Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 40 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2007

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 113 to 118



Análise microscópica do efeito da radioterapia fracionada por cobalto-60 em mandíbula de rato

Autho(rs): Audrei Pelisser, Fabiana Vieira Vier-Pelisser, Vânia Regina Camargo Fontanella, Maria Antonia Zancanaro de Figueiredo

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Texto em Português English Text

Descritores: Radioterapia, Teleterapia, Efeitos tardios, Complicações, Osteorradionecrose, Ratos

Keywords: Radiotherapy, External beam radiation therapy, Late effects, Radiation damage, Osteoradionecrosis, Rats

Resumo:
OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito imediato e tardio da teleterapia fracionada por cobalto-60 sobre o percentual médio de osteoplastos em mandíbula de ratos. MATERIAIS E MÉTODOS: Os animais (n = 45) foram divididos em três grupos: grupo 1 (n = 15) - submetidos a teleterapia fracionada e sacrificados terminada a última dose de irradiação; grupo 2 - idêntico ao grupo 1, porém mortos 30 dias após a conclusão da teleterapia; grupo 3 (n = 15) - não-irradiado, servindo como grupo-controle. O protocolo radioterápico consistiu de 30 sessões de teleterapia, fracionadas em doses de 2 Gy/dia, totalizando 60 Gy. Após a perfusão dos animais com paraformaldeído a 4%, a hemimandíbula esquerda foi processada histologicamente. Secções seriadas (5 µm) foram coradas com hematoxilina-eosina. Selecionaram-se duas áreas próximas às raízes dos primeiros e segundos molares. O percentual médio de osteoplastos foi calculado nessa região, em duplicata, valendo-se do programa Image Tool. RESULTADOS: A análise de variância, complementada pelo teste de comparações múltiplas de Tukey, evidenciou que os grupos irradiados 1 e 2 não diferiram entre si, apresentando maiores percentuais de osteoplastos (p = 0,005) quando comparados com o grupo-controle. CONCLUSÃO: Concluiu-se que a teleterapia fracionada por cobalto-60, na dose estabelecida, provoca um aumento do número de osteoplastos em tecido ósseo mandibular de ratos.

Abstract:
OBJECTIVE: The objective of the present study was to evaluate both immediate and late effects of fractionated cobalt-60 teletherapy over the mean percentage of empty osteocyte lacunae in rats mandibles. MATERIALS AND METHODS: The animals sampling (n = 45) was divided into three groups with 15 specimens each: group 1 - submitted to fractionated teletherapy (60 Gy) and sacrificed following the last irradiation dose; group 2 - the specimens were submitted to the same procedure as group 1, however were sacrificed 30 days after finishing radiotherapy; group 3 - non-irradiated specimens, control group. The radiotherapy protocol consisted of a course of 30 radiotherapy sessions, fractionated in 2 Gy/day-doses, totalling 60 Gy. After specimens perfusion with 4% paraformaldehyde, the left hemimandibles were histologically processed and 5 mm serial sections were hematoxylin-eosin stained. Duplicate calculation of the mean percentage of empty osteocyte lacunae was performed in the areas adjacent to the first and second molar roots with the Image Tool software. RESULTS: The analysis of variance supplemented with the Turkey's multiple comparison test indicated that irradiated groups 1 and 2 showed no difference, presenting higher rates of empty osteocyte lacunae (p = 0.005) in comparison with the control group. CONCLUSION: Fractionated cobalt-60 teletherapy causes an increase in the number of osteoplasts in bone tissues of rats' mandibles.

Endereço do para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A radioterapia, modalidade utilizada para o tratamento do câncer de cabeça e pescoço(1), emprega as radiações ionizantes com o objetivo de destruir as células neoplásicas, visando obter uma redução ou o desaparecimento da lesão maligna(2) . A dose de radiação varia de 40 Gy a 70 Gy, sendo, habitualmente, fracionada em doses diárias de aproximadamente 2 Gy, o que permite distribuir, num período de quatro a sete semanas, a dose total recomendada(3).

