Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 40 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2007

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
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Page(s) IX to XII



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Eduardo Benchimol Saad, Luiz Eduardo Montenegro Camanho, Fernanda d'Araujo Costa Ferreira, Ieda Prata Costa, Amarino Carvalho de Oliveira Júnior

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Texto em Português English Text

Paciente de 43 anos de idade, do sexo masculino, com 103 kg, 1,70 m de altura, com presença de arritmias ventriculares freqüentes, necessitando de cardioversão elétrica em três episódios, foi encaminhado para o Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Pró-Cardíaco para a realização de ressonância magnética (RM) do coração.

Descrição das imagens

Figura 1. Aquisições acopladas ao eletrocardiograma (ECG), em cine Fiesta (SSFP), imagens superiores ao final da diástole e inferiores ao final da sístole, em quatro câmaras varredura e eixo curto. Observar que os átrios estão de tamanho normal. O ventrículo esquerdo (VE) possuía função global e segmentar preservada, com fração de ejeção de 65%. O ventrículo direito (VD) possuía dilatação global leve com disfunção, sendo a fração de ejeção estimada em 32% (Simpson). Nota-se afilamento da parede do VD próximo à via de saída, com discretas irregularidades parietais.

 

 

Figura 2. Aquisições acopladas ao ECG. Imagens superiores em double IR sem supressão de gordura e imagens inferiores com estudo do realce tardio em quatro câmaras varredura e eixo curto. Observam-se discretos focos de substituição fibrogordurosa caracterizados na correlação das duas seqüências em que identificamos o realce tardio miocárdico na parede do VD, junto à via de saída.

 

 

Diagnóstico: Displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD).

 

COMENTÁRIOS

Também conhecida como cardiomiopatia do ventrículo direito (CVD), por se tratar de alteração estrutural do músculo cardíaco, que foi, primeiramente, identificada em um grupo de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de taquicardia ventricular, não-sensível à terapêutica antiarrítmica e sem antecedentes de doença cardíaca(1,2).

A DAVD é caracterizada por substituição progressiva das células miocárdicas por tecido fibrogorduroso, que ficam entremeadas aos miócitos normais(3).

A DAVD possui componente familiar, sendo observada mais freqüentemente em algumas regiões geográficas do planeta, e até o momento já foram descritos alguns genes implicados no aparecimento dessa cardiopatia (Quadro 1).

 

 

É uma doença rara, com freqüência estimada em 1:5.000, em que, em geral, os pacientes são homens jovens, sem antecedentes cardiovasculares, que apresentam arritmias ventriculares, freqüentemente grave e associada a morte súbita, particularmente durante atividade física. Palpitações, tonturas e mesmo síncope são os sintomas principais da doença, que são devidos à taquicardia ventricular, e mais raramente, relacionados a extrassístoles ventriculares. Outro dado importante e contrastante é a presença freqüente do exame físico praticamente normal, quando em ritmo sinusal(2,4?6).

A DAVD é considerada uma doença progressiva que potencialmente pode levar a insuficiência cardíaca e a morte após um período de tempo variável. O diagnóstico se baseia em critérios clínicos e laboratoriais internacionalmente aceitos, e para o fechamento diagnóstico o paciente deverá ter dois critérios maiores ou um maior e dois menores ou quatro menores (Quadro 2)(3,5,7?9).

 

 

ECG de alta resolução

Como podemos observar na Figura 3, alguns achados importantes foram encontrados nos traçados do ECG de alta resolução deste paciente, como: ondas T invertidas nas derivações precordiais direitas, potenciais tardios de baixa amplitude e alta freqüência no final da atividade elétrica ventricular e taquicardia ventricular com morfologia tipo bloqueio de ramo esquerdo.

Ressonância magnética cardíaca (RMC)

A RMC é, atualmente, considerada o melhor método diagnóstico, tanto para a avaliação da anatomia quanto para a função segmentar e global do VD, passando a ter papel significativo no diagnóstico e acompanhamento da DAVD(5,10).

Este método permite uma análise morfológica dos dois ventrículos e de suas atividades contráteis, com as técnicas em cine-RM acopladas ao ECG, que poderão nos fornecer os diâmetros cavitários e índices ventriculares(10).

No caso aqui apresentado, além do afilamento e irregularidades da parede do VD junto à via de saída, encontramos como medida do eixo menor do VD o valor de 5,2 cm (normal: 2,2 cm a 4,4 cm), fração de ejeção do VD de 32% (normal: 40% a 60%), índice de volume diastólico final do VD de 98 ml/m2 (normal: 62 ml/m2 a 88 ml/m2) e índice de volume sistólico final do VD de 65 ml/m2 (normal: 10 ml/m2 a 30 ml/m2), além de termos a fração de ejeção do VE normal. Isto caracteriza a presença de dois critérios menores para o diagnóstico.

A demonstração da infiltração por tecido adiposo, na parede ventricular, ao usar seqüências com sangue escuro, sem e com subtração da gordura (double e triple IR) poderá ser realizada e interpretada com certa segurança, além de ser possível, também, a identificação do tecido fibrogorduroso no estudo do realce tardio, que traduzirá permanência do gadolínio no miocárdio fibrótico.

