Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 40 nº 5 - Set. / Out.  of 2007

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 349 to 353



Ultra-som tridimensional na avaliação do volume de membros fetais

Autho(rs): Edward Araujo Júnior, Márcio Fragoso Vieira, Luciano Marcondes Machado Nardozza, Hélio Antônio Guimarães Filho, Cláudio Rodrigues Pires, Antonio Fernandes Moron

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Texto em Português English Text

Descritores: Ultra-som tridimensional, Membros fetais, Volume

Keywords: Three-dimensional ultrasound, Fetal limbs, Volume

Resumo:
O volume de membros fetais é conhecido marcador do estado nutricional e de crescimento intra-uterino. O surgimento da ultra-sonografia tridimensional tem permitido avaliação volumétrica mais precisa, principalmente de estruturas com formas irregulares, como é o caso dos órgãos fetais. A ultra-sonografia tridimensional pelo modo multiplanar surge como o método mais eficiente para a avaliação do volume de membros fetais, tornando-se o exame mais acurado para a predição de peso ao nascimento. Atualmente, por meio desse método, já se consegue monitorar o desenvolvimento do tecido macio, sendo capaz de diagnosticar mais precocemente os distúrbios do crescimento intra-uterino. Em nosso meio, em que há altos índices de desvios do crescimento fetal e ao mesmo tempo baixa assistência neonatal de qualidade, a maior difusão do método poderia contribuir de forma decisiva para a diminuição nos índices de morbidade e mortalidade perinatais.

Abstract:
The fetal limb volume reflects the nutritional status and intra-uterine growth of the fetus. The arrival of the three-dimensional ultrasound has allowed a more accurate volumetric evaluation of irregularly shaped structures such as fetal organs. The three-dimensional multiplanar mode is the most efficient technique to evaluate fetal limb volume as a parameter for a more accurate birth weight prediction. Currently, this method is useful for monitoring the development of soft tissue and for early detection of fetal growth deviations. In our country, where fetal growth restriction is frequent, with poor access to a skilled neonatal assistance, the dissemination of this technique could definitely contribute to reduce the rates of perinatal morbidity and mortality.

VProfessor Orientador do Programa de Pós-graduação do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil
VIProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

Distúrbios do crescimento fetal são causas importantes de aumento na morbidade e mortalidade perinatais. Resultados pobres neonatais podem decorrer de macrossomia (tocotraumatismos) e de restrição do crescimento intra-útero (asfixia)(1,2).

O volume de membros fetais tem sido associado com crescimento fetal e estado nutricional(3). Inicialmente, as estimativas de volume da coxa (VolCox) e volume do braço (VolBra) fetais eram feitas indiretamente pela ultra-sonografia bidimensional (US-2D). Entretanto, a US-2D não consegue avaliar de forma acurada o volume de membros fetais. A maioria dos estudos sobre avaliação volumétrica de membros pela US-2D calcula o volume usando uma área de secção transversa obtida de apenas um plano de corte, estando sujeito a erros, pois o plano pode não ser o mais apropriado(4,5). Em outro estudo, o VolCox e o VolBra foram assumidos como se esses membros tivessem a forma de um cilindro(3), o que obviamente não condiz com a realidade.

Com o advento da ultra-sonografia tridimensional (US-3D), a acurácia deste método para avaliação volumétrica tem sido demonstrada para vários órgãos(6?8).

Como o VolCox e o VolBra estão bem estabelecidos como marcadores de crescimento e nutrição, diversos estudos têm utilizado o volume desses membros como preditor de peso ao nascimento, obtendo-se resultados mais fidedignos que as fórmulas tradicionais utilizadas pela US-2D(9?11). Resultados semelhantes foram obtidos utilizando-se apenas o volume de uma parte desses membros, chamada de "fração de volume de membros"(12).

Mais recentemente, tem-se avaliado o tecido macio fetal (tecido subcutâneo e músculo) pela medida da fração de VolBra e VolCox como uma forma de se tentar detectar precocemente desvios de crescimento em fetos de risco para distúrbios do crescimento intra-uterino(13,14).