Além dos efeitos terapêuticos da radiação, existem complicações específicas que podem advir da sua utilização nesta região, como cárie e mucosite radioinduzidas, candidíase, osteorradionecrose, hipossalivação, limitação do grau de abertura bucal, diminuição da qualidade da função mastigatória e disgeusia(4,5).

As alterações oriundas da ação da radiação ionizante no tecido ósseo que ensejem o desenvolvimento da osteorradionecrose, considerada a mais grave complicação da radioterapia na região de cabeça e pescoço(6), devem ser estudadas.

Marx(7) definiu a osteorradionecrose como uma deficiência metabólica e hemostática dos tecidos, decorrente da injúria tecidual induzida pela irradiação.

A osteorradionecrose é caracterizada pela seqüência: radiação, hipóxia, hipovascularização e hipocelularidade dos tecidos. A irradiação causa comprometimento do endotélio, hialinização e trombose dos vasos. O periósteo torna-se fibrótico. Os osteócitos e osteoclastos tornam-se necróticos por fibrose dos espaços medulares(7–10). Nos tecidos irradiados, a habilidade de substituir a perda do colágeno e a perda das células ósseas normais fica grandemente comprometida ou inexiste(7). Devido à vascularização reduzida e destruição dos osteócitos, a osteorradionecrose ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes que sofreram irradiação local(3).

Baker(11) relatou que a resposta dos tecidos à radiação está relacionada com a capacidade da célula de reparar ou não as lesões radioinduzidas. Os tecidos de resposta rápida são aqueles que apresentam as manifestações clínicas de lesão em curto período de tempo, depois da irradiação, como pele, mucosas, tecido hematopoiético, tecido linfóide e certos tumores. Os tecidos de resposta lenta são aqueles que apresentam alterações mais tardias. São exemplos os tecidos ósseo, conjuntivo, muscular e nervoso, que possuem baixa atividade proliferativa.

Meyer et al.(12) compararam o efeito da ortovoltagem (200 kV) e da supervoltagem (cobalto-60) em 70 ratos, com três meses de idade, empregando doses de 10 Gy, 15 Gy e 20 Gy. O tecido ósseo foi estudado na região do septo interdental, entre o primeiro e segundo molar inferior. Nos animais que receberam ortovoltagem o osso apresentou-se de forma irregular, com sítios degenerativos. Picnose foi observada nos osteócitos. Não foi evidenciada a presença de osteóide na margem distal do septo e considerável redução no número de osteoblastos foi observada. Os espaços medulares estavam aumentados, exibindo redução na densidade dos componentes celulares. Nos animais irradiados com cobalto-60 o osso mostrou-se essencialmente normal. Ocasionalmente, alguns animais mostraram redução no número de osteoblastos e fibroblastos adjacentes à membrana periodontal.

Rohrer et al.(13) avaliaram os efeitos de altas doses de radiação na mandíbula de oito macacos. Os animais foram irradiados com uma dose total de 45 Gy de cobalto-60, fracionada em dez sessões, por um período de 12 dias, o equivalente a 70 Gy divididos em 35 sessões por sete semanas. Os animais foram sacrificados no período de uma semana a seis meses após o término do tratamento. Foram realizados cortes histológicos na região de molares (localizada no campo de irradiação) e na região de incisivos (local não-irradiado). A região de molares foi subdividida em osso cortical, haversiano e medular. Em cada corte histológico a porcentagem de lacunas osteocíticas vazias foi registrada. Os osteócitos estavam ausentes nas lacunas da cortical óssea externa e no osso haversiano, apresentando valores médios de 35% e 32%, respectivamente. A presença de lacunas vazias foi mais marcante a partir do terceiro mês. Contudo, no osso medular os valores foram semelhantes aos do grupo-controle. A porção medular das mandíbulas irradiadas sofreu marcada proliferação. O periósteo, no interior do campo da irradiação, exibiu perda de celularidade, de vascularização e de formação de osteóide. A medula dos animais irradiados mostrou mudanças notáveis, incluindo fibrose, proliferação de novo osso e endoarterite obliterante. Para os autores, a diferença no percentual de lacunas vazias, nas diferentes regiões do tecido ósseo, pode ser decorrente da capacidade regenerativa e da variação do suprimento sanguíneo, em cada local.

