Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 41 nº 5 - Set. / Out.  of 2008

ARTIGO ORIGINAL
Print 

Page(s) 289 to 296



O valor da fase sem contraste na tomografia computadorizada do abdome

Autho(rs): Ana Paula Klautau Leite, Leandro Accardo de Mattos, Gustavo Alfredo Duarte Henriques Pinto, Andrea Puchnick Scaciota, Rita Maria Aparecida Monteiro Moura Franco, Cássio Andreoni, Henrique Manoel Lederman, Giuseppe D'Ippolito

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Descritores: Tomografia computadorizada, Contraste, Abdome

Keywords: Computed tomography, Contrast media, Abdomen

Resumo:
OBJETIVO: Determinar o valor agregado da fase sem meio de contraste da tomografia computadorizada do abdome em pacientes sem diagnóstico determinado ou em estadiamento tumoral. MATERIAIS E MÉTODOS: Estudo prospectivo e transversal em 100 pacientes consecutivos submetidos a tomografia computadorizada abdominal sem e com meio de contraste intravenoso. Dois examinadores avaliaram todos os exames, procurando estabelecer, através da fase com meio de contraste intravenoso (primeira análise) e posteriormente através da fase sem contraste (segunda análise), o diagnóstico principal e os secundários em função da indicação clínica do exame. Mediu-se a freqüência de mudança diagnóstica decorrente da análise combinada das fases pré- e pós-contraste intravenoso. Casos que tiveram mudança diagnóstica foram avaliados por especialistas clínicos para determinar se implicaria mudanças de conduta. RESULTADOS: Diagnósticos principal e secundário foram modificados em 1 e 18 casos, respectivamente (p = 1,000; p = 0,143). Os diagnósticos modificados foram: esteatose, definição de nódulo em adrenal, nefrolitíase, classificação de cistos renais e calcificação hepática. Nos casos em que a fase sem contraste modificou o diagnóstico, os especialistas mudaram sua conduta em 14/19 (73%) dos pacientes (p = 0,038). CONCLUSÃO: A fase sem contraste não modificou significativamente o diagnóstico principal ou secundário. Porém, as mudanças nos diagnósticos secundários influenciaram na conduta adotada pelos especialistas.

Abstract:
OBJECTIVE: To determine the role of the unenhanced phase of abdominal computed tomography in patients without a definite diagnosis or undergoing tumor staging. MATERIALS AND METHODS: A prospective and transversal study was developed with 100 consecutive patients submitted to unenhanced and contrast-enhanced abdominal computed tomography. Two observers evaluated all the computed tomography images in the contrast-enhanced phase (first analysis) and, later, in the unenhanced phase (second analysis) in an attempt to establish the primary and secondary diagnoses as a function of the clinical indication for the study. The frequency of changes in the diagnoses resulting from a combined analysis of the images in the pre- and post-contrast phases was evaluated. Cases with changes in the diagnosis were reviewed by clinical specialists for determining possible changes in the therapeutic approach. RESULTS: Primary and secondary diagnoses were changed in respectively 1 and 18 cases (p = 1.000; p = 0.143) as follows: steatosis, adrenal nodules, nephrolithiasis, renal cysts and hepatic calcification. In the cases where the unenhanced phase changed the diagnosis, the specialists changed the therapeutic approach in 14 of the 19 patients (73%) (p = 0.038). CONCLUSION: No significant change was observed in the primary or secondary diagnosis as a result of the findings in the unenhanced phase. However, changes in secondary diagnoses affected the therapeutic approach adopted by the specialists.

VProfessor Assistente do Departamento de Urologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil
VIProfessor Titular do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil
VIILivre-Docente, Professor do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

Em virtude dos avanços tecnológicos incorporados aos métodos diagnósticos, a tomografia computadorizada (TC) vem sendo cada vez mais utilizada na avaliação das doenças abdominais. A tecnologia multislice fez crescer ainda mais a utilização desta ferramenta diagnóstica(1,2).

