ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Nestor Kisilevzky |
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Descritores: Embolização terapêutica, Útero, Leiomioma, Qualidade de vida, Radiologia intervencionista |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Os miomas de útero, também denominados de leiomiomas ou fibromas, são os tumores ginecológicos benignos mais comuns e podem estar presentes em até 40% das mulheres em idade reprodutiva(1). A miomatose acomete com maior freqüência as mulheres da raça negra, nuligestas, obesas, com história familiar de miomatose e as portadoras de síndrome hiperestrogênica(2). Embora a natureza dos miomas seja absolutamente benigna, é bastante freqüente que ocasionem sintomas desconfortáveis como menorragia (aumento do volume menstrual), dismenorréia (dor durante a menstruação), sensação de pressão pélvica, aumento na freqüência urinária, dor, infertilidade ou aumento do volume abdominal e massa pélvica palpável(3). A forma de apresentação clínica é variável e depende, principalmente, do tamanho, localização e número de nódulos, mas um fato é certo: os sintomas da miomatose, quando presentes, condicionam profundo comprometimento da qualidade de vida das pacientes. O sintoma mais freqüente é o sangramento uterino anormal (menorragia), que geralmente se apresenta como menstruação com duração e fluxo sanguíneo aumentados, que podem, inclusive, provocar anemia(4). Geralmente, as mulheres se queixam da progressão da intensidade, isto é, a cada menstruação o fluxo vai se tornando mais intenso, obrigando a trocar absorventes com mais freqüência ou até a usar fraldas durante os dias de maior intensidade. É nessa situação que as pacientes referem não querer sair de casa, marcar atividades profissionais ou sociais, devido ao desconforto provocado pela sua menstruação, ou com o intuito de evitar situações embaraçosas ou constrangedoras. Até recentemente, as únicas modalidades terapêuticas para a miomatose sintomática eram o tratamento cirúrgico ou o tratamento hormonal. A histerectomia é, seguramente, o procedimento universalmente mais aplicado como forma de tratamento da miomatose. Estima-se que a miomatose é responsável por um terço das quase 400.000 histerectomias anuais realizadas nos Estados Unidos(5). Embora tenha a vantagem de ser definitivamente curativa, a histerectomia é um procedimento cirúrgico formal que demanda alguns dias de hospitalização e um período variável de convalescença e recuperação pós-operatória. Pode ainda estar associada a perda sanguínea considerável, lesão do ureter, prolapso e outras complicações(6). Além disso, a histerectomia acaba definitivamente com qualquer possibilidade de fertilidade, o que representa profunda perda para mulheres jovens que não tiveram filhos previamente. A partir de 1991, um grupo de médicos franceses começou a utilizar clinicamente a embolização uterina como alternativa para o tratamento dos miomas de útero. Os resultados iniciais dessa experiência foram publicados na prestigiosa revista The Lancet, em 1995, e sugeriam que se tratava de um método altamente eficiente para o controle dos sintomas da miomatose uterina(7). A partir de então, numerosas experiências clínicas foram surgindo ao redor do mundo, determinando a validade e promissão desse procedimento percutâneo(8-15). A embolização uterina é um método minimamente invasivo de radiologia intervencionista que consiste no bloqueio intencional das artérias que nutrem os miomas, provocando, dessa maneira, a sua isquemia e morte. Para isso, um fino cateter é introduzido com anestesia local por meio de punção da artéria femoral na virilha e, mediante visão fluoroscópica gerada por um equipamento de angiografia digital, o cateter é conduzido até as artérias uterinas. Nesse local são injetadas pequenas esferas de gelatina com tamanho ao redor de 500 m até entupir os ramos que levam sangue para os miomas(16). Desde que começamos a aplicar esta técnica no Brasil, em 1999, já tratamos mais de 450 pacientes. Os resultados técnicos e clínicos dessa experiência inicial foram previamente publicados(17). Neste artigo apresentam-se os resultados de um grupo recente de pacientes tratadas com a técnica de embolização nas quais foi utilizado um sistema para avaliação e comparação da qualidade de vida antes e depois do tratamento.