ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Antonio Sergio Zafred Marcelino, Maria Cristina Chammas, Ilka Regina Souza de Oliveira, André Cosme de Oliveira, Osvaldo Ignácio Pereira, Francisco César Carnevale, Osmar de Cássio Saito, Giovanni Guido Cerri |
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Descritores: Hipertensão portal, Anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular, Ultra-som Doppler |
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Resumo: IIIMédica Assistente, Doutora em Radiologia, Diretora do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário (HU) da FMUSP
INTRODUÇÃO A anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS - "transjugular intrahepatic porto systemic shunt") é um procedimento intervencionista minimamente invasivo realizado por meio da in trodução de uma prótese metálica auto-expansível no parênquima hepático, por via transjugular. Este procedimento tem por objetivo reduzir a pressão no sistema porta e desviar o fluxo sanguíneo de um território patológico, o sistema porta hipertenso, para um território de baixa pressão, a circulação sistêmica, e assim tratar as complicações da hipertensão portal, principalmente a hemorragia digestiva alta e a ascite refratária. Desta forma, propicia a melhora dos pacientes hepatopatas crônicos candidatos ao transplante de fígado, diante da ineficácia das outras formas de tratamento dos sintomas decorrentes da hipertensão portal. Embora seja procedimento eficaz e com baixo índice de insucesso, algumas complicações, como a estenose, são freqüentes. O diagnóstico precoce da estenose é de fundamental importância, pois interfere no tipo de tratamento a ser realizado e o reaparecimento dos sintomas pode ter conseqüências graves. O ultra-som Doppler é o exame de escolha para o seguimento dos pacientes portadores do TIPS, e vários parâmetros são descritos na literatura para o diagnóstico de estenose(1-4). Infelizmente, não há consenso a respeito de qual parâmetro ou conjunto de parâmetros é mais eficaz no diagnóstico da estenose, porque os protocolos de avaliação e os critérios utilizados variam de instituição para instituição. Os autores estão realizando um estudo prospectivo dos pacientes submetidos ao TIPS, por meio de seguimento com ultra-som Doppler, e avaliando todos os critérios sugestivos de estenose do TIPS descritos na literatura. Objetivo: Estudar os parâmetros Doppler de estenose do TIPS e os parâmetros considerados normais após a realização do procedimento.
MATERIAIS E MÉTODOS Casuística O presente estudo prospectivo é composto por 16 pacientes submetidos ao TIPS no Serviço de Radiologia Intervencionista do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período de dezembro de 2001 a março de 2003. Foram submetidos ao TIPS oito pacientes do sexo masculino e oito pacientes do sexo feminino, sendo nove portadores de varizes de esôfago refratárias, três pacientes com síndrome de Budd-Chiari e quatro pacientes com ascite refratária. A média de idade dos pacientes foi de 48,6 anos, com variação de 36 a 60 anos. Todos os pacientes submetidos ao TIPS foram examinados com o ultra-som Doppler, no período de 24-48 horas após, para definição dos parâmetros dopplervelocimétricos normais. Este exame, chamado de exame de base, serviu de padrão de norma lidade para cada paciente em questão, e o seguimento dos pacientes foi feito em intervalos regulares de 30 dias, três meses, seis meses e um ano após o TIPS. A análise dos resultados foi feita de maneira isolada e comparativa com o exame de base. Na presença de parâmetros dopplervelocimétricos sugestivos de estenose, o paciente foi encaminhado para o Serviço de Radiologia Intervencionista, para confirmação e conduta pertinente (angioplastia, trombólise ou colocação de novo "stent"). Realizada a angiografia terapêutica, 24-48 horas após, o paciente foi submetido a novo exame de base, que serviu como novo padrão de normalidade para posterior seguimento. Equipamentos Foram utilizados dois equipamentos de ultra-som, modelos Logiq 700 e Logiq 500 PRO, com transdutor convexo multifreqüencial de 3,5 MHz. Métodos Ultra-som modo-B - Os pacientes foram posicionados em decúbito dorsal e a obtenção dos parâmetros foi realizada em apnéia sem inspiração forçada, exceto naqueles pacientes intubados ou dispnéicos em exames à beira do leito. A posição da prótese e a presença de coleções ao redor do trajeto de passagem foram avaliadas ao ultra-som modo B. Ultra-som Doppler colorido e de amplitude - Com o Doppler colorido e de amplitude observou-se o preenchimento da luz dos vasos, da prótese e eventuais pontos de turbilhonamento do fluxo. Ultra-som Doppler pulsado - As velocidades de fluxo foram avaliadas com o Doppler pulsado na veia porta, ramos portais principal direito e esquerdo, na artéria hepática e veias hepáticas principais. A avaliação na prótese foi feita com o Doppler pulsado no terço proximal intra-hepático, no terço médio, no terço distal, na junção com a veia hepática de drenagem e veia cava inferior e nos eventuais pontos de turbilhonamento do fluxo observados ao Doppler colorido e de amplitude. Os gradientes de velocidade foram avaliados entre os diferentes pontos da prótese, no exame de base e nos exames com parâmetros sugestivos de estenose. Além destes, avaliou-se o gradiente temporal de velocidade no mesmo ponto da prótese, correlacionando os exames de base e os exames posteriores com suspeita de estenose. O padrão de fluxo, contínuo ou pulsátil, foi também avaliado nos diferentes segmentos da prótese e na veia porta. Análise estatística Para os gradientes de velocidade foi utilizado o teste de Friedman, para as variáveis numéricas foi utilizado o teste de Mann-Whitney, e para análise da proporção, o teste de Fisher.