Atualmente, há uma grande variedade de protocolos específicos utilizando a TC de abdome para determinadas suspeitas clínicas(3-9). Por outro lado, existe um grupo considerável de pacientes que são submetidos a exames de TC do abdome e que não possuem uma clara hipótese diagnóstica pré-estabelecida, como os que apresentam quadro clínico composto unicamente por febre de etiologia indeterminada ou perda ponderal injustificada, entre outras situações clínicas, e que quando submetidos ao exame de TC de abdome são avaliados por meio de um protocolo de estudo genérico, assim como aqueles em estadiamento tumoral.

Neste grupo de pacientes parece haver consenso na literatura internacional (e principalmente na norte-americana) de que a fase sem o uso de meio de contraste intravenoso seria desnecessária(4,5). Entretanto, no nosso meio, estes pacientes são submetidos rotineiramente a uma fase sem meio de contraste intravenoso e que precede as fases com meio de contraste intravenoso. O uso deste protocolo tem implicações relacionadas à dose de radiação, ao tempo de exame e ao consumo do tubo de raios X, e somente seria justificado se agregasse informações complementares indispensáveis para estabelecer um preciso diagnóstico, interferindo, assim, na conduta e prognóstico do paciente.

Em algumas situações clínicas, como a pesquisa de urolitíase, esteatose hepática, hemocromatose/hemossiderose ou a avaliação de nódulos e massas renais ou adrenais, a fase sem meio de contraste tem demonstrado utilidade indiscutível(6,10-13). Em outras situações, a validade deste tipo de abordagem diagnóstica não tem sido comprovada.

Após extensa revisão bibliográfica, não identificamos estudos que avaliassem o valor da fase sem meio de contraste na TC do abdome, antecedendo a fase contrastada, em pacientes com quadro clínico indefinido ou em estadiamento/reestadiamento tumoral. Por estas razões decidimos determinar o valor agregado da fase sem meio de contraste da TC de abdome, neste grupo de pacientes.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

No período de março de 2007 a junho de 2007 realizamos estudo prospectivo, transversal e observacional, com o intuito de avaliar o valor agregado da fase sem meio de contraste na TC de abdome. Foram avaliados 100 pacientes (56 homens e 44 mulheres) com idade média de 55,23 ± 15,38 anos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da nossa Instituição, realizado no Setor de Tomografia Computadorizada do Departamento de Diagnóstico por Imagem do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina e desenvolvido em duas fases.

Fase 1

Com o objetivo de estabelecer possíveis mudanças no diagnóstico tomográfico provenientes da análise de exames de TC de abdome com e sem a fase pré-contraste, foram avaliados os exames de TC de abdome de 100 pacientes consecutivos e cujo critério de inclusão foi: indicação de exames de TC sem e com meio de contraste intravenoso, de acordo com o protocolo de atendimento adotado no serviço. Foram excluídos os pacientes com indicação de TC sem meio de contraste(6) (p.ex.: pesquisa de urolitíase), pacientes com contra-indicação ao meio de contraste e pacientes em investigação de nódulo/massa de adrenal(12), nódulo/massa renal(10), esteatose hepática(11), e hemocromatose e hemossiderose(13), em razão da reconhecida necessidade da fase sem meio de contraste para o diagnóstico destas doenças.

Todos os exames foram realizados em equipamento de TC helicoidal Tomoscan AV (Philips Medical System; Best, The Netherlands), seguindo-se protocolo de estudo que consta do manual de rotina de procedimentos do Serviço de Tomografia Computadorizada do Hospital São Paulo. Os exames foram realizados com cortes axiais e contíguos variando entre 3 e 7 mm de reconstrução, com pitch variando entre 1 e 1,5, antes e após a injeção intravenosa de meio de contraste iodado hidrossolúvel, na dose variando entre 1,5 e 2,0 ml/kg de peso, infundido por meio de bomba injetora, na velocidade de 3 a 4 ml/s. Após a injeção do meio de contraste as imagens foram obtidas nas fases de contrastação arterial (ou corticomedular), portal (ou nefrográfica) e de equilíbrio (ou pielográfica), dependendo da indicação clínica. O meio de contraste administrado por via oral ou por via retal foi utilizado quando indicado.