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram analisados os dados obtidos de estudos de imagem e de questionários respondidos por 40 mulheres portadoras de miomatose uterina sintomática que foram tratadas com o procedimento de embolização uterina, no período compreendido entre julho de 2004 e junho de 2006, na Unidade de Radiologia Intervencionista do Hospital Santa Catarina, na cidade de São Paulo, SP. Foram incluídos na análise os dados de mulheres com queixas decorrentes da presença de miomas uterinos, que na avaliação ambulatorial pré-operatória e no período de acompanhamento ambulatorial pós-operatório responderam a um questionário sobre qualidade de vida relacionada com a doença tratada. A idade média das pacientes foi de 38 anos (variação de 22 a 46 anos). Com relação à raça das pacientes, foi verificado que 31 eram brancas, cinco eram negras e quatro, orientais. Os antecedentes gestacionais evidenciaram que 28 pacientes eram multíparas e 12 eram nuligestas. No grupo de pacientes, 28 referiram ter emprego ou atividade profissional fixa e outras 12 definiram a sua atividade como "do lar". A queixa principal que motivou o tratamento foi o aumento do fluxo menstrual, com ou sem anemia, em 29 pacientes, e dor ou sintomas compressivos devidos ao aumento do tamanho uterino em 11. O diagnóstico de miomatose foi estabelecido pelos dados colhidos do histórico clínico, exame físico e exame de ressonância magnética ou ultra-sonografia de pelve. Todos os exames de imagem pré e pós-operatórios foram realizados de forma ambulatorial em unidades diferentes do hospital onde foi realizado o tratamento. Verificou-se que todas as pacientes apresentavam o útero aumentado de tamanho, com volume médio de 666 cm3 (variando de 245 cm3 a 1.930 cm3). O método para tratamento consistiu na punção e cateterismo da artéria femoral direita, estudo angiográfico das artérias uterinas e embolização com esferas calibradas (Embosferas®) de 500?700 m. Os procedimentos foram documentados por meio de estudo angiográfico pré e pós-embolização (Figura 1).
Todas as pacientes permaneceram hospitalizadas por 24 horas para repouso e observação. Por ocasião da avaliação clínica prévia ao tratamento, todas as pacientes responderam a um questionário para avaliação da qualidade de vida relacionada com a presença de miomas (Quadro 1). Esse questionário foi desenvolvido especificamente com essa finalidade na Universidade de Georgetown, em Washington, EUA(18). Para sua aplicação, o questionário foi traduzido para o português por tradutor profissional. O questionário consiste de 37 perguntas e está dividido em duas partes. A primeira parte compõe-se de oito perguntas que procuram estabelecer a intensidade ou gravidade da queixa referida pela paciente. Cada uma dessas perguntas apresenta cinco opções de respostas para avaliar a intensidade: "nenhum", "pouco", "razoável", "bastante" e "muitíssimo", com pontuação respectiva de 1 a 5. A pontuação final é transformada num escore corrigido por meio de uma fórmula matemática. A segunda parte do quetionário apresenta 29 perguntas que procuram estabelecer a freqüência com que as queixas relacionadas com os miomas modificam aspectos do cotidiano de cada paciente. Essas perguntas estão divididas em grupos para avaliar seis aspectos: preocupação, atividade, humor/energia, autocontrole, constrangimento e sexualidade. Cada uma dessas perguntas apresenta cinco opções de respostas para medir a freqüência: "em nenhum momento", "poucas vezes", "algumas vezes", "a maior parte do tempo" e "o tempo todo", com pontuação respectiva de 1 a 5. A pontuação final é transformada num escore corrigido por meio de uma fórmula matemática. O questionário apresenta, na primeira parte, o resultado da avaliação da intensidade dos sintomas estratificado de 0 a 100, significando que, quanto mais próximo de 100, maior a intensidade ou gravidade da queixa referida pela paciente. Na segunda parte, avalia a qualidade de vida propriamente dita, ou seja, o estado de saúde que se expressa com pontuação estratificada de 0 a 100, sendo que, quanto mais próximo de 100, melhor a qualidade de vida no aspecto geral e em cada um dos aspectos específicos pesquisados no questionário. Durante o período de 12 semanas de acompanhamento médico após o procedimento foi solicitado às pacientes para realizarem um estudo de ressonância magnética de pelve para verificação do tamanho uterino, com o intuito de compará-lo ao exame similar realizado antes do tratamento. Também foi solicitado para responderem novamente ao mesmo questionário sobre qualidade de vida. Os dados obtidos das respostas aos questionários e os volumes uterinos verificados nos exames de ressonância magnética foram transcritos para uma planilha de dados no programa Microsoft Excel para cálculo estatístico. Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas descritivamente. Para as variáveis quantitativas esta análise foi feita pela observação dos valores mínimos e máximos, e do cálculo de médias e desvios-padrão e medianas. Para as variáveis qualitativas calcularam-se as freqüências absolutas e relativas. Para a análise da hipótese de igualdade entre os momentos pré-pós utilizou-se o teste t de Student pareado; quando a suposição de normalidade dos dados foi rejeitada, usou-se o teste não-paramétrico de Wilcoxon. O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%. Este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Santa Catarina, que pelo parecer CEP019/06 estabeleceu que o trabalho foi conduzido conforme a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS Todas as variáveis estatísticas estudadas antes e depois do tratamento estão representadas na Tabela 1.
A média dos volumes uterinos avaliados pela ressonância magnética realizada após a embolização uterina foi de 450 cm3, o que correspondeu a uma redução de volume de 32,5% e que foi estatisticamente significante (Figuras 2 e 3).
A média dos escores referentes à intensidade dos sintomas obtidos das respostas do questionário de qualidade de vida antes do tratamento foi de 62,07. Nas respostas ao questionário após o procedimento verificou-se queda desse escore para 20,42, que foi estatisticamente significante. Isto representou melhora nos sintomas de 67,1%. A avaliação da qualidade de vida total (estado de saúde) relacionada à miomatose das pacientes mostrou escore prévio ao tratamento de 40,26, que se modificou substancialmente após o tratamento, atingindo a valor de 85,06. Isto foi estatisticamente significante e representou melhora na qualidade de vida de 52,6% (Figura 4).
Todos os quesitos avaliados pelo questionário ficaram modificados após o tratamento (Figura 5).
A média dos escores referentes ao quesito "preocupação" obtidos das respostas do questionário antes do tratamento foi de 37,87. Nas respostas ao questionário após o procedimento verificou-se alteração desse escore para 83,5, que foi estatisticamente significante. Isto representou melhora na preocupação de 54,6%. A média dos escores referentes ao quesito "atividade" obtidos das respostas do questionário antes do tratamento foi de 43,53. Nas respostas ao questionário após o procedimento, verificou-se alteração desse escore para 85,39, que foi estatisticamente significante. Isto representou melhora na atividade de 49%. A média dos escores referentes ao quesito "energia/humor" obtidos das respostas do questionário antes do tratamento foi de 44,01. Nas respostas ao questionário após o procedimento verificou-se alteração desse escore para 85,49, que foi estatisticamente significante. Isto representou melhora na energia/humor de 48,52%. A média dos escores referentes ao quesito "autocontrole" obtidos das respostasdo questionário antes do tratamento foi de 39,75. Nas respostas ao questionário após o procedimento verificou-se alteração desse escore para 84,87, que foi estatisticamente significante. Isto representou melhora do autocontrole de 53,31%. A média dos escores referentes ao quesito "constrangimento" obtidos das respostas do questionário antes do tratamento foi de 36,60. Nas respostas ao questionário após o procedimento verificou-se alteração desse escore para 85,78, que foi estatisticamente significante. Isto representou melhora no temor ao constrangimento de 57,33%. A média dos escores referentes ao quesito "sexualidade" obtidos das respostas do questionário antes do tratamento foi de 28,43. Nas respostas ao questionário após o procedimento verificou-se alteração desse escore para 83,55, que foi estatisticamente significante. Isto representou melhora na sexualidade de 65,97%.