Para Baker(11), as mudanças iniciais no tecido ósseo irradiado resultam na redução da população de osteócitos. Osteoblastos tendem a ser mais radiossensíveis do que os osteoclastos, tanto que, depois de um curso de radioterapia, deve haver uma maior desproporcionalidade da atividade lítica. Com redução excessiva nos osteócitos, regiões do osso tornam-se desvitalizadas e mudanças degenerativas começam a se desenvolver. Essas mudanças são potencializadas porque a radiação também acarreta injúrias a pequenos vasos sanguíneos do osso, assim como à mucosa oral.

Lambert et al.(14) relataram que doses terapêuticas de radiação causam morte do endotélio, trombose e hialinização dos vasos sanguíneos. A progressiva obliteração dos vasos acarreta uma diminuição da microcirculação. O periósteo de um osso irradiado torna-se fibroso, sendo os osteoblastos e os osteócitos destruídos, aparecendo espaços na medula óssea, que passam a ser preenchidos por tecido fibroso.

Para Sykes(15), as células ósseas e a vascularização tecidual tornam-se irreversivelmente lesadas quando irradiadas, com conseqüente desvitalização do tecido ósseo.

Com base nesta breve revisão de literatura, nota-se que a radiação na região de cabeça e pescoço provoca danos na vascularização e no grau de celularidade do tecido ósseo, que se torna potencialmente suscetível à osteorradionecrose. Apesar de inúmeras publicações mencionarem a ocorrência de hipóxia, hipocelularidade e hipovascularidade no tecido ósseo irradiado(7–10), poucos são os estudos(13) que avaliaram, de forma quantitativa, a alteração do número de osteócitos neste tecido.

O objetivo deste estudo é avaliar o percentual médio de osteoplastos no tecido ósseo mandibular de ratos expostos a teleterapia fracionada por cobalto-60, ao final do esquema radioterápico e aos 30 dias subseqüentes, comparando os resultados com animais não-submetidos à radioterapia.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo teve seu protocolo aprovado pela Comissão Científica e de Ética da Faculdade de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil.

A amostra foi constituída por 45 ratos albinos machos, com 80 dias de idade, da espécie Rattus norvegicus, linhagem Wistar, pesando entre 220 g e 290 g no início do experimento, procedentes do Biotério da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Os animais tiveram, à sua disposição, durante todo o período experimental, ração tipo Labina e água ad libitum e foram distribuídos aleatoriamente em três grupos: grupo 1 (experimental 1) – 15 animais submetidos à dose radioterápica de 60 Gy, sendo sacrificados ao final da radioterapia; grupo 2 (experimental 2) – 15 animais submetidos à dose radioterápica de 60 Gy, sendo sacrificados 30 dias após o término da radioterapia; grupo 3 (controle) – 15 animais não-submetidos à radioterapia, subdivididos em dois grupos, sacrificados, respectivamente, sete com o grupo experimental 1 (grupo 3a) e oito com o grupo experimental 2 (grupo 3b).

Os animais dos grupos 1 e 2 foram irradiados no Serviço de Radioterapia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, empregando-se a unidade de teleterapia rotacional por cobalto-60 (Philips, modelo XK 5101), com energia de 1,25 MeV. A dose total empregada foi de 60 Gy, dividida em 30 frações de 2 Gy, aplicados durante 15 minutos de radioterapia diária. As doses foram administradas de segunda a sexta-feira, num período de seis semanas(16,17). A distância entre o ponto de emissão do feixe de radiação e a superfície cutânea dos animais foi de 60 cm (Figura 1A). A região de cabeça e pescoço dos animais estava no interior do campo de emissão da radiação, que media 20 cm × 20 cm, estando os animais imobilizados durante a sessão por meio de dispositivos plásticos (Figura 1B).

 

 

Os grupos 1 e 3a foram sacrificados 60 horas após a conclusão da teleterapia. Igual procedimento foi feito com os grupos 2 e 3b, 30 dias depois. Após a anestesia intraperitoneal com tiopental sódico e cloridrato de S+ cetamina, na dose de 22 mg/kg, os animais foram perfundidos com paraformaldeído a 4%. Previamente ao emprego da solução fixadora, o sistema circulatório da cabeça dos animais foi lavado com 50 ml de tampão fosfato 0,1 M, pH 7,3.