A primeira curva de normalidade do VolBra pela US-3D ao longo da gravidez foi publicada em 2002, enquanto para o VolCox isto ocorreu em 2003, sendo ambos os estudos realizados por um mesmo grupo(15,16). Nesses estudos, assim como em todos sobre a avaliação volumétrica tridimensional de membros fetais, utilizou-seo modo multiplanar para o cálculo volumétrico. Essa técnica consiste em se determinar planos paralelos do órgão ao longo de um eixo, enquanto se realiza o seu delineamento externo em outro eixo. Os intervalos entre os planos são determinados pelo próprio operador, sendo que em cada plano se determina uma área. Ao final do processo, o computador calcula automaticamente o volume(17).

Recentemente, o VolCox e o VolBra fetais aferidos por meio da US-3D foram utilizados na predição de restrição do crescimento intra-uterino (RCIU), mostrando-se promissores para o diagnóstico desse distúrbio(18,19).

O objetivo deste artigo é apresentar o que há de mais atual na avaliação do volume de membros fetais por meio da US-3D, como as curvas de normalidade durante a gravidez, sua importância na predição de peso ao nascimento, e atualmente, a possibilidade de se monitorar intra-útero o desenvolvimento do tecido subcutâneo e muscular, surgindo como o método mais eficiente no diagnóstico precoce dos distúrbios do crescimento fetal e que pode contribuir de forma real para a diminuição da morbidade e mortalidade perinatais em fetos de risco.

 

ULTRA-SOM TRIDIMENSIONAL E VOLUME DO BRAÇO FETAL

A primeira curva de normalidade do VolBra fetal foi desenvolvida por Chang et al.(15). Esses autores realizaram um estudo prospectivo, transversal, com 206 gestantes normais entre 20 e 40 semanas. A técnica de mensuração do VolBra baseou-se no método multiplanar, ou seja, realiza-se a varredura tridimensional do braço adotando como referência o plano de medida do úmero, e posteriormente desloca-se o cursor a intervalos de 3,0 mm no eixo sagital, sendo, simultaneamente, o braço delineado no eixo axial. Eles observaram que o VolBra foi altamente correlacionado com a idade gestacional (IG), sendo que não houve diferença estatisticamente significante no erro intra-observador. Concluem que a curva de normalidade do VolBra pela US-3D pode servir de referência para avaliação do crescimento e estado nutricional do feto.

O primeiro estudo tentando determinar a acurácia da medida do VolBra pela US-3D em predizer o peso ao nascimento foi realizado por Liang et al.(10). Esses autores realizaram estudo prospectivo com 105 gestantes normais, sendo o cálculo de predição de peso realizado pelas tabelas habituais da US-2D e pelo VolBra, e todas as medidas realizadas em até 48 horas antes do nascimento. A técnica utilizada para o cálculo de VolBra foi a mesma citada anteriormente. Observaram que a fórmula de predição de peso utilizando o VolBra foi mais acurada, por ter menor erro absoluto e porcentagem de erro. Concluem que o VolBra avaliado pela US-3D é acurado para predizer peso ao nascimento, entretanto, salientam a necessidade de estudos com maiores casuísticas para a real validação da fórmula.

Lee et al.(12) tentaram provar a validade da medida da fração de volume de membro fetal pela US-3D na predição de peso ao nascer. Foram avaliados, prospectivamente, 100 fetos, sendo realizadas medidas de predição de peso pela US-2D e US-3D em até quatro dias antes do nascimento. A fração de volume de membro fetal baseia-se no volume de 50% da porção média do comprimento da diáfise do úmero e do fêmur, calculada pelo modo multiplanar, através de cinco delineamentos consecutivos ao nível da secção transversal do membro. Esse novo modelo foi comparado com o da fórmula de Hadlock em 30 fetos(20). Observaram que o novo modelo de predição de peso foi mais acurado que a fórmula de Hadlock, conseguindo predizer corretamente o peso de 20 de 30 fetos com até 5% de diferença do peso real. Concluem que esse novo modelo é válido para a predição de peso ao nascimento e salientam a necessidade da inclusão do tecido macio nas fórmulas de predição de peso.