RESULTADOS Dos 16 pacientes submetidos ao exame de base, 14 foram normais. Em dois casos patológicos, um paciente apresentou acotovelamento ("kinking") durante o procedimento, evoluindo com oclusão da prótese e óbito. O outro paciente evoluiu com estenose aguda confirmada em transplante de fígado, posteriormente. Catorze pacientes com exame de base normal foram submetidos ao seguimento, em intervalos regulares, e destes, cinco apresentaram suspeita de estenose do TIPS após três a quatro meses da data do procedimento. Foram confirmados quatro casos de estenose e um caso de ectopia da prótese que simulava padrão obstrutivo. Embora exista ampla variação dos valores de velocidade obtidos nos exames de base e nos exames com estenose, nenhum valor absoluto de velocidade demonstrou significância estatística até o momento, como podemos observar nas Tabelas 1 e 2, que resumem alguns dos resultados obtidos. Os únicos parâmetros com significância estatística são o gradiente de velocidade entre dois pontos (terço proximal-terço distal), com p = 0,006, e o padrão de fluxo contínuo no TIPS proximal, presente em 83,33% dos casos de estenose (p = 0,043) (Tabela 2).
Outros parâmetros sugestivos de estenose, como a redução de velocidade na artéria hepática, a inversão de fluxo na veia hepática de drenagem e o gradiente temporal de velocidade entre os exames, embora presentes, não apresentaram significância estatística.
DISCUSSÃO O objetivo deste trabalho é estudar os parâmetros Doppler indicativos de estenose do TIPS descritos na literatura, aqueles que podem ser considerados normais após a realização do procedimento, e analisar a reprodutibilidade destes em nosso meio, a fim de encontrar qual ou quais parâmetros combinados fazem melhor o diagnóstico de estenose. O padrão pulsátil de fluxo foi encontrado na maioria dos exames de base (76,8% dos casos). Tal achado é considerado normal e se faz presente em virtude da transmissão dos batimentos cardíacos através do TIPS, como demonstrado por Chong et al.(5). Nos pacientes intubados sob pressão positiva, o fluxo contínuo esteve presente porque o aumento da pressão intratorácica proporciona a redução da pulsatilidade do fluxo(6). Nos casos de estenose, foi observada redução da pulsatilidade, a exemplo de outros estudos(7) . Sheiman et al. utilizaram o valor do índice de pulsatilidade venosa (velocidade sistólica - velocidade diastólica/velocidade sistólica) para fazer o diagnóstico de estenose. Segundo ele, o índice de pulsatilidade venosa menor que 0,16 nos terços proximal e médio da prótese nos conduz ao diagnóstico de estenose(7). Em nossa amostra, o padrão de fluxo contínuo proximal à estenose apresentou significância estatística (p = 0,043). Tal achado esteve presente em 83,33% dos casos de estenose e no caso de ectopia da prótese que simulava padrão estenótico. Importante ressaltar que todos os pacientes com estenose do TIPS apresentavam o fluxo contínuo no terço proximal por ocasião do diagnóstico de estenose e fluxo pulsátil no exame de base, o que corrobora os achados de literatura. A velocidade na veia porta esteve abaixo de 30 cm/s em três casos de estenose e no caso de ectopia do TIPS(8). Em outro caso, a velocidade na veia porta esteve entre 30 e 40 cm/s, conforme descrito por Haskal et al.(9). Embora freqüente, a redução de velocidade na veia porta em relação ao exame de base não apresentou significância estatística, em virtude do pequeno número de casos da nossa amostra. O gradiente de velocidade na veia porta de dois terços em relação ao exame de base, utilizado por Zizka et al., não apresentou significância estatística, mas foi observado em três dos nossos cinco casos de estenose(10). A velocidade no terço proximal intra-hepático da prótese (pré-estenose) abaixo de 50-60 cm/s foi observada em três pacientes com estenose(5,9,11-13). A velocidade abaixo de 90 cm/s foi observada em mais dois pacientes com estenose(8). Em nossa experiência, este parâmetro não apresentou significância estatística, embora