DISCUSSÃO Desde a publicação do primeiro trabalho científico sobre embolização uterina, em 1995, muito tem sido aprendido sobre este tema. A enorme quantidade de artigos publicados e trabalhos apresentados em congressos internacionais nos últimos dez anos constitui forte evidência científica para se afirmar que a embolização uterina é método eficaz e seguro para tratar os miomas sintomáticos e representa terapia dominante neste sentido. Estima-se que, até o presente momento, mais de 200.000 pacientes ao redor do mundo tenham sido já tratadas por meio de embolização uterina. Já foi demonstrado que, além de ser seguro e eficaz para controlar os sintomas, o método apresenta algumas vantagens adicionais. Por ser um método minimamente invasivo, realizado de forma percutânea e com anestesia local, possibilita rápida recuperação clínica, o que permite, conseqüentemente, a rápida retomada das atividades exercidas pelas pacientes. Um estudo realizado no Canadá com mais de 550 mulheres e publicado em 2003 mostrou que 82% das pacientes que fizeram embolização ficaram apenas um único dia no hospital(19). Num outro estudo realizado nos EUA e publicado em 2004 observou-se que 94% das pacientes que fizeram embolização perderam menos de dez dias de trabalho e que quase 90% das mulheres retomaram integralmente as suas atividades entre duas e três semanas após o tratamento(20). Quando os resultados da embolização são comparados com os obtidos após a cirurgia de histerectomia, as vantagens tornam-se mais evidentes. Num estudo randomizado realizado na Espanha, em que foram comparados os resultados do tratamento por embolização e cirurgia de histerectomia, ficou evidente que a embolização propicia estadia hospitalar mais curta, recuperação clínica mais rápida e incidência menor de complicações(21). Às vantagens já mencionadas, soma-se o impacto que a embolização provoca na qualidade de vida das pacientes. O questionário utilizado neste trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa com mulheres sadias e outras portadoras de miomatose sintomática. Assim, a idéia foi obter uma ferramenta simples para avaliar o compro metimento da qualidade de vida, desde a perspectiva das próprias pacientes. Este trabalho é o primeiro que relata a aplicação desse tipo de quetionário em mulheres brasileiras. Os resultados, além de serem evidentes per se, se equiparam com muitos apresentados em estudos internacionais. Um estudo americano que agrupou 64 pacientes mostrou que houve melhora da qualidade de vida e dos sintomas na ordem de 35%(22). No maior estudo multicêntrico já realizado no mundo, em que foram incluídas mais de 2.000 pacientes tratadas por embolização, verificou-se que a intensidade dos sintomas, avaliada pelo questionário de qualidade de vida, mudou de 59 pontos antes do tratamento para 20 pontos após o tratamento. O mesmo estudo revelou que a qualidade de vida melhorou de 47 pontos para 87 pontos(23). Os benefícios e vantagens da embolização se traduzem num altíssimo índice de satisfação manifestado pelas pacientes que foram tratadas com esse método. Um estudo holandês, publicado recentemente, mostrou que de 158 mulheres tratadas com embolização 36% ficaram "satisfeitas" e 57% ficaram "muito satisfeitas" com esta forma de tratamento(24).
CONCLUSÃO A embolização uterina é um método minimamente invasivo e eficaz para resolver os problemas desconfortáveis causados pelos miomas. A utilização de um questionário para avaliação da qualidade de vida resultou em ferramenta simples e eficiente para documentar a melhora nos sintomas e na qualidade de vida como um todo. A embolização uterina é uma alternativa de tratamento que adquire maior importância em mulheres que desejam preservar o seu útero ou naquelas que desejam retomar as suas atividades rapidamente após o tratamento.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 13/11/2006. Aceito, após revisão, em 17/4/2007.
* Trabalho realizado na Unidade de Radiologia Intervencionista do Hospital Santa Catarina, São Paulo, SP, Brasil. |