Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 41 nº 5 - Set. / Out.  of 2008

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 309 to 312



Um novo método de avaliação do "tempo esofágico" com ultra-sonografia por abordagem externa

Autho(rs): Makoto Sakate, Altamir Santos Teixeira, Seizo Yamashita, Thais Ricardo Medeiros, Pedro Gabriel da Silva, Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry

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Texto em Português English Text

Descritores: Ultra-sonografia, Tempo esofágico, Esôfago intra-abdominal

Keywords: Ultrasonography, Esophageal transit time, Abdominal esophagus

Resumo:
OBJETIVO: Utilizar a ultra-sonografia como método de avaliação do "tempo esofágico" e sua capacidade de discriminação entre as substâncias não-sólidas ingeridas (água e iogurte). MATERIAIS E MÉTODOS: Foram estudados 22 adultos jovens, sem queixa gástrica e esofágica, de ambos os sexos. Foi utilizado transdutor de ultra-som de 3,5 MHz, convexo, em modo B, colocado na região epigástrica. O intervalo de tempo esofágico foi determinado utilizando-se um cronômetro que foi acionado no momento da movimentação da glote (início da deglutição) e interrompido ao se visualizar a passagem do conteúdo deglutido no esôfago intra-abdominal. RESULTADOS: O tempo médio de trânsito para a água foi de 6,64 ± 1,83 segundos e para o iogurte foi de 8,59 ± 2,70 segundos. A análise estatística comparativa pelo teste t pareado mostrou que as médias apresentaram diferenças significativas entre as substâncias. CONCLUSÃO: O novo método experimental de avaliar o "tempo esofágico" com ultra-som é capaz de propiciar diferenças significativas do tempo necessário para um determinado alimento (líquido ou pastoso) percorrer o esôfago, esclarecendo as suspeitas clínicas e possibilitando a indicação mais precisa de exames clínicos mais complexos.

Abstract:
OBJECTIVE: To utilize ultrasonography for evaluating the esophageal transit time as well as the esophagus capability of differentiating among non-solid substances ingested (water and yoghurt). MATERIALS AND METHODS: Twenty-two young adults of both sexes with no gastric or esophageal complaint were evaluated, with a B-mode 3.5 MHz, convex transducer placed over the epigastric area. The esophageal transit time was determined by means of a chronometer activated when the deglutition was initiated (glottic movement), and stopped upon visualization of the bolus through the intra-abdominal esophagus. RESULTS: The mean esophageal transit time for water was 6.64 ± 1.83 sec, and 8.59 ± 2.70 sec for yoghurt. The comparative statistical analysis by a t-paired test has demonstrated statistically significant differences between the mean esophageal transit times for the two substances. CONCLUSION: This new experimental method for evaluating the esophageal transit time by ultrasonography demonstrates significant differences in the time required for a determined liquid or pasty food passing through the esophagus, elucidating clinical suspicions and allowing a more precise indication for further, more complex clinical studies.

Endereço para correspondência

 

INTRODUÇÃO

A medicina tem evoluído muito nas últimas décadas, com exames cada vez mais complexos sendo desenvolvidos e incorporados na área de imagens, porém de difícil acesso social em razão do seu elevado custo. Exames de imagens são realizados nos hospitais, por exemplo, radiografia do tórax, e tem-se sugerido a necessidade de melhor seleção em razão da alta incidência de exames normais (70%(1) a 77%(2)). Estudo foi realizado utilizando outros métodos de exames complementares, como a técnica de esvaziamento gástrico por meio de ultra-sonografia(3), para evitar que os pacientes sejam expostos à radiação ionizante de forma excessiva.

Para avaliação inicial das queixas esofágicas são utilizadas, rotineiramente, radiografias do esôfago contrastado, manometria, cintilografia, ultra-sonografia intra-esofágica, todas com as suas indicações precisas(4-8). Para o estudo do trânsito esofágico são indicadas a radioscopia e a cintilografia(9-11). Entretanto, esses exames expõem os pacientes, em maior ou menor grau, à radiação ionizante, mesmo com implemento rotineiro de controle de garantia de qualidade(12).

No sentido de reduzir a exposição à radiação ionizante tem-se utilizado a manometria, a endoscopia e a ultra-sonografia intra-esofágica. Essas técnicas possibilitam o estudo do peristaltismo, de lesões de mucosa e de doenças que comprometem a espessura da parede e adjacências do esôfago, porém são exames invasivos.