Todos os exames foram interpretados em estação de trabalho EasyVision (Philips Medical System; Best, The Netherlands) por dois radiologistas com dois anos de experiência em TC de abdome, de forma independente, que emitiram parecer baseado na indicação clínica e inicialmente apenas na fase pós-contraste intravenoso (primeira análise) e em seguida combinando os achados das fases pré- e pós-contraste intravenoso (segunda análise).

Os examinadores tiveram, previamente, acesso aos dados constantes no pedido médico do paciente e classificaram, na primeira e segunda análises, os diagnósticos tomográficos em principais e secundários, em função da sua prioridade e importância clínica para o paciente. Ao final da cada avaliação, os dois examinadores estabeleceram se houve mudança nos diagnósticos principais e secundários, entre a primeira e a segunda análise, ou seja, se a interpretação feita a partir da análise combinada da fase sem e com meio de contraste interferiu no diagnóstico, quando comparada à análise apenas da(s) fase(s) com meio de contraste. Nos casos discordantes, um terceiro examinador estabeleceu se houve ou não mudança do diagnóstico entre a primeira e a segunda análise.

Fase 2

Nesta etapa do estudo foram utilizados apenas os casos nos quais houve mudança dos diagnósticos principais e secundários, entre a primeira e a segunda análise.

Foram convidados dois médicos especialistas experientes, com mais de dez anos de atividade, escolhidos em função do tipo de diagnóstico que sofreu mudança (p.ex.: gastrenterologista e urologista para indicar conduta na esteatose hepática e urolitíase), com o objetivo de estabelecer se estas mudanças de diagnósticos implicariam alterações de conduta clínica.

Dessa forma, os especialistas estabeleceram uma conduta baseada em dados clínicos, laboratoriais e nos diagnósticos advindos da primeira análise tomográfica, e em seguida, baseada no diagnóstico modificado (ou complementado) a partir da segunda análise tomográfica.

Análise estatística

Os dados obtidos foram tabulados no programa Excel XP® da Microsoft. As análises dos dados foram realizadas no programa SPSS 11.5 para Windows® (SPSS Inc.; Chicago, USA).

Em relação à fase 1, mediu-se a freqüência de mudança dos diagnósticos principal e secundários quando comparadas a primeira com a segunda análise.

Na segunda fase do estudo foi medida a freqüência de mudança de conduta clínica estabelecida pelos especialistas em função do diagnóstico tomográfico obtido na primeira e segunda análises.

Foi utilizado o teste do qui-quadrado, considerando-se resultados com p < 0,05 como estatisticamente significantes.

 

RESULTADOS

Fase 1

Os diagnósticos principais emitidos pelos radiologistas que atuaram nesta fase, em consenso, foram: abdome agudo (4%), neoplasia abdominal (65%), processo inflamatório-infeccioso (8%), nefrolitíase (2%), nódulo de adrenal (2%), nódulo hepático (3%) e outros (16%).

Dos 100 pacientes que participaram do estudo, apenas um (1%) teve o seu diagnóstico modificado após a leitura da fase sem meio de contraste (segunda análise) em relação à leitura da fase com meio de contraste (primeira análise) e sem significância estatística (p = 1,000). Este paciente, com neoplasia de cólon operada e em reestadiamento tumoral, apresentava um nódulo de adrenal, inicialmente considerado indeterminado, e que, após a medida de densidade da fase sem meio de contraste (segunda análise), demonstrou ser um adenoma (Figura 1).

Dos 100 pacientes, 18 (18%) tiveram seus diagnósticos secundários modificados, porém, sem significância estatística (p = 0,143), entre os quais citamos: esteatose (7%), nódulo de adrenal (1%), nefrolitíase (7%), cistos renais (2%) e calcificações hepáticas sem alterações perfusionais (1%) (Figuras 2, 3, 4 e 5).

