RELATO DE CASO
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Autho(rs): Marco da Cunha Pinho, Publio César Viana, Mauricio Omokawa, Cezar Simões, Eloisa M.M. Santiago Gebrim, Giovanni Guido Cerri, Maria Cristina Chammas |
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Descritores: Laringocele, Massa cervical, Ultra-sonografia, Laringoscopia |
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Resumo: VProfessor Titular do Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
INTRODUÇÃO Os ventrículos da laringe estão limitados superiormente pelas bandas vestibulares e inferiormente pelas cordas vocais. Eles possuem um apêndice, também chamado de sáculo da laringe, que se estende superiormente através do espaço paralaríngeo, a partir de sua porção anterior, sendo limitado lateralmente pela cartilagem tireóidea e medialmente pela parede da laringe(13). Possuem tamanho variado (515 mm de comprimento), podendo ser observados normalmente em até 30% da população adulta nos exames de tomografia computadorizada (TC) de rotina(1). Podemos definir a laringocele como uma dilatação anormal ou herniação do sáculo laríngeo preenchido por ar. Quando esta cavidade está preenchida por muco ou pus, definimos, respectivamente, a laringomucocele e a laringopiocele. As laringoceles são classificadas em interna, externa e mista ou combinada. A interna está limitada lateralmente pela cartilagem tireóidea e medialmente pela parede mucosa da laringe(4). Quando o saco herniário se estende através da membrana tireohióidea, passando próxima à entrada dos vasos e nervos laríngeos superiores, é classificada como externa. Na mista ou combinada, os dois componentes estão presentes(4). Alguns autores classificam as laringoceles apenas como interna ou externa, sendo o termo misto redundante, pois consideram que as externas têm sempre um componente interno associado(5,6). A etiopatogenia das laringoceles é considerada multifatorial e está relacionada com o aumento da pressão transglótica, como em sopradores de vidro ou em músicos que tocam instrumentos de sopro(4,7). Tipicamente, ocorre em homens brancos e é com maior freqüência unilateral e combinada(4). O aspecto à TC e à ressonância magnética (RM) das laringoceles já foi bem caracterizado na literatura(13,8), no entanto, poucos relatos descreveram as suas características à ultra-sonografia(9,10). Neste trabalho é descrito o caso de um paciente que foi encaminhado ao serviço de ultra-sonografia para avaliação cervical devido a massa palpável, sendo sugerido o diagnóstico de laringocele com base nos achados ultra-sonográficos.
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 53 anos de idade, foi encaminhado ao Serviço de Ultra-Sonografia do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com história de aparecimento de massa cervical em região submandibular direita há um ano, indolor e de crescimento lento. Adicionalmente, referia história de rouquidão progressiva, que se estabeleceu neste mesmo período. Negava dispnéia ou disfagia alta. A massa foi submetida a punção aspirativa por agulha fina, cujo relatório informava apenas material insatisfatório. Clinicamente, o paciente apresentava massa na região submandibular direita, de consistência amolecida, indolor e compressível (Figura 1). Apresentava voz rouca e de baixa intensidade.
O exame ultra-sonográfico evidenciou massa na região submandibular paramediana direita, medial ao bulbo carotídeo, de localização superficial, logo abaixo do plano subcutâneo (Figura 2). A massa descrita apresentava superfície de reflexão sonora intensa, com grande artefato de reverberação posterior, o que tornava difícil a sua mensuração, assim como a caracterização de sua porção profunda. O aspecto descrito sugeria a presença de gás no interior da lesão. Em um momento posterior do exame observou-se que havia trajeto também gasoso comunicando a massa descrita com a laringe no mesmo nível, sendo feita hipótese de uma laringocele. Foram realizadas radiografias simples em póstero-anterior e perfil, que confirmaram a hipótese de laringocele externa à direita (Figura 3).
O paciente foi posteriormente submetido a laringoscopia, que evidenciou abaulamento do recesso ventricular direito, sem identificação do pertuito em comunicação com a laringocele (Figura 4).
