansfield LT, Dejong S. MRI of a Morel-Lavallée lesion. AJR Am J Roentgenol. 2004;182:1347–8. 2. Hak DJ, Olson SA, Matta JM. Diagnosis and management of closed internal degloving injuries associated with pelvic and acetabular fractures: the Morel-Lavallée lesion. J Trauma. 1997;42:1046–51. 3. Mellado JM, Bencardino JT. Morel-Lavallée lesion: review with emphasis on MR imaging. Magn Reson Imaging Clin N Am. 2005;13:775–82. 4. Borrero CG, Maxwell N, Kavanagh E. MRI findings of prepatellar Morel-Lavallée effusions. Skeletal Radiol. 2008;37:451–5. 5. Tejwani SG, Cohen SB, Bradley JP. Management of Morel-Lavallee lesion of the knee: twentyseven cases in the national football league. Am J Sports Med. 2007;35:1162–7. 6. Moriarty JM, Borrero CG, Kavanagh EC. A rare cause of calf swelling: the Morel-Lavallee lesion. Ir J Med Sci. 2009 Jul 18. [Epub ahead of print]. 7. Ciaschini M, Sundaram M. Radiologic case study. Prepatellar Morel-Lavallée lesion. Orthopedics. 2008;31:626,719–21. 8. Aguiar RO, Viegas FC, Fernandez RY, et al. The prepatellar bursa: cadaveric investigation of regional anatomy with MRI after sonographically guided bursography. AJR Am J Roentgenol. 2007;188:W355–8. 1. Doutor, Radiologista da Clínica Radiológica Osório Lopes e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil. 2. Médico Radiologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil. 3. Médicos Residentes em Radiologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. 4. Médico Radiologista, Chefe do Centro de Diagnóstico por Imagem da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Eduardo Hennemann Pitrez Rua Antenor Lemos, 33, Menino Deus Porto Alegre, RS, Brasil, 90850-100 E-mail: epitrez@terra.com.br Recebido para publicação em 13/3/2010 Aceito, após revisão, em 13/7/2010 Trabalho realizado na Clínica Radiológica Osório Lopes, Porto Alegre, RS, Brasil |