 

 

Entre os casos estudados, foi possível fazer o diagnóstico na primeira análise (ou seja, sem necessidade da fase sem meio de contraste) em nove pacientes com esteatose, em seis com nefrolitíase e em um com adenoma de adrenal (Figuras 6, 7 e 8).

Fase 2

Entre os 19 pacientes cuja segunda análise modificou os diagnósticos principal (um paciente) ou secundários (18 pacientes), 11 apresentavam alterações do sistema urinário - cistos renais, nefrolitíase, adenomas de adrenal -, e oito, no sistema digestivo - esteatose, calcificação hepática). Por esta razão, convidamos um urologista e um gastrenterologista para a análise destes casos e estabelecimento da conduta.

Dos oito pacientes avaliados pelo gastrenterologista, cinco (62,5%) tiveram sua conduta final modificada. Em quatro pacientes com esteatose diagnosticada apenas pela fase sem meio de contraste, a conduta do especialista foi investigar a causa da esteatose. Em um jovem paciente em reestadiamento tumoral, sem sinais tomográficos de recidiva e com colelitíase identificada apenas na fase sem meio de contraste (Figura 5), a conduta do especialista foi indicar colecistectomia. Nos outros três pacientes a conduta não foi modificada, em razão do seu diagnóstico principal e da evolução clínica.

Dos 11 pacientes avaliados pelo urologista, em dois a conduta foi mantida. Estes dois pacientes tinham incidentaloma de adrenal e seriam submetidos a investigação laboratorial, independentemente da definição tomográfica da natureza da lesão. Nos outros nove pacientes (81,8%), sete com nefrolitíase e dois com cistos renais classificados como Bosniak II e IIF pela segunda análise, o especialista optou por propor tratamento para os pacientes com cálculos renais e acompanhamento evolutivo nos dois pacientes com cistos renais.

Aplicando o teste do qui-quadrado nos casos em que a conduta foi alterada, observamos que a utilização da fase sem meio de contraste foi estatisticamente significante (p = 0,038).

 

DISCUSSÃO

Os avanços tecnológicos incorporados em equipamentos de TC nos últimos anos, principalmente após o advento da tecnologia helicoidal e, mais recentemente, da tecnologia multislice, fizeram não só crescer a utilização deste método diagnóstico, mas também aumentar a complexidade de alguns protocolos de estudo abdominal, fazendo uso de múltiplas fases de contrastação(14,15). Estes protocolos multifásicos diminuem a vida útil do tubo e aumentam a radiação absorvida pelo paciente(2). Inúmeros estudos têm sido desenvolvidos no sentido de reduzirem a dose de radiação em exames de TC abdominal, adotando as mais diversas estratégias(16-18). Entre estas, a supressão de algumas das fases de estudo parece ser uma maneira prática e segura, desde que se garanta a confiabilidade diagnóstica do exame(3).

Por esta razão, realizamos o presente estudo, uma vez que não existem evidências, na literatura, de que a adoção de protocolos de TC do abdome sem a utilização da fase sem meio de contraste mantenham a mesma eficiência diagnóstica em pacientes sem uma clara hipótese diagnóstica ou nos pacientes em estadiamento e reestadiamento tumoral.