Os autores acima citados avaliaram que o diagnóstico de distúrbios do crescimento fetal não pode ser baseado em estudos transversais, pois os fetos apresentam variações biológicas e diferentes potenciais genéticos de crescimento. Eles propuseram a avaliação individualizada do crescimento tendo como parâmetros a fração de VolBra, a circunferência do braço e o comprimento da diáfise do úmero, baseados no modelo de crescimento de Rossavik(21). A técnica de mensuração da fração de VolBra é a mesma anteriormente descrita. Observaram que ocorre aumento linear dos três parâmetros até 28 semanas, e após este período ocorre deposição acelerada de tecido subcutâneo e músculo em fetos com crescimento normal. Concluem que a fração de VolBra fetal pode detectar mudanças precoces do tecido macio, tornando-se parâmetro importante para a detecção precoce de distúrbios do crescimento fetal(14).

Chang et al.(18) avaliaram a eficácia do VolBra fetal por meio da US-3D na predição de RCIU. Realizaram estudo de corte transversal com 40 fetos com RCIU e 442 fetos sem RCIU. As medidas volumétricas foram efetuadas pelo método multiplanar. Utlizaram como melhor parâmetro para a predição de RCIU o percentil 10 do VolBra fetal, sendo que para este ponto de corte obtiveram sensibilidade de 97,5%, especificidade de 92,8%, valor preditivo positivo de 54,9%, valor preditivo negativo de 99,8% e acurácia de 93,1%. Além disso, o VolBra se mostrou melhor parâmetro de predição de RCIU que o diâmetro biparietal (DBP), o diâmetro occipitofrontal (DOF), a circunferência craniana (CC), a circunferência abdominal (CA), o comprimento do fêmur (CF) e a estimativa de peso fetal (EPF). Concluem que o VolBras fetal avaliado pela US-3D pode ser usado para predizer fetos com RCIU no pré-natal.

 

ULTRA-SOM TRIDIMENSIONAL E VOLUME DA COXA FETAL

Chang et al.(16) publicaram a primeira curva de normalidade do VolCox pela US-3D. Realizaram estudo prospectivo transversal com 204 gestantes normais entre 20 e 40 semanas. Para o cálculo do VolCox usaram o modo multiplanar, ou seja, realizaram varredura da coxa tendo como parâmetro o plano de medida do fêmur. Posteriormente, deslocavam o cursor ao longo do eixo sagital a intervalos de 3,0 mm e simultaneamente realizavam o delineamento da coxa no plano axial. Observaram que o VolCox foi altamente correlacionado com a IG e com parâmetros do crescimento fetal: DBP, DOF, CC, CA, CF e EPF. Concluem que o VolCox pela US-3D pode servir de referência para avaliar crescimento e estado nutricional durante a gravidez.

Chang et al.(9) compararam a acurácia da medida volumétrica da coxa fetal pela US-3D em predizer o peso ao nascimento, comparado com outras fórmulas comumente usadas para predizer peso pela US-2D(20,22,23). Avaliaram o VolCox de 100 fetos, sendo que todos nasceram em até 48 horas após a realização dos exames. A técnica para mensuração da coxa é a mesma anteriormente descrita. Observaram que o VolCox foi altamente correlacionado com o peso ao nascimento. A predição de erro, o erro percentual, o erro absoluto e o erro percentual absoluto do VolCox pela US-3D foram todos menores que os das fórmulas pela US-2D. Concluem que o VolCox pela US-3D é mais acurado na predição de peso ao nascimento do que as fórmulas usadas pela US-2D. Todavia, salientam a necessidade de estudos prospectivos em larga escala para validarem as conclusões.

Uma nova técnica de cálculo de VolCox pela US-3D para a predição de peso ao nascimento foi proposta por Song et al.(11). Essa técnica consiste em deslocar o cursor ao longo do plano de medida do fêmur, em três planos de secção transversa da diáfise (proximal, médio e distal), sendo a coxa simultaneamente delineada manualmente no plano axial. Compararam as medidas realizadas por essa técnica com as medidas realizadas pela US-2D(24,25). Avaliaram 84 fetos, sendo que todos tiveram nascimento em até 48 horas. Concluem que o VolCox, medido por esse método, é mais acurado que as fórmulas tradicionais baseadas pela US-2D em predizer o peso ao nascimento. Referem ainda, como vantagem desse método, o tempo consumido para o cálculo volumétrico, em torno de dois minutos, enquanto a técnica de Chang et al.(9) consumia de 10 a 15 minutos (Figura 1).

