ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Alberto Ribeiro de Souza Leão, Raquel Portugal Guimarães Amaral, Thiago Giansante Abud, Guilherme Tadeu Sauaia Demarchi, Edison de Oliveira Freire Filho, Paulo Rogério Novack, Flavio do Amaral Campos, José Eduardo Mourão Santos, David Carlos Shigueoka, Artur da Rocha Corrêa Fernandes, Jacob Szejnfeld, Giuseppe D'Ippolito |
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Descritores: Músculo iliopsoas, Músculo psoas, Tomografia computadorizada, Abscessos, Neoplasias |
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Resumo: VDoutor em Radiologia Clínica, Médico do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), São Paulo, SP, Brasil
INTRODUÇÃO Neste estudo revisaremos a anatomia do compartimento iliopsoas, assim como as suas principais formas de acometimento, buscando identificar sinais que auxiliem na diferenciação dos potenciais diagnósticos diferenciais. O espectro de sintomas dos pacientes com comprometimento do compartimento iliopsoas é amplo e inespecífico, retardando bastante o diagnóstico em boa parte dos casos(1,2). Historicamente, os radiologistas já fizeram uso da planigrafia, urografia excretora, medicina nuclear e ultra-sonografia na detecção das patologias que acometem o compartimento iliopsoas; entretanto, o uso da tomografia computadorizada (TC) foi um divisor de águas na diferenciação de lesões com essa localização(3,4). É importante observar que, apesar das diversas tentativas de definir sinais específicos para determinar a etiologia da lesão do psoas, a maioria dos autores identificou aspectos superponíveis, dificultando um diagnóstico mais preciso em número importante de casos. No entanto, buscaremos validar a sensibilidade e a especificidade de algumas alterações radiológicas, na tentativa de auxiliar na diferenciação etiológica da lesão a ser avaliada. Dentro desse contexto, procuramos apresentar casos que exemplifiquem as doenças mais comuns que acometem o compartimento iliopsoas, destacando os sinais que permitiriam um diagnóstico mais específico. Foram selecionados, retrospectivamente, exames de imagem realizados no Hospital São Paulo Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina, de pacientes com patologias do iliopsoas e que tiveram o diagnóstico confirmado por exame anatomopatológico ou por acompanhamento clínico.
DISCUSSÃO Anatomia O compartimento iliopsoas pode ser envolvido por diferentes patologias, incluindo infecções, tumores e hemorragias. O espectro de sintomas desses pacientes é amplo e inespecífico, retardando bastante o diagnóstico em boa parte dos casos(1). O compartimento iliopsoas consiste dos músculos psoas maior, psoas menor e ilíaco (Figura 1). O músculo ilíaco tem origem na asa do osso de mesmo nome. O psoas maior se origina no processo transverso de T12 e se une ao ilíaco ao nível de L5-S2, formando o músculo iliopsoas. Este se insere no trocânter menor do fêmur. O psoas menor localiza-se anteriormente ao psoas maior. Tem origem nos corpos vertebrais de T12-L1, inserindo-se na eminência iliopectínea. Todos estão envolvidos pela fáscia iliopsoas(1,2). A fáscia iliopsoas, anteriormente, é formada pela fáscia transversalis, a qual representa o limite posterior do retroperitônio, definindo-se assim o compartimento iliopsoas, com localização externa e posterior em relação ao retroperitônio(3,4).
Infecção O acometimento infeccioso do compartimento iliopsoas pode ocorrer de forma primária ou secundária. Abscessos primários do iliopsoas são raros e geralmente idiopáticos. Os microrganismos mais freqüentemente envolvidos são o Staphylococcus aureus e Gram-negativos. Pacientes imunocomprometidos e especialmente aqueles em uso de corticoterapia, quimioterapia e HIV-positivos estão particularmente predispostos à infecção(1,3). O acometimento secundário do iliopsoas é muito mais freqüente e geralmente decorre da disseminação de processos infecciosos com origem renal (abscessos perinefréticos), óssea (osteomielite e tuberculose) e em alças intestinais (apendicite, diverticulite, doença de Crohn, carcinoma de cólon perfurado) (Figura 2)(1).
Na TC os abscessos piogênicos apresentam-se como lesões de baixa atenuação, sendo este o sinal mais freqüente, porém não-específico, pois pode ser encontrado também em neoplasias com importante necrose e hematomas crônicos (Figuras 3, 7 e 8)(1). Embora o achado de bolhas de gás seja bastante específico deste tipo de lesão, está presente apenas em cerca de 50% dos casos(13). Nestes casos, a TC é o método mais sensível para detectar a presença de gás na lesão (Figura 4)(1,2). Os abscessos piogênicos apresentam, ainda, um típico realce marginal após administração de contraste, observado na TC e na ressonância magnética (RM) (Figura 3). A densificação dos planos adiposos adjacentes e o grau variado de destruição óssea podem ser vistos em alguns casos(2). Ao ultra-som essas lesões apresentam aspecto pouco específico, observando-se massa com conteúdo heterogêneo e nível líquido/líquido, com destaque para os ecos em suspensão e débris (Figura 5)(2).