Existe uma preocupação em encontrar outros métodos de avaliação mais rápida do esôfago e com maior regularidade de execução, que precedam um estudo inicial de queixas esofágicas leves para que possam direcionar melhor o exame complementar mais complexo.

"Tempo esofágico" é considerado o intervalo de tempo necessário para que o conteúdo deglutido percorra o esôfago até o estômago. O tempo esofágico, no presente estudo, é medido entre o momento da movimentação da glote (introdução do conteúdo bucal no início do esôfago) até a visualização da passagem do conteúdo deglutido, no esôfago intra-abdominal, observado pelo ultra-som. Não encontramos, na literatura, estudos semelhantes com a ultra-sonografia.

Este estudo experimental tem os seguintes objetivos: a) utilizar a ultra-sonografia como método de avaliação do tempo esofágico; b) estimar a sua capacidade de discriminação entre substâncias líquida (água) e pastosa (iogurte) ingeridas.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram estudados 22 voluntários jovens e sadios, de ambos os sexos, com idade entre 19 e 26 anos (média de 21,64 ± 2,08 anos), peso entre 48 e 82 kg (média de 62,18 ± 8,84 kg) e altura entre 155 e 184 cm (média de 167 ± 8,89 cm). Os critérios de exclusão dos voluntários para o experimento incluíram indivíduos que apresentavam sintomas relacionados ao tubo digestivo alto ou doenças que poderiam interferir na obtenção dos dados.

O aparelho de ultra-sonografia utilizado foi o Toshiba Sonolyer série SSH 140 A/G (Toshiba; Tóquio, Japão), empregando-se transdutor semiconvexo de 3,5 MHz, mantido na sala de exames com temperatura controlada (22ºC). O cronômetro utilizado foi o Seiko 3 BAR (Seiko; Tóquio, Japão) que registra até centésimo de segundo.

Foi utilizada água mineral à temperatura ambiente da sala de exame de ultra-som em um volume aproximado de 20 ml para cada voluntário. O iogurte utilizado estava a uma temperatura aproximada de 5ºC, mantido na geladeira, e cada voluntário recebeu um volume aproximado de 20 ml (20 gramas).

Cada voluntário estudado estava em jejum de no mínimo três horas e foi colocado na mesa de exame, em decúbito dorsal, após ter recebido água na cavidade bucal, expondo a região epigástrica. Em seguida, o examinador, com o cronômetro na mão esquerda, posicionou o dedo mínimo dessa mão sobre a epiglote, e a mão direita, segurando o transdutor de ultra-som, sobre a região lateral esquerda do apêndice xifóide.

O feixe de ultra-som foi direcionado cranialmente até localizar o esôfago intra-abdominal. Em seguida, foi solicitado ao voluntário para deglutir, e assim que o examinador sentiu o movimento da glote foi disparado o cronômetro, sendo este interrompido ao se visualizar, pelo ultra-som, a passagem do conteúdo deglutido no esôfago intra-abdominal.

Após o registro do tempo cronometrado e com um intervalo aproximado de 30 minutos, o mesmo voluntário recebeu iogurte, retornando à posição de decúbito dorsal, e o procedimento foi repetido (Figuras 1 e 2).

 

 

 

 

Os 44 valores de tempo esofágico foram obtidos constituindo dois "tratamentos" pareados, com os 22 voluntários formando um par de valores de tempo esofágico após cada voluntário receber água e iogurte.

Todos os voluntários selecionados assinaram o termo de consentimento livre e foram esclarecidos e informados do método do estudo, sendo este aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição onde se desenvolveu a pesquisa.

Para analisar a homogeneidade do experimento em relação ao sexo, foi feita comparação das médias do tempo esofágico em relação à água e ao iogurte, separadamente, utilizando-se o teste t bicaudal, uma vez que, a priori, não se tem qualquer sugestão da direção da diferença.

A comparação entre tempo esofágico com ingestão de água ou iogurte foi feita por meio do teste t pareado monocaudal(13), diante da hipótese de que a ingestão de substâncias menos fluidas forneça tempo esofágico maior. Foi utilizado o nível de 5% de significância para os testes e foram estabelecidos intervalos de confiança de 95% para a média do tempo esofágico da água e do iogurte.

 

RESULTADOS

Com relação ao tempo esofágico, o menor valor obtido com ingestão de água foi de 3,74 segundos e com ingestão de iogurte foi de 4,71 segundos, e os maiores valores obtidos foram, respectivamente, de 9,85 segundos e 16,66 segundos. Em quatro casos o tempo esofágico foi maior com a ingestão de água.