Foi solicitada TC para programação cirúrgica e para pesquisa de lesões mucosas da laringe, sendo bem caracterizada a volumosa laringocele, sem fator obstrutivo evidente (Figura 5). O paciente foi submetido a intervenção cirúrgica, que confirmou os achados de imagem (Figura 6).
DISCUSSÃO A etiopatogenia das laringoceles permanece incerta. Porém, diversas teorias tentam explicá-la, variando desde predisposição congênita até natureza multifatorial. Os partidários da teoria congênita advogam que durante o desenvolvimento normal da laringe, entre o segundo e o terceiro mês de gestação, algumas pessoas apresentam um crescimento anormal do sáculo (sáculo longo), sendo esta uma condição predisponente para o desenvolvimento de uma futura laringocele. Outros autores sugerem que o stress pressórico contínuo no interior da laringe leva a dilatação e herniação do sáculo. Esta teoria é suportada pelo fato de as laringoceles serem mais comumente encontradas em profissionais como os tocadores de instrumentos de sopro e em portadores de doenças respiratórias crônicas ("tossidores crônicos"). Embora esta seja a teoria mais comumente aceita, alguns preferem dizer que existe associação entre a predisposição congênita e a exposição prolongada a altas pressões no interior da laringe. A apresentação clínica desta entidade é muita variada e inespecífica. Na maioria dos casos é assintomática, sendo seu diagnóstico incidental durante a realização de exames de imagem por outro motivo ou suspeita clínica, por exemplo, no estadiamento de carcinomas de laringe(8,1113). Resumidamente, podemos dividir os sintomas em compressivos, causados por laringoceles internas, e sintomas relacionados ao efeito de massa, como nos casos das externas. Os primeiros queixam-se principalmente de rouquidão e tosse. Já nas laringoceles externas alguns pacientes referem massa cervical palpável e, menos freqüentemente, disfagia e dispnéia, associadas ou não a quadro profissional ou patológico pregresso peculiar. Nos indivíduos com massa cervical palpável associada a sinais flogísticos as laringopioceles são importante diagnóstico diferencial. Os exames de imagem têm papel muito expressivo no diagnóstico dessa lesão e muitos autores defendem a TC como exame diagnóstico padrão-ouro, sendo a RM colocada como papel adjuvante. O exame ultra-sonográfico é o método geralmente usado na avaliação inicial das massas cervicais, tendo como principal objetivo distinguir a natureza da lesão, bem como seu conteúdo e localização(9,10). No caso descrito, a localização, a presença da reverberação sonora na lesão e o trajeto se estendendo até a parede da laringe sugeriram o diagnóstico. A TC não só sugere o diagnóstico como também pode classificar e interferir diretamente na escolha terapêutica. Por este exame podemos observar a dilatação do sáculo preenchido por ar, bem como seus limites e relações anatômicas. Nas laringoceles externas notamos que este saco herniário passa através da membrana tireohióidea, estendendo-se superiormente pelo espaço paralaríngeo. Algumas vezes encontramos o fator causal, por exemplo, um carcinoma espinocelular localizado na base do ventrículo laríngeo (laringocele secundária). Nestes casos o tumor obstrui parcialmente o orifício de comunicação do sáculo com a laringe, criando um mecanismo valvular. Podemos ainda observar lesão cística com atenuação de partes moles, sugerindo o diagnóstico de laringomucocele ou laringopiocele, dependendo do contexto clínico. A RM tem importância, particularmente nos casos de associação entre laringoceles e carcinoma espinocelular de laringe. Este método pode corroborar o diagnóstico, estadiar, avaliar a extensão em tecidos moles, bem como fornecer, por meio de aquisições multiplanares, um melhor planejamento dos tempos cirúrgicos a serem traçados pelos otorrinolaringologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço(8,12,14,15). Raros relatos descreveram as apresentações possíveis das laringoceles à US(8,9). Em sua forma mais comum encontramos massa com superfície de reflexão sonora intensa, determinando artefato de reverberação posterior, sugerindo a presença de gás, localizada na linha paramediana. Algumas vezes, conseguimos demonstrar a comunicação desta com a laringe e levantar a hipótese diagnóstica de laringocele. Os principais diagnósticos diferenciais nestes casos seriam divertículo faringoesofágico (Zenker) ou abscesso com gás em seu interior. Podemos ainda caracterizar massa com conteúdo hipo ou anecogênico e reforço acústico posterior, denotando a natureza cística da lesão. O diferencial desta massa varia desde cisto de ducto tireoglosso (linha mediana) a cistos dermóides, higroma cístico e abscesso ou linfonodomegalias com liquefação. O quadro clínico e a idade do paciente são muito importantes na consideração dessas hipóteses.