 

 

Lee et al.(13) introduziram a fração de VolCox fetal como um novo parâmetro para a avaliação do crescimento individualizado fetal, com base no modelo de crescimento de Rossavik(21). A casuística e o método são os mesmos citados anteriormente(14). Observaram aumento acelerado na deposição de tecido subcutâneo e músculo na coxa fetal após a 28ª semana de gestação. Concluem que a fração de VolCox fetal é um marcador muito sensível para as anormalidades do tecido macio, e que essas anormalidades podem caracterizar uma adaptação fisiológica precoce que precede o desenvolvimento de RCIU ou de macrossomia (Figura 2).

 

 

Chang et al.(19) avaliaram a eficácia do VolCox fetal por meio da US-3D na predição de RCIU. Realizaram estudo prospectivo transversal com 30 fetos com RCIU e 282 fetos sem RCIU. As medidas volumétricas foram realizadas pelo método multiplanar. Utilizando como melhor parâmetro para a predição de RCIU o percentil 10 do VolCox, obtiveram sensibilidade de 86,6%, especificidade de 91,1%, valor preditivo positivo de 51%, valor preditivo negativo de 98,5% e acurácia de 90,7%. Concluem que o VolCox fetal aferido por meio da US-3D pode ser usado para a predição de RCIU no pré-natal.

 

MÉTODO VOLUMÉTRICO MULTIPLANAR

Para a demonstração do método volumétrico multiplanar utilizamos a técnica padronizada por Chang et al.(9) para o cálculo de VolCox fetal.

A aquisição do bloco de imagem coxa é feita durante repouso fetal, com transdutor convexo volumétrico de varredura automática (C3-7ED) do aparelho Sonoace 8000Live (Medison; Seoul, Korea).

Inicialmente, se realiza a varredura em tempo real no modo bidimensional, de modo a se obter o plano padrão de medida do fêmur, que será considerada a região de interesse (ROI). Posteriormente, se realiza a varredura tridimensional (automaticamente, com ângulo de 60 graus, em quatro segundos). Obtém-se o modo multiplanar: plano sagital ou A, plano transversal ou B e plano coronal ou C (Figura 3). Em seguida, seleciona-se o plano A, girando-se a coxa em torno do eixo x, até que a diáfise femoral esteja disposta horizontalmente. Posteriormente, desloca-se a coxa de modo que a epífise proximal se posicione na origem das coordenadas (Figura 4). Depois, o cursor é deslocado ao longo da diáfise do fêmur até a epífise proximal, sendo os deslocamentos realizados a cada 3,0 mm. Simultaneamente, a imagem B (plano transversal) é delineada de forma manual, sendo que a cada deslocamento determina-se uma nova área. Ao final do deslocamento, o programa calcula automaticamente o VolCox fetal (Figura 5). O cálculo volumétrico da coxa, por essa técnica, tem duração média de 10 minutos.

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÕES

O advento da US-3D possibilitou avaliar de forma mais acurada o volume de diversos órgãos fetais, permitindo um diagnóstico mais precoce e preciso dos distúrbios do crescimento e desenvolvimento. Em relação aos membros fetais, que espelham o estado nutricional e de crescimento intra-uterino, pode-se predizer com maior acurácia o peso ao nascimento. Em nosso meio, em que há alta incidência de distúrbios do crescimento fetal e ao mesmo tempo pouco acesso à assistência neonatal de qualidade, seria de grande relevância a maior difusão do método tridimensional na avaliação do volume de membros. Dessa forma, se ofereceria maior suporte aos recém- nascidos de risco, contribuindo de forma decisiva para a diminuição dos índices de morbidade e mortalidade perinatais. Entretanto, deve-se ressaltar que os custos e o pouco treinamento inviabilizam a maior difusão do método.

 

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Endereço para correspondência:
Dr. Edward Araujo Júnior
Rua Carlos Weber, 950, apto. 113 Visage, Alto da Lapa
São Paulo, SP, Brasil, 05303-000
E-mail: araujojred@terra.com.br

Recebido para publicação em 5/9/2005. Aceito, após revisão, em 22/9/2005.

 

 

* Trabalho realizado no Setor de Ultra-sonografia Tridimensional do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil.


 
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