No nosso serviço de TC, em um hospital universitário, existem diversos protocolos específicos para determinadas suspeitas diagnósticas. Entre estes, adotamos um protocolo denominado de genérico, quando não existe hipótese clínica definida (p.ex.: febre de origem indeterminada ou emagrecimento a esclarecer) ou é preciso um estadiamento ou reestadiamento tumoral. Neste protocolo genérico o exame é realizado em três fases: uma primeira, sem meio de contraste intravenoso; uma segunda, realizada 70 segundos após o início da injeção do meio de contraste (fase portal); e uma terceira, obtida entre três e cinco minutos após a injeção do meio de contraste (fase de equilíbrio). O objetivo do nosso estudo foi o de estabelecer se neste grupo de pacientes a fase sem meio de contraste era realmente necessária ou se poderia ser suprimida, reduzindo-se assim a dose de radiação absorvida pelo paciente e aumentando a vida útil do tubo de raios X. A necessidade ou não da fase sem meio de contraste foi medida pela freqüência de mudança nos diagnósticos principal e secundário obtidos a partir da análise apenas da fase com meio de contraste (primeira análise) e da avaliação combinada das fases sem e com meio de contraste (segunda análise), realizada por dois examinadores independentes. Foi considerado diagnóstico principal aquele diretamente relacionado com a clínica do paciente ou que justificasse o seu quadro clínico. Os diagnósticos secundários foram os que não preencheram os requisitos de diagnóstico principal, segundo o julgamento subjetivo dos examinadores.

Neste sentido, selecionamos pacientes que não apresentassem suspeita ou diagnóstico definido de doenças em que a fase sem meio de contraste fosse particularmente útil, como na urolitíase, na esteatose hepática, na hemocromatose, nos nódulos renais e de adrenal, e que foram considerados critérios de exclusão.

O estudo foi desenvolvido em duas etapas, para medir não somente a freqüência de mudança nos diagnósticos, mas também o impacto na conduta clínica, mediante opinião emitida por dois especialistas.

O diagnóstico principal somente foi alterado na segunda análise em um dos 100 pacientes, demonstrando que a fase sem meio de contraste tem pequena utilidade, neste aspecto. A paciente em questão realizou o exame tomográfico para estadiamento de neoplasia de colón. O diagnóstico inicial (após a primeira análise) indicava apenas a presença de um nódulo em adrenal indeterminado (wash-out relativo menor que 50%) (Figura 1) e que poderia ser de origem secundária. O diagnóstico final (após a segunda análise) demonstrou tratar-se de um adenoma, em razão da sua baixa densidade na fase sem meio de contraste(12). O restante do exame apresentava-se normal, de acordo com a avaliação dos dois examinadores, e sem evidência de disseminação metastática para outros órgãos. Apesar dessa mudança de diagnóstico ser importante, diante do prognóstico do paciente, é importante fazer algumas considerações.

Metástases para a adrenal são comuns a partir de uma variedade de neoplasias primárias, entre elas, tireóide, rim, estômago, cólon, pâncreas, esôfago e melanoma. Entretanto, apesar de freqüentes, muitos nódulos de adrenal em pacientes com câncer são benignos. Mesmo em pacientes com carcinoma de pulmão, cerca de 30% dos nódulos de adrenal não são metastáticos(19,20). Além disso, após revisão bibliográfica, não encontramos casos de pacientes com carcinoma de cólon e metástase única para a adrenal. Quando isto ocorre, a doença geralmente encontra-se disseminada em outros órgãos, o que não foi observado na referida paciente.

Entre os 100 casos estudados, os 18 que tiveram os seus diagnósticos secundários modificados apresentavam esteatose, nefrolitíase, nódulos de adrenal, cistos renais e calcificações hepáticas sem alterações perfusionais. Destes, os sete casos com esteatose apresentavam uma forma leve de infiltração gordurosa, com densidade na fase sem meio de contraste medindo menos que 10 UH, abaixo da densidade do baço(21). É interessante observar que em nove pacientes com esteatose mais avançada foi possível fazer o diagnóstico na fase com meio de contraste (primeira análise), o que foi confirmado na segunda análise.

Dois pacientes apresentaram cistos renais que foram inicialmente classificados como simples (categoria I de Bosniak) e que a avaliação da fase sem meio de contraste demonstrou tratar-se de cistos com conteúdo hiperdenso ou com septos e reclassificados como categoria II ou IIF de Bosniak. Os cistos tipo II não merecem acompanhamento e, portanto, não seriam responsáveis por mudanças de conduta. Ao contrário, cistos classificados como categoria IIF, em razão do risco, ainda que baixo, de crescimento e malignização, recebem acompanhamento(22).