REFERÊNCIAS 1. Swartz JD, D'Angelo AJ, Harnsberger HR, Zwillenberg S, Marlowe FI. The laryngeal mucocele. Imaging analysis of a rare lesion. Clin Imaging 1990;14:110115. [ ] 2. Nazaroglu H, Ozates M, Uyar A, Deger E, Simsek M. Laryngopyocele: signs on computed tomography. Eur J Radiol 2000;33:6365. [ ] 3. Kumar G, Bradley PJ, Wastie ML. Case of the month. What a blow! Laryngocele. Br J Radiol 1998;71:799800. [ ] 4. Abrahão M, Santos RO, Cervantes O. Tratamento dos tumores benignos da laringe. In: Carvalho MB, organizador. Tratado de cirurgia de cabeça e pescoço e otorrinolaringologia. São Paulo, SP: Ateneu, 2001;905. [ ] 5. Curtin HD. The larynx. In: Som PM, Curtin HD, editors. Head and neck imaging. 4th ed. St. Louis, MO: Mosby, 2003;15951699. [ ] 6. Curé J. Laryngocele. In: Hansberger R, Wiggins R, Hudgins P, et al., editors. Diagnostic imaging: head and neck. 1st ed. Salt Lake City, UT: Amyrsys, 2004;III, 36. [ ] 7. Sobol SM, Bailey SB. Evaluation and surgical management of tumors of the neck: benign tumors. In: Thawley SE, Panje WR, Batsakis JG, Lindberg RD, editors. Comprehensive management of head and neck tumors. Philadelphia, PA: WB Saunders, 1999;14351439. [ ] 8. Harvey RT, Ibrahim H, Yousem DM, Weinstein GS. Radiologic findings in a carcinoma-associated laryngocele. Ann Otol Rhinol Laryngol 1996; 105:405408. [ ] 9. Youssefzadeh S, Steiner E, Turetschek K, Gritzmann N, Kursten R, Franz P. The sonography of laryngeal cysts. Rofo 1993;159:3842. [ ] 10. Heppt W, Born IA, Maier H. Use of B-mode sonography in the diagnosis of laryngocele. Laryngorhinootologie 1990;69:378380. [ ] 11. Helmberger RC, Croker BP, Mancuso AA. Leiomyosarcoma of the larynx presenting as a laryngopyocele. AJNR Am J Neuroradiol 1996; 17:11121114. [ ] 12. Glazer HS, Mauro MA, Aronberg DJ, Lee JK, Johnston DE, Sagel SS. Computed tomography of laryngoceles. AJR Am J Roentgenol 1983;140: 549552. [ ] 13. Celin SE, Johnson J, Curtin H, Barnes L. The association of laryngoceles with squamous cell carcinoma of the larynx. Laryngoscope 1991;101: 529536. [ ] 14. Ettema SL, Carothers DG, Hoffman HT. Laryngocele resection by combined external and endoscopic laser approach. Ann Otol Rhinol Laryngol 2003;112:361364. [ ] 15. Martinez Devesa P, Ghufoor K, Lloyd S, Howard D. Endoscopic CO2 laser management of laryngocele. Laryngoscope 2002;112(8 Pt 1):14261430. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 20/4/2005. Aceito, após revisão, em 10/6/2005.
* Trabalho realizado no Serviço de Ultra-Sonografia do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. |