Entre os quadros infecciosos, a tuberculose era a causa mais comum de abscessos envolvendo a coluna, região paraespinhal e compartimento iliopsoas. Com o maior controle da doença, a etiologia piogênica se tornou preponderante. Entretanto, com a disseminação do HIV houve um reaparecimento nos casos de infecções paraespinhais por tuberculose, que se caracteriza por destruição óssea, coleções líquidas e calcificações capsulares (Figura 6)(2). Tumores O envolvimento tumoral do iliopsoas, na maioria dos casos, é secundário a extensão direta de tumores adjacentes com origem retroperitoneal, abdominal, pélvica, neurogênica, óssea e linfonodal(1). Os planos fasciais retroperitoneais não oferecem barreira para a disseminação tumoral, com a invasão ocorrendo diretamente e de forma aleatória, em contraste com o acometimento inflamatório/infeccioso(3) . Na TC e na RM observam-se lesões com aspecto homogêneo ou heterogêneo em função da presença de necrose, hemorragia e alterações na estrutura celular (Figura 7)(3). Os achados mais valorizados na distinção entre os tumores e os abscessos e hematomas seriam a presença de adenopatia, destruição óssea e descontinuidade dos planos fasciais(4). Tumores primários do iliopsoas são raros, sendo o lipossarcoma, fibrossarcoma, leiomiossarcoma e hemangiopericitoma as variantes histológicas geralmente encontradas (Figura 7)(1,2). Metástases para o iliopsoas são também raras e mais comumente decorrem da disseminação hematogênica de linfoma, melanoma e carcinomas de colo uterino, ovário, estômago, pulmão e mama (Figura 8)(1,2). O aspecto dessas lesões é bastante superponível, com exceção do lipossarcoma pela presença do componente adiposo detectado na TC ou na RM. Hematomas Os hematomas do compartimento iliopsoas podem ser espontâneos ou secundários a diátese hemorrágica, terapia anticoagulante, trauma, tumor, cirurgia ou biópsia recentes ou decorrentes de extensão de sangramento em órgãos e vasos adjacentes(1,2). Correlacionando-se fator causal e idade do paciente, observou-se maior associação com coagulopatias e trauma na faixa etária mais jovem (quarta década) e ruptura de aneurisma aórtico e terapia anticoagulante para doença arteriosclerótica e tromboembolismo na faixa etária mais velha (sétima década)(3). Na TC a hemorragia aguda apresenta-se com aumento muscular e conteúdo hiperdenso (geralmente acima de 40 UH), sem realce após a injeção de contraste (Figura 9), exceto na presença de sangramento ativo(1,2). O acometimento, nestes casos, tende a ocorrer difusamente, preenchendo todo o compartimento muscular, sendo este sinal valorizado na distinção com processos de origem infecciosa ou neoplásica(4). Nível líquido-líquido pode estar presente em fases subagudas e tardias (Figura 10). Hematomas crônicos podem ser indistinguíveis de abscessos e tumores necrosados, devendo-se recorrer à aspiração percutânea nestes casos (Figura 10)(1,2). Na avaliação por RM o aspecto da hemorragia vai depender da fase evolutiva do hematoma. Na fase aguda as imagens pesadas em T1 exibem o sangramento com iso ou discreto hipossinal em relação ao músculo; nas seqüências pesadas em T2 podemos ter hiper ou hipossinal. Hematomas subagudos podem apresentar até três intensidades de sinal diferentes nas seqüências T1, observando-se hipossinal capsular, hipersinal na zona periférica e isossinal central. Com a evolução do hematoma, há uma tendência à perda de sinal central e periférico, tanto nas seqüências em T1 como em T2(1,2). Os hematomas crônicos podem se apresentar com coleções hipointensas em T1 e hiperintensas em T2 (Figura 10), simulando coleções de outra natureza.
Miscelânea Fibrose retroperitoneal, atrofia secundária a paralisia ou doença muscular, calcificações secundárias a trauma ou rabdomiólise, ou ainda corpo estranho (Figura 11) são outras condições que podem envolver o músculo iliopsoas(2). Em grande número de casos os achados radiológicos, isoladamente, não são suficientes para definir a etiologia de patologias do iliopsoas. Entretanto, quando associados aos dados clínicos, a acurácia diagnóstica aumenta significativamente. Os métodos de imagem também se mostram úteis para guiar biópsias e procedimentos de drenagem. Este trabalho teve como objetivo ilustrar os aspectos de imagem de diferentes patologias do iliopsoas, buscando familiarizar o radiologista e aumentar a sua eficácia diagnóstica e o grau de confiança na avaliação deste compartimento muscular.
REFERÊNCIAS 1. Muttarak M, Peh WCG. CT of unusual iliopsoas compartment lesions. RadioGraphics 2000;20 (Spec No):S5366. [ ] 2. Torres GM, Cernigliaro JG, Abbitt PL, et al. Iliopsoas compartment: normal anatomy and pathologic processes. RadioGraphics 1995;15:12851297. [ ] 3. Feldberg MA, Koehler PR, van Waes PF. Psoas compartment disease studied by computed tomography. Analysis of 50 cases and subject review. Radiology 1983;148:505512. [ ] 4. Lenchik L, Dovgan DJ, Kier R. CT of the iliopsoas compartment: value in differentiating tumor, abscess, and hematoma. AJR Am J Roentgenol 1994;162:8386. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 17/1/2006. Aceito, após revisão, em 16/11/2006.
* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), São Paulo, SP, Brasil. |