Um paciente apresentou uma calcificação hepática puntiforme, sem alteração perfusional associada e identificada apenas na segunda análise. É importante observar que este tipo de calcificação não apresenta significado patológico, sendo um achado freqüente em pacientes assintomáticos(23).

Em um paciente foi identificado um nódulo de adrenal indeterminado na fase com meio de contraste e compatível com adenoma pela medida de densidade obtida na fase sem meio de contraste (segunda análise). Nestes casos, quando a fase com meio de contraste não permite um diagnóstico preciso, preconiza-se que o paciente seja reconvocado para nova avaliação através de uma fase sem meio de contraste, não trazendo, portanto, impacto clínico direto, mas apenas causando certo desconforto ao paciente, que precisa retornar ao serviço de tomografia para um novo exame complementar(12).

Em sete pacientes foram identificados cálculos renais (seis dos quais não-obstrutivos), a maioria com menos que 6 mm de diâmetro e encontrados em pacientes assintomáticos. Não existe consenso na literatura urológica sobre qual a conduta adequada neste grupo de pacientes(24,25). O fato de serem pacientes assintomáticos e com pequenos cálculos não-obstrutivos parece ser indício favorável para uma conduta expectante(26).

Entre os casos apresentados ao gastrenterologista, as mudanças de diagnóstico foram relacionadas a esteatose, colelitíase e calcificação hepática sem alterações perfusionais. O especialista valorizou todos os diagnósticos de esteatose leve, indicando investigação das possíveis causas. A esteatose hepática é comum em doentes com infecção crônica pelo vírus da hepatite B e C. Estudos têm demonstrado que a esteatose está associada com a progressão acelerada da fibrose hepática e pouca resposta à terapêutica antiviral nos pacientes com hepatite C(27,28). Uma medida precisa dos coeficientes de atenuação do parênquima hepático é fundamental para tornar elegível um candidato à doação hepática para transplante intervivos. Neste grupo de pacientes é indispensável a fase sem meio de contraste para obtenção destas medidas(21,29). Estes pacientes não foram incluídos no nosso grupo de estudo e nestes casos não seria indicada apenas a fase com meio de contraste.

Entre os casos apresentados ao urologista, em apenas um não houve modificação da conduta, pois o diagnóstico de nódulo de adrenal indicaria a necessidade de avaliação hormonal, independentemente da natureza do nódulo, considerando-se o fato que foi diagnosticado em um paciente sem história de neoplasia conhecida. Nos casos com nefrolitíase não-obstrutiva e assintomática, a conduta do urologista foi oferecer ao paciente a escolha de retirar o cálculo por meio de ureteroscopia flexível ou apenas acompanhamento, dependendo do estilo de vida e características pessoais do paciente(30). Nos dois pacientes que tinham cistos complexos, o especialista optou por acompanhar os pacientes por meio de exames de ressonância magnética (RM). O seguimento tomográfico demonstrou ser uma forma efetiva de manejo de pacientes com cistos renais moderadamente complexos(22), e a TC e a RM demonstram achados semelhantes na maioria dos cistos renais(31). Em alguns casos, no entanto, a RM demonstrou alguns aspectos adicionais, como septos ou espessamentos parietais, determinando uma mudança na classificação de Bosniak, e por isto tem sido utilizada no acompanhamento destes pacientes(31).

A radiação é um fator importante a ser considerado em estudos de TC do abdome. Apesar de não existir um valor máximo de dose de irradiação ao qual o paciente pode ser exposto, sendo aceito que ele deve receber a dose necessária para o diagnóstico da sua doença, é desejável que esta dose seja a menor possível(32). Em exames de TC multislice do abdome a dose empregada em cada fase é de aproximadamente 12 a 20 mSv(33). Esta seria a redução média de dose de radiação obtida suprimindo-se uma das fases tomográficas.