A hemimandíbula esquerda do animal foi dissecada, obtendo-se um fragmento contendo os três dentes molares e o terço médio do incisivo, que foi destinada a avaliação sob microscopia de luz. As amostras foram descalcificadas em ácido etileno-diamino-acético a 17% (pH 7,0). Os espécimes foram processados pela técnica de rotina, tendo-se o cuidado para que o plano formado pelo longo eixo dos três dentes molares ficasse paralelo ao plano de uma das superfícies do bloco. As lâminas histológicas foram coradas com hematoxilina-eosina e três cortes seriados de 5 µm de espessura foram obtidos.

O local de avaliação dos cortes histopatológicos foi o osso medular, próximo às raízes dos primeiros e segundos molares inferiores esquerdos.

Em cada lâmina histológica foram selecionadas duas áreas, correspondendo às regiões de primeiro e segundo molar. Estas foram capturadas utilizando-se o microscópio óptico Olympus AX 70 acoplado a um sistema de captação de imagens digitais, com aumento de 200× e armazenadas valendo-se do programa Image-Pro Plus versão 4.0.

As imagens foram inseridas no software ImageTool, visando à contagem de osteócitos e de osteoplastos (Figura 2). Para tanto, selecionou-se a ferramenta tag and count para marcação e contagem dos osteócitos e, na seqüência, dos osteoplastos. A imagem foi dividida em quatro quadrantes, de modo a ampliá-la, para facilitar a contagem. Essa contagem foi repetida em duplicata para cada imagem. Os valores numéricos foram anotados em tabelas. Após, fez-se uma média aritmética das duas mensurações.

 

 

Para verificar o grau de concordância intra-examinador, entre a primeira e a segunda mensurações, utilizou-se o coeficiente de correlação intraclasse. A análise de variância, complementada pelo teste de comparações múltiplas de Tukey, ao nível de significância de 5%, foi empregada para verificação de diferença entre os grupos estudados, quanto à percentagem de osteoplastos nos tecidos, valendo-se do software SPSS versão 8.0.

 

RESULTADOS

Não houve morte de animais durante a realização do esquema terapêutico. Um animal do grupo 2 morreu durante o intervalo de 30 dias, tempo de espera entre o final da radioterapia e a eutanásia dos animais deste grupo.

Os animais apresentavam-se com aparência debilitada durante o tratamento. Alguns deles demonstravam redução visível da quantidade de pêlos na cabeça, ou seja, na área do portal da radiação, fato mais claramente percebido nos animais do grupo 2, que foram mantidos até 30 dias após a conclusão da radioterapia.

O coeficiente de correlação intraclasse demonstrou boa reprodutibilidade entre a primeira e a segunda mensurações (ri = 0,956; p < 0,001).

Os animais dos grupos 1 e 2 — irradiados — não diferiram entre si, apresentando maiores percentuais de osteoplastos (Figuras 3 e 4) quando comparados ao grupo 3 (controle) (Figura 5; Tabelas 1 e 2), conforme a análise de variância, complementada pelo teste de comparações múltiplas de Tukey, ao nível de significância de 5%.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O núcleo de algumas células do endotélio e de osteócitos dos animais expostos à radiação apresentava alteração que se assemelhava a um vacúolo ou bolha ou a uma região esférica fracamente corada (Figura 3).

 

DISCUSSÃO

Uma preocupação presente durante o projeto piloto deste experimento foi a necessidade ou não da realização de anestesia nos animais durante as sessões de radioterapia, para que eles mantivessem suas cabeças voltadas para a área da radiação. Todavia, ao mesmo tempo em que o procedimento anestésico ajudaria na apreensão e deslocamento dos ratos, o número elevado de aplicações poderia favorecer a sua morte(13,18). Com isto, haveria uma redução no tamanho da amostra, em função do protocolo estabelecido contemplar 30 sessões de radioterapia. A radioterapia fracionada vem sendo utilizada em muitos estudos empregando-se animais, sem o uso da anestesia durante as sessões de tratamento(19–22). Por outro lado, os estudos de Hutton et al.(23), Nickens et al.(24) e Rohrer et al.(13), realizados em macacos, empregaram um protocolo no qual o procedimento anestésico foi realizado a cada dose de irradiação. Mesmo os trabalhos de Sweeney et al.(25), Zywietz et al.(26) e Sagowski et al.(16,17), utilizando o rato como modelo animal, são partícipes dessa metodologia.