Não encontramos diferença significativa do tempo esofágico em relação ao sexo dos voluntários (tágua = 0,8576, gl = 20, p = 0,4012; tiogurte = 0,6031, gl = 20, p = 0,5532).

O tempo esofágico médio para a água foi de 6,64 ± 1,83 segundos e para o iogurte foi de 8,59 ± 2,70 segundos (Tabela 1).

 

 

A análise da diferença (iogurte-água) entre os tempos esofágicos indicou que o tempo médio com ingestão de água foi estatisticamente inferior em relação à ingestão de iogurte (t = 2,9905, gl = 21, p = 0,0039).

 

DISCUSSÃO

No presente experimento os voluntários não tiveram dificuldade em manter a água ou o iogurte na cavidade bucal. Foi possível a realização de todos os passos da pesquisa em ambiente tranqüilo da sala de exames em todos os indivíduos. O esôfago intra-abdominal foi acessível e de localização fácil ao ultra-som, possibilitando a sua visualização e a passagem da água e do iogurte no seu interior.

Foi possível determinar o tempo esofágico com o auxílio do cronômetro em todos os casos, medido entre o momento em que o cronômetro foi acionado no início da deglutição da água ou do iogurte, até a visualização destes ao passarem pelo esôfago intra-abdominal. Este estudo foi realizado em todos os pacientes, sem dificuldades, em posição confortável, de maneira simples e rápida.

O método revelou a sua capacidade de discriminar o tempo esofágico da água, que foi estatisticamente mais rápido do que o do iogurte (p < 0,0039), demonstrando que ambas as substâncias possuem tempos definidos de passagem pelo esôfago e que podem ser utilizadas como triagem inicial para avaliar afecções que alteram o peristaltismo desse órgão e, conseqüentemente, retardo na passagem pelo esôfago do conteúdo deglutido pelo paciente.

A avaliação do esôfago torácico, por via externa, com ultra-sonografia fica prejudicada em razão da dificuldade de acesso, tanto pelo mediastino anterior quanto pelo posterior; isto se deve à presença de ar nos pulmões e de tecido ósseo na coluna vertebral dorsal, que são estruturas que impossibilitam o acesso adequado da onda sonora, com exceção do segmento posterior à aorta e ao coração(14). O esôfago cervical, em virtude de sua situação lateralizada em relação à traquéia, é possível de ser avaliado com ultra-som, graças à sua proximidade com a superfície e a interposição de tecido mole como o lobo tireoidiano esquerdo(15). O segmento intra-abdominal do esôfago é possível de ser localizado com facilidade, em razão da sua posição posterior ao lobo esquerdo do fígado, que atua como uma "janela" de acesso ao ultra-som (órgão relativamente homogêneo que afasta as alças intestinais com gases)(16-19).

Com o advento de novas tecnologias surgiram aparelhos que possibilitam a avaliação do esôfago, tais como a medicina nuclear, a endoscopia com fibra ótica, a manometria com pH-metria e a ultra-sonografia endoscópica. Todos evidenciam a localização e os aspectos anatômicos e funcionais do esôfago(20-22), porém são invasivos ou utilizam radiação ionizante, com equipamentos de alto custo.

O presente estudo possibilitou uma avaliação menos invasiva, mais econômica e provavelmente mais disponível para os pacientes em relação aos exames radiográficos ou cintilográficos do esôfago, uma vez que o método necessita apenas de um aparelho de ultra-som convencional e cronômetro para ser reproduzido.

 

CONCLUSÃO

O novo método experimental de avaliar o tempo esofágico determinado pelo ultra-som por abordagem externa é técnica simples, não-invasiva, sem radiação ionizante e que propicia informações importantes. Ele nos informa sobre diferenças do tempo necessário para um determinado alimento (líquido ou pastoso) percorrer o esôfago. É um processo simples de ser realizado, importante para avaliação inicial de doenças que podem afetar o esôfago, facilmente disponível e sem contra-indicações. É um método seguro, confiável, discriminativo e inclusive para o paciente no seu leito (domiciliar ou hospitalar) ou nos ambulatórios, permitindo avaliação e resultados rápidos, com custo-benefício a contento.

 

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Endereço para correspondência:
Dr. Makoto Sakate
Rua Aleixo Varoli, 651, Jardim Paraíso
Botucatu, SP, Brasil, 18610-295
E-mail: msakate@fmb.unesp.br

Recebido para publicação em 17/11/2007. Aceito, após revisão, em 6/5/2008.

 

 

* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Botucatu, SP, Brasil.


 
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