Neste caso, também notamos a presença de focos de tecido fibrogorduroso na parede do VD, junto à via de saída, com realce tardio miocárdico parietal, o que caracteriza a presença de fibrose. Este dado, virtualmente, representa um critério maior, já que na descrição dos trabalhos ele ainda só deve ser caracterizado com a biópsia direcionada. No entanto, alguns autores, como Auffermann et al.(4), sugerem a substituição da angiografia e, possivelmente, da biópsia, pela RMC no diagnóstico de DAVD.

Em virtude da capacidade da RMC em detectar tecido gorduroso e fibrogorduroso, tem sido sugerido que esse método possui a capacidade de realizar o diagnóstico da DAVD baseado no reconhecimento do marcador histopatológico dessa doença(8).

No entanto, considerações teóricas e práticas devem ser levantadas:

1 ? A presença de tecido gorduroso no VD é encontrada em várias situações, inclusive em indivíduos normais. Isto já foi comprovado por Kaminaga et al.(7), que em análise quantitativa do tecido adiposo no miocárdio ventricular de 345 pacientes com diversas cardiopatias demonstraram que a prevalência de tecido gorduroso é de 6% em cardiopatias isquêmicas, 7% na doença de Kawasaki, 11% na cardiomiopatia hipertrófica, 18% na cardiomiopatia dilatada idiopática e 33% nos casos de DAVD.

2 ? Apesar de a presença de focos de fibrose no VD possuir boa correlação com achados histopatológicos e ser preditora de focos de taquicardia ventricular durante a realização de estudos eletrofisiológicos, as limitações técnicas associadas à resolução espacial ainda não permitem a detecção de pequenos depósitos de infiltração gordurosa e fibrogordurosa.

3 ? Pacientes que tenham realizado exames prévios, recentes, com ablação e/ou cauterização da parede do VD, podem ter focos de realce tardio inespecíficos, decorrentes do procedimento realizado.

Sendo assim, consideramos que a RM é útil no diagnóstico de casos em que a DAVD encontra-se mais avançada e com acometimento mais difuso e intenso do VD, pois devemos salientar que a presença de gordura parietal pode ser uma variação anatômica em miocárdios normais(6).

A detecção de gordura e fibrose por meio da RMC para o diagnóstico de DAVD é, atualmente, menos importante que no passado, sendo as alterações funcionais e morfológicas, como a presença de aneurisma, "serrilhamentos" ou o desarranjo trabecular, mais importantes(9,10).

Considerações finais

A experiência na interpretação em relação ao VD é um fator necessário para a correta interpretação dos achados, devido as variantes normais do VD serem maiores que as do VE. Portanto, os achados isolados da RMC devem ser interpretados com precaução e sempre correlacionados com os demais critérios diagnósticos, para se evitar excessos de interpretações afirmativas errôneas.

Neste caso, além do tecido fibrogorduroso identificado e da dilatação leve do VD com redução de sua fração de ejeção, encontramos mais três outros critérios menores pelo ECG de alta resolução, completando os critérios diagnósticos.

 

REFERÊNCIAS

1. Corrado D, Leoni L, Link MS, et al. Implantable cardioverter-defibrillator therapy for prevention of sudden death in patients with arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia. Circulation 2003;108:3084?3091.         [  ]

2. Elias J, Tonet J, Frank R, Fontaine G. Displasia arritmogênica do ventrículo direito. Arq Bras Cardiol 1998;70:449?456.         [  ]

3. McKenna WJ, Thiene G, Nava A, et al. Diagnosis of arrhythmogenic right ventricular dysplasia/cardiomyopathy. Task Force of the Working Group Myocardial and Pericardial Disease of the European Society of Cardiology and of the Scientific Council on Cardiomyopathies of the International Society and Federation of Cardiology. Br Heart J 1994;71:215?218.         [  ]

4. Auffermann W, Wichter T, Breithardt G, Joachimsen K, Peters PE. Arrhythmogenic right ventricular disease: MR imaging vs. angiography. AJR Am J Roentgenol 1993;161:549?555.         [  ]

5. Midiri M, Finazzo M, Brancato M, et al. Arrhythmogenic right ventricular dysplasia: MR features. Eur Radiol 1997;7:307?312.         [  ]

6. Fontaliran F, Fontaine G, Fillette F, Aouete P, Chomette G, Grosgogeat Y. Frontières nosologiques de la dysplasie arythmogène. Variations quantitatives du tissu adipeux ventriculaire droit normal. Arch Mal Coeur 1991;84:33?38.         [  ]

7. Kaminaga T, Naitou H, Hamada S, Takamiya M. Detection of myocardial fatty components with ultrafast CT. Nippon Igaku Hoshasen Gakkai Zasshi 1993;53:28?34.         [  ]

8. Castillo E, Tandri H, Rodriguez ER, et al. Arrhythmogenic right ventricular dysplasia: ex vivo and in vivo fat detection with black-blood MR imaging. Radiology 2004;232:38?48.         [  ]

9. Tandri H, Friedrich MG, Calkins H, Bluemke DA. MRI of arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia. J Cardiovasc Magn Reson 2004; 6:557?663.         [  ]

10. Rochitte CE, Pinto IMF, Fernandes JL, et al. I Diretriz de Ressonância e Tomografia Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2006;87:e48?e59.        [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Marcelo Souto Nacif
Rua Tavares de Macedo, 136, ap. 1503/A, Icaraí
Niterói, RJ, Brasil, 24220-211
E-mail: msnacif@yahoo.com.br

 

 

* Trabalho realizado no Hospital Pró-Cardíaco, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


 
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