O nosso estudo apresenta algumas limitações. O número de pacientes avaliados poderia ter sido maior e estamos empenhados em ampliar esta amostra e validar os resultados obtidos neste estudo; no entanto, não acreditamos encontrar modificações expressivas nestes resultados. Os critérios de seleção dos pacientes foram difíceis de serem estabelecidos, pois muitos pacientes apresentavam histórias clínicas incompletas ou hipóteses diagnósticas confusas nos pedidos de exame. Futuramente, pretendemos selecionar apenas pacientes em estadiamento ou reestadiamento tumoral para restringir melhor a nossa amostra. A definição de diagnóstico principal e secundário foi bastante subjetiva, mas não encontramos uma maneira mais precisa de classificar os achados observados nos exames tomográficos.

Com este estudo podemos observar que a fase sem contraste não proporcionou modificações significativas nos diagnósticos principais dos pacientes no contexto clínico em questão. Os diagnósticos secundários acrescentados pela fase sem meio de contraste também não foram quantitativamente significativos, porém, os diagnósticos considerados inicialmente como secundários foram significativamente valorizados pelos médicos especialistas nas doenças em questão.

Na nossa opinião, ainda não está claro se a fase sem meio de contraste pode ser abolida em pacientes sem hipótese diagnostica definida ou naqueles em estadiamento tumoral.

 

REFERÊNCIAS

1. Broder J, Warshauer DM. Increasing utilization of computed tomography in the adult emergency department, 2000-2005. Emerg Radiol. 2006;13:25-30.         [  ]

2. Wiest PW, Locken JA, Heintz PH, et al. CT scanning: a major source of radiation exposure. Semin Ultrasound CT MR. 2002;23:402-10.         [  ]

3. Iannaccone R, Laghi A, Catalano C, et al. Hepatocellular carcinoma: role of unenhanced and delayed phase multi-detector row helical CT in patients with cirrhosis. Radiology. 2005;234:460-7.         [  ]

4. Zeman RK, Baron RL, Jeffrey RB Jr, et al. Helical body CT: evolution of scanning protocols. AJR Am J Roentgenol. 1998;170:1427-38.         [  ]

5. Urban BA, Fishman EK. Tailored helical CT evaluation of acute abdomen. Radiographics. 2000;20:725-49.         [  ]

6. Smith RC, Verga M, McCarthy S, et al. Diagnosis of acute flank pain: value of unenhanced helical CT. AJR Am J Roentgenol. 1996;166:97-101.         [  ]

7. Galvão Filho MM, D'Ippolito G, Hartmann LG, et al. O valor da tomografia computadorizada helicoidal sem contraste na avaliação de pacientes com dor no flanco. Radiol Bras. 2001;34:129-34.         [  ]

8. D'Ippolito G, Mello GGN, Szejnfeld J. The value of unenhanced CT in the diagnosis of acute appendicitis. São Paulo Med J. 1998;116:1838-45.         [  ]

9. D'Ippolito G, Nunes Jr JAT, Wolosker AMB, et al. O valor da tomografia computadorizada sem contraste na avaliação da região cecoapendicular normal. Radiol Bras. 1996;29:247-51.         [  ]

10. Bosniak MA. The current radiological approach to renal cysts. Radiology. 1986;158:1-10.         [  ]

11. Limanond P, Raman SS, Lassman C, et al. Macrovesicular hepatic steatosis in living related liver donors: correlation between CT and histologic findings. Radiology. 2004;230:276-80.         [  ]

12. Korobkin M, Brodeur FJ, Francis IR, et al. CT time-attenuation washout curves of adrenal adenomas and nonadenomas. AJR Am J Roentgenol. 1998;170:747-52.         [  ]

13. Fritz GA, Schoellnast H, Deutschmann HA, et al. Density histogram analysis of unenhanced hepatic computed tomography in patients with diffuse liver diseases. J Comput Assist Tomogr. 2006;30:201-5.         [  ]

14. Liu WY, Jin Y, Rong RH, et al. Multi-phase helical CT in diagnosis of early hepatocellular carcinoma. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2003;2:73-6.         [  ]