English et al.(27), apesar de empregarem uma única dose de 15 Gy de radiação X em ratos, foram dos primeiros autores a descrever a forma de imobilização dos animais durante a radioterapia, dispensando o procedimento anestésico. Naquela ocasião, os animais foram colocados no interior de tubos cilíndricos, no qual, na extremidade anterior, um orifício de 1,0 cm a 1,5 cm de diâmetro foi feito, para permitir a inserção do nariz do animal. Após a entrada do animal no tubo, uma tampa de borracha era colocada em sua extremidade posterior, a qual possuía um orifício para permitir a saída do rabo. A metodologia empregada por esses autores e por English(28) serviu de modelo para a idealização das garrafas plásticas de água mineral, utilizadas na apreensão dos animais do presente estudo, eliminando a necessidade do uso de anestesia, para a realização das sessões de radioterapia. Porém, diferentemente dos autores citados acima, o aparato desenvolvido neste experimento permitiu a saída de toda a cabeça do animal pelo orifício anterior da garrafa, facilitando a disposição dessa região no interior do campo de radiação.

Foi preocupação constante, durante o desenvolvimento desse estudo, a aproximação do desenho experimental com a realidade clínica. Assim, objetivou-se empregar, no modelo animal, a mesma dose radioterápica empregada no protocolo para tratamento de neoplasias bucais em humanos(3). No entanto, havia a dúvida se o rato, em função de seu menor volume corporal, em relação ao paciente oncológico, suportaria a dose radioterápica comumente empregada. Porém, analisando a literatura vigente, percebeu-se que doses de pelo menos 60 Gy vêm sendo utilizadas, de forma fracionada em ratos, empregando diferentes modalidades de tratamento como a radiação X(19,21,22), o cobalto-60(16,17,26) e o acelerador linear(20). No presente experimento, foi empregado o protocolo radioterápico descrito por Sagowski et al.(16,17), qual seja, 30 sessões de 2 Gy valendo-se do cobalto-60, totalizando 60 Gy, fracionadas no período de seis semanas, de segundas a sextas-feiras, que, em última análise, é o esquema de radioterapia empregado para o tratamento do câncer bucal em humanos.

A radioterapia, apesar de apresentar efeitos benéficos sob o tecido tumoral localizado na região de cabeça e pescoço, causa danos nos tecidos normais, localizados no portal da radiação. Assim, as glândulas salivares, a mucosa oral, o osso, os dentes, os músculos da mastigação e a articulação temporomandibular são afetados pelo emprego das radiações ionizantes(5). A ação da teleterapia sobre a polpa dentária e a glândula submandibular pôde ser percebida nos trabalhos de Vier-Pelisser et al.(29) e de Vier-Pelisser(30).

No entanto, dentre as complicações tardias da radioterapia, a osteorradionecrose continua sendo um importante e sério problema clínico(31,32), isto porque o osso irradiado apresenta-se hipóxico, hipovascular e hipocelular(7–10). Apesar de vários autores comentarem a destruição de osteócitos no tecido ósseo irradiado(3,11,33), poucos estudos(13) avaliaram, de forma quantitativa, a diminuição destas células no osso.

O osteócito ocupa, na matriz óssea, um compartimento denominado lacuna osteocítica ou osteoplasto(34). Quando esta célula necrosa, a lacuna osteocítica torna-se vazia. Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar, microscopicamente, o percentual médio de osteoplastos em tecido ósseo mandibular de ratos expostos a teleterapia fracionada por cobalto-60.

