ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Henrique Nogueira Reis, Antonio Carlos Pires Carvalho, Horácio Faig Leite, Rossana Corbo Ramalho de Mello, Sergio Salles Xavier |
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Descritores: Forame de Huschke, Tomografia computadorizada, Osso temporal |
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Resumo: VMédico do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Professor dos Programas de Pós-graduação em Cardiologia e Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO Durante o desenvolvimento da parte timpânica dos ossos temporais, nos primeiros anos após o nascimento, encontra-se uma comunicação óssea entre o meato acústico externo e a articulação temporomandibular, denominada forame de Huschke(13). Esta comunicação, primeiramente descrita em detalhes por Emil Huschke, normalmente é encontrada na porção ântero-inferior da parte timpânica dos ossos temporais de crianças entre o primeiro e o quinto ano de vida, tempo em que se oblitera feito um diafragma. Caso a comunicação persista no adulto, passa a ser considerada uma anomalia anatômica(1,4). A formação do forame de Huschke se dá após o nascimento, quando o anel timpânico se torna o osso timpânico e tem a forma de um anel interrompido em sua extremidade superior. Durante seu desenvolvimento, que ocorre em sentido circular e superior por meio de seus centros de ossificação, o osso timpânico irá fundir-se à porção petrosa do osso temporal formando a parede externa da cavidade timpânica. A próxima fase de desenvolvimento é o aparecimento de dois tubérculos ou proeminências que crescem um contra o outro, até se unirem no primeiro ano de vida. O osso timpânico apresenta, agora, como resultado da fusão desses dois tubérculos, uma abertura denominada forame de Huschke(1). Sua importância clínica tem sido reconhecida e vários autores chamaram a atenção para o fato, afirmando ser esta anomalia uma rota potencial de: disseminação de infecções com origem no meato acústico externo, as quais acometem a articulação temporomandibular(5,6) e a glândula parótida(7,8); tumores com origem na fossa articular, que de forma incomum atingem o meato acústico externo(7); casos de fístula salivar espontânea no mesmo meato acústico(9,10); e complicações na artroscopia da articulação temporomandibular(1015). Considerando que a introdução da técnica de obtenção de imagens tomográficas veio propiciar, dentre inúmeras vantagens, a visualização do forame de Huschke(1618), esta pesquisa se propôs a estudar sua persistência, por meio do exame de tomografia computadorizada (TC).
MATERIAIS E MÉTODOS Foram avaliados, retrospectivamente, os exames de TC da mastóide de 150 pacientes adultos do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, atendidos pelo Serviço de Otorrinolaringologia, sendo 68 do sexo masculino e 82 do sexo feminino, com idades entre 11 e 88 anos, média de idade de 47 anos. Todas as tomografias dos pacientes foram atentamente analisadas por um cirurgião-dentista e um médico radiologista, com o objetivo de pesquisar, na região da fossa articular e do meato acústico externo, a persistência do forame de Huschke. Uma vez constatada a sua presença, as imagens de interesse foram fotografadas. Em seguida, foram anotados em ficha apropriada os seguintes dados relativos a esta amostra: a) nome, idade e sexo do paciente; b) presença ou ausência do forame; c) incidência uni ou bilateral; d) o número do prontuário que identifica o paciente; e) a data em que foi realizado o exame tomográfico. Objetivando não prejudicar a amostragem, foram excluídos exames de pacientes operados na região da orelha e/ou com história de trauma na mesma região e exames controle de pacientes uma vez avaliados. Não foram excluídos exames realizados utilizando-se contraste intravenoso. Com a finalidade de visualizar a imagem tomográfica do forame de Huschke, foram realizadas TC, em cortes axial e coronal, de duas peças anatômicas: a primeira, com o forame de Huschke presente (Figura 1) e a segunda, controle, anatomicamente sem alterações. Após a avaliação das imagens obtidas, pode-se seguramente afirmar que na série obtida junto à primeira peça anatômica, corte axial, era perfeitamente visualizado o forame de Huschke (Figura 2), o que não foi possível na peça controle (Figura 3).