presente na maioria dos casos de estenose do TIPS, conforme observado na Tabela 1. A exemplo de outros centros, que utilizam diferentes valores absolutos de velocidade máxima no ponto de estenose ou próximo a ele, que variam de 185 a 250 cm/s, encontramos grande variação de velocidade nos casos de estenose e também nos exames de base, como podemos observar na Tabela 1(8,10,14-16). Porém, este parâmetro não apresentou significância estatística e não encontramos um valor absoluto de velocidade máxima capaz de fazer isoladamente o diagnóstico de estenose do TIPS, em virtude desta ampla variação. O gradiente temporal de velocidade (aumento ou diminuição de 50 cm/s no mesmo ponto da prótese entre os exames de base e de seguimento), proposto por Dodd e por Kantermann (aumento de 60 cm/s ou diminuição maior que 40 cm/s) para o diagnóstico de estenose, também foi avaliado e esteve presente em cinco casos(10,17). A média de aumento da velocidade foi de 69,8 cm/s nos casos de estenose em nossa amostra. O gradiente de velocidade > 100 cm/s entre dois pontos da prótese apresentou significância estatística em nossa amostra(10). A média dos gradientes de velocidade encontrada foi de 158,5 cm/s, comparando-se o terço proximal à estenose e o ponto da estenose, com p = 0,006 (Tabelas 1 e 2). Não houve gradiente de velocidade significativo no caso de estenose difusa, bem como no caso de ectopia da prótese, corroborado por alguns relatos de literatura. Nos exames de base, foi analisado o gradiente de velocidade entre os diferentes pontos da prótese, observando-se variações de velocidade entre os segmentos de até 68 cm/s. Este achado é concordante com Haskal et al., que descrevem a maior velocidade no terço médio, por dificuldades técnicas na realização dos exames(9). Outros parâmetros sugestivos de estenose foram observados com menor freqüência e sem significância estatística. Em nossa amostra, a redução de velocidade na artéria hepática foi observada em dois casos(8,9,14), a inversão de fluxo na veia hepática em um caso(18), e a inversão de fluxo no ramo portal esquerdo em dois casos de estenose e em um caso de oclusão da prótese(8,14,16). Estes achados demonstram a necessidade da realização do exame de base, da avaliação dos diversos pontos sujeitos a alteração de fluxo nos casos de estenose do TIPS e o conhecimento de todos os parâmetros de estenose descritos na literatura. Além disso, é preciso ter ciência dos aspectos hemodinâmicos envolvidos no diagnóstico da estenose, como, por exemplo, a redução da velocidade e da pulsatilidade nos pontos pré-estenose, a elevação da velocidade no ponto de estenose ou próximo a ele, a existência de gradientes de velocidade (pré/pós-estenóticos) nas estenoses focais, gradientes temporais de velocidade (gradiente entre exames) em estenoses focais ou difusas e a possível inversão de fluxo nos ramos portais e veias hepáticas que podem compensar o funcionamento inadequado do TIPS.
A nova geração de endopróteses revestidas com politetrafluoretileno (PTFE) proporciona maior tempo de permeabilidade ao TIPS e redução do número de reintervenções, o que deve tornar o TIPS um procedimento mais eficaz a longo prazo e menos suscetível à estenose(19).
CONCLUSÃO Podemos concluir que o ultra-som Doppler permite o diagnóstico das complicações inerentes ao TIPS, sobretudo das estenoses. Os parâmetros com significância estatística até o momento são o gradiente de velocidade entre dois pontos da prótese e o padrão de fluxo contínuo no terço proximal, junto à veia porta (pré-estenose). A maior casuística permitirá o melhor estudo de todos os parâmetros descritos na literatura e estabelecer valores absolutos de velocidades mínima e máxima indicativos de estenose e quais os melhores parâmetros para diagnosticar a estenose do TIPS.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 22/10/2003. Aceito, após revisão, em 8/12/2003
* Trabalho realizado no Serviço de Ultra-Sonografia do Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP. |