Stone et al.(35) relataram que os efeitos crônicos da radiação podem ser observados meses a anos após o final do esquema terapêutico. Levando em consideração este fato, neste estudo procurou-se avaliar o efeito da teleterapia fracionada em mandíbula de ratos em dois tempos experimentais, sendo o primeiro imediatamente após a conclusão do esquema radioterápico e, o segundo, aos 30 dias subseqüentes, visto ser o metabolismo tecidual do rato mais rápido do que o do homem.

Os resultados desta investigação apontaram que o percentual de osteoplastos, nos grupos experimentais, independentemente do tempo de observação, foi estatisticamente superior ao do grupo-controle. Isto comprova as afirmações de inúmeros autores(3,7,9–13,22,33), que relataram uma condição de hipocelularidade no tecido ósseo exposto à radiação.

Neste experimento, a diminuição do número de células no tecido mandibular irradiado expressou-se tanto imediatamente após a conclusão da teleterapia quanto aos 30 dias subseqüentes. Era de se esperar, no entanto, que a porcentagem de osteoplastos seria maior no grupo experimental 2, em relação ao grupo 1, visto ser a osteorradionecrose um efeito tardio da radiação. Outros estudos, empregando observações em mais longos períodos de tempo, fazem-se necessários para a avaliação de um possível agravamento da condição de hipocelularidade neste tecido.

Com base nos resultados desta pesquisa, surge o questionamento do por quê da ocorrência do percentual de osteoplastos aumentado em tecido irradiado. Talvez, o prejuízo evidenciado no leito vascular terminal, ocasionando dano na microcirculação local e ao estroma de suporte, caracterizado por telangiectasia e oclusão dos capilares sanguíneos(11,14,33), cause diminuição da vascularização(36), ou seja, na chegada de suprimento sanguíneo aos osteócitos, que acabam necrosando. A injúria na microcirculação local poderia ser a responsável, também, pela diminuição da quantidade de oxigênio no tecido ósseo. Ainda, a microcirculação parece ser mais problemática na mandíbula do que na maxila. Esta última mostra-se, normalmente, mais vascularizada do que a mandíbula. Por isso, a incidência de osteorradionecrose é maior no tecido mandibular do que no maxilar(31,37).

Apesar de não ter sido objetivo deste estudo, pôde-se observar, tanto nos osteócitos quanto nas células endoteliais presentes no campo de estudo, alterações nucleares caracterizadas pelo surgimento de regiões fracamente coradas, assemelhando-se a bolhas ou vacúolos. Estes resultados reforçam a presença de dano da radiação nos osteócitos e endotélio vascular. Essas mesmas alterações nucleares foram percebidas em fibroblastos pulpares de molares de ratos irradiados por cobalto-60(30).

A diminuição do número de osteócitos no tecido mandibular irradiado de ratos, caracterizado pelo aumento da porcentagem de osteoplastos, ajudaria a explicar a ocorrência de osteorradionecrose. Shafer et al.(33) relataram que, em geral, radiação, trauma e infecção são fatores envolvidos na patogênese dessa importante complicação da radioterapia na região de cabeça e pescoço. A literatura recente aponta para um mecanismo de fibroatrofia para o desenvolvimento da osteorradionecrose, em detrimento do tradicional mecanismo da insuficiência vascular(32,38). Outra hipótese seria que a radiação levaria à osteorradionecrose pela indução de apoptose em células ósseas(39). Acredita-se que a diminuição do número de osteócitos no tecido ósseo irradiado seja um componente importante na etiologia da osteorradionecrose.

 

CONCLUSÃO

Com base na metodologia empregada neste estudo e nos resultados obtidos, pode-se concluir que a teleterapia fracionada por cobalto-60 é capaz de promover aumento estatisticamente significativo (p = 0,005) no percentual médio de osteoplastos em tecido ósseo mandibular de rato, percebido tanto imediatamente após a conclusão do esquema radioterápico quanto aos 30 dias subseqüentes.

 

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Endereço do para correspondência:
Audrei Pelisser
Avenida Cristóvão Colombo, 1636/306, Bairro Floresta
Porto Alegre, RS, Brasil, 90560-001
E-mail: a.pelisser@ig.com.br

Recebido para publicação em 5/9/2006.
Aceito, após revisão, em 16/10/2006.

 

 

* Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Odontologia da Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS, e Doutorado em Estomatologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil.


 
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