Todos os exames tomográficos avaliados são de cortes no plano axial da região da mastóide, com espessura de 1,0 mm a 1,5 mm, e incremento, que representa a distância entre os cortes, de 1,0 mm. Após a análise dos exames, os resultados obtidos foram submetidos a tratamento estatístico com o auxílio do teste exato de Fisher, para avaliar se a persistência do forame de Huschke, no total da amostra, ocorreu com maior freqüência em pacientes do sexo feminino ou do sexo masculino, e, em relação ao sexo, se houve maior incidência uni ou bilateral.
RESULTADOS O forame de Huschke estava presente em 17 (11,3%) e ausente em 133 (88,7%) dos pacientes. Dos 17 pacientes em que ele estava presente, 13 (76,5%) eram do sexo feminino e quatro (23,5%), do sexo masculino, mostrando maior incidência do forame em indivíduos do sexo feminino, o que foi estatisticamente significante. Portanto, pode-se afirmar que a incidência do forame de Huschke é maior em indivíduos femininos do que em indivíduos masculinos. Com relação ao lado, verificou-se que o forame de Huschke foi identificado bilateralmente em 11 (64,7%) pacientes e unilateralmente em seis (35,3%) pacientes. Para verificar a hipótese de que na região do forame de Huschke e do meato acústico externo os sexos induzem freqüências iguais da presença do forame de Huschke, foi idealizada a Tabela 1. Submetendo-se os dados da Tabela 1 ao teste de Fisher, obteve-se p = 0,037, menor do que o nível de significância de 0,05. Assim, estatisticamente, pode-se afirmar que o forame de Huschke, na amostra estudada, prevaleceu mais em indivíduos do sexo feminino do que em indivíduos do sexo masculino.
Com a Tabela 2, pode-se estudar a hipótese de que o sexo induziu freqüências iguais unilaterais e bilaterais da presença do forame de Huschke.
Pode-se observar, na Tabela 2, que em 30,8% e 69,2% dos exames de pacientes do sexo feminino ocorreu a presença do forame nas formas unilateral e bilateral, respectivamente, e que em 50,0% do sexo masculino ocorreu a presença do forame na forma unilateral e nos outros 50,0%, bilateral. Submetendo-se esses dados ao teste exato de Fisher, obteve-se p = 0,347, maior do que o nível de significância de 0,05, mostrando que a unilateralidade ou a bilateralidade da presença do forame não foi influenciada pelo sexo. Em seguida, visualizam-se, por meio das Figuras 4 e 5, imagens tomográficas que foram registradas durante o desenvolvimento desta pesquisa, em que foi possível identificar o forame de Huschke do lado direito e/ou do lado esquerdo.
DISCUSSÃO Os números encontrados pelos autores relacionados à persistência do forame de Huschke(1,8,19) apresentam variação bastante acentuada, como também é variado o volume das amostras estudadas por cada um deles. Enquanto Ars(1) encontrou persistência de apenas dois forames (0,7%) em 300 temporais estudados, não especificando o sexo e a origem étnica de sua amostra, Herzog e Fiese(20) encontraram 16 forames em 100 crânios de indianos avaliados (16,0%), porém, assim como Ars(1), sem especificarem a identidade sexual de sua amostragem, o que também não foi realizado por Wang et al.(8). Esses autores, ao analisarem 377 crânios, sendo 300 de orientais e 77 de ocidentais, encontraram o forame em 7,2% da amostra, porém, quando analisados em separado e de acordo com a etnia, a persistência foi de 6,7% e 9,1%, nesta ordem. Faig-Leite e Horta Júnior(4) encontraram o forame de Huschke em 9,9% de uma amostra bastante expressiva composta por 776 crânios. Dentre esses crânios, 305 foram cuidadosamente identificados segundo o sexo, a faixa etária e também o grupo étnico. Ao analisarem em separado os crânios identificados, observaram que o forame de Huschke estava mais freqüente em crânios do sexo feminino (16,2%) do que nos do sexo masculino (8,3%). Os resultados obtidos em peças anatômicas pelos pesquisadores anteriormente citados confirmam que a persistência do forame de Huschke varia acentuadamente. Porém, quando comparados com os resultados obtidos no presente estudo por imagem (11,3%), pode-se observar que se situam próximos aos de Faig-Leite e Horta Júnior(4) (9,9%). Ainda em consonância com o último autor citado, foi observada maior incidência dessa estrutura anatômica nos indivíduos do sexo feminino (8,7%), enquanto no sexo masculino a incidência foi de 2,6%, o que não fora observado pelos demais autores que se propuseram a estudar a referida anomalia anatômica, como Ars(1), Herzog e Fiese(20) e Wang et al.(8). Chama a atenção, sobretudo, o fato de que se revendo a literatura e se deparando com relatos de graves problemas clínicos que ocorreram advindos da persistência do forame de Huschke, pode-se observar que a grande maioria dos casos que foram descritos acometeram indivíduos do sexo feminino(2,3,10,13,18,2124). Ao se identificar a presença unilateral do forame de Huschke nas TC analisadas, pode-se observar que ele estava presente unilateralmente em 4,0% da amostra (seis indivíduos), valor próximo ao obtido por Wang et al.(8), que encontraram essa forma em 3,4% (13 crânios), no entanto, distante dos números coletados por Faig-Leite e Horta Júnior(4) (5,3%; 41 crânios) e por Herzog e Fiese(20) (9,0%; nove crânios). Bilateralmente, encontrou-se o forame em 7,3% (11 indivíduos) das tomografias avaliadas, valores próximos aos referidos por Herzog e Fiese(20) (7,0%; sete crânios), porém diferentes dos obtidos por Wang et al.(8) (3,7%; 14 crânios) e por Faig-Leite e Horta Júnior(4) (4,6%; 36 crânios). Não se pode deixar de observar que Ars(1) não descreveu esses dados em sua pesquisa. Alguns autores observaram que as radiografias comuns eram falhas em detectar a presença do forame de Huschke(6,19). Para outros, era mesmo impossível de este ser identificado(21), por causa das superposições das estruturas dos ossos temporais, incluindo a parte timpânica, onde se situa esta anomalia anatômica(21,22). Nestes casos, quando se necessita visualizar as estruturas que compõem o meato acústico externo e a orelha média encobertas pelo osso temporal, segundo vários pesquisadores(5,9,17,18,21,2325) , a TC é considerado o exame de eleição e o mais apropriado para a visualização da referida estrutura anatômica. Na presente pesquisa, a TC mostrou-se eficaz para identificar a persistência do forame na amostra avaliada, embora Applebaum et al.(11), ao descreverem terríveis iatrogenias ocorridas durante a artroscopia da articulação temporomandibular, por exemplo a surdez na sua forma irreversível, alertarem para a possibilidade de a TC falhar em detectar pequenos defeitos ósseos que possibilitariam a penetração do artroscópio no meato acústico externo. De acordo com Heffez et al.(19), Herzog e Fiese(20) e Schickinger et al.(14), o forame de Huschke poderia predispor a tais lesões por causa da penetração do artroscópio, que apresenta diâmetro de sua secção transversal variando entre 1,7 mm e 2,7 mm, no meato acústico externo, indo de encontro às estruturas da orelha média, trazendo seqüelas importantes ao aparelho auditivo. Logo, os dados obtidos nesta pesquisa permitem sugerir que a TC é um exame extremamente importante para a visualização de subestruturas anatômicas, por exemplo o forame de Huschke, em consonância com o que foi observado por Hawke et al.(21,23), Herzog e Fiese(20), Cecire et al.(9), Dingle(5), Schunk et al.(26), Rabinov et al.(18), Ali e Rubinstein(16) e Anand et al.(17).
CONCLUSÃO O forame de Huschke foi identificado em 17 (11,3%) pacientes; estatisticamente, este incidiu mais em indivíduos do sexo feminino, e em relação ao sexo, não foi verificada maior incidência uni ou bilateral do forame. Os profissionais que atuam na região da orelha, da articulação temporomandibular e em regiões anatômicas próximas, devem descartar a persistência do forame de Huschke, bem como ter conhecimento das importantes implicações clínicas quando da sua presença.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 17/8/2005.
* Trabalho realizado junto ao Serviço de Arquivo de Imagens do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. |