15. Huang QJ, Xu Q, Wang XN, et al. Spiral multi-phase CT in evaluating resectability of pancreatic carcinoma. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2002;1:614-9.         [  ]

16. Kim BS, Hwang IK, Choi YW, et al. Low-dose and standard-dose unenhanced helical computed tomography for the assessment of acute renal colic: prospective comparative study. Acta Radiol. 2005;46:756-63.         [  ]

17. Funama Y, Awai K, Miyazaki O, et al. Improvement of low-contrast detectability in low-dose hepatic multidetector computed tomography using a novel adaptive filter: evaluation with a computer-simulated liver including tumors. Invest Radiol. 2006;41:1-7.         [  ]

18. Meagher T, Sukumar VP, Collingwood J, et al. Low dose computed tomography in suspected acute renal colic. Clin Radiol. 2001;56:873-6.         [  ]

19. Silverman SG, Mueller PR, Pinkney LP, et al. Predictive value of image-guided adrenal biopsy: analysis of results of 101 biopsies. Radiology. 1993;187:715-8.         [  ]

20. Harisinghani MG, Maher MM, Hahn PF, et al. Predictive value of benign percutaneous adrenal biopsies in oncology patients. Clin Radiol. 2002;57:898-901.         [  ]

21. Lee SW, Park SH, Kim KW, et al. Unenhanced CT for assessment of macrovesicular hepatic steatosis in living liver donors: comparison of visual grading with liver attenuation index. Radiology. 2007;244:479-85.         [  ]

22. Israel GM, Bosniak MA. Follow-up CT of moderately complex cystic lesions of the kidney (Bosniak category IIF). AJR Am J Roentgenol. 2003;181:627-33.         [  ]

23. Bezerra ASA, D'Ippolito G, Martelli P, et al. Calcificações hepáticas: freqüência e significado. Radiol Bras. 2003;36:199-205.         [  ]

24. El-Nahas AR, El-Assmy AM, Madbouly K, et al. Predictors of clinical significance of residual fragments after extracorporeal shockwave lithotripsy for renal stones. J Endourol. 2006;20:870-4.         [  ]

25. Nadler RB, Stern JA, Kimm S, et al. Coronal imaging to assess urinary tract stone size. J Urol. 2004;172:962-4.         [  ]

26. Parsons JK, Lancini V, Shetye K, et al. Urinary stone size: comparison of abdominal plain radiography and noncontrast CT measurements. J Endourol. 2003;17:725-8.         [  ]

27. Caturelli E, Castellano L, Fusilli S, et al. Coarse nodular US pattern in hepatic cirrhosis: risk for hepatocellular carcinoma. Radiology. 2003;226:691-7.         [  ]

28. Colli A, Fraquelli M, Andreoletti M, et al. Severe liver fibrosis or cirrhosis: accuracy of US for detection - analysis of 300 cases. Radiology. 2003;227:89-94.         [  ]

29. Brancatelli G. Science to practice: should biopsy be performed in potential liver donors when unenhanced CT shows an unacceptable degree of steatosis for transplantation? Radiology. 2006;239:1-2.         [  ]

30. Elashry OM, Elbahnasy AM, Rao GS, et al. Flexible ureteroscopy: Washington University experience with the 9.3F and 7.5F flexible ureteroscopes. J Urol. 1997;157:2074-80.         [  ]

31. Israel GM, Hindman N, Bosniak MA. Evaluation of cystic renal masses: comparison of CT and MR imaging by using the Bosniak classification system. Radiology. 2004;231:365-71.         [  ]

32. D'Ippolito G, Medeiros RB. Exames radiológicos na gestação. Radiol Bras. 2005;38:447-50.         [  ]

33. MacKersie AB, Lane MJ, Gerhardt RT, et al. Nontraumatic acute abdominal pain: unenhanced helical CT compared with three-view acute abdominal series. Radiology. 2005;237:114-22.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Giuseppe D'Ippolito
Rua Doutor Alceu de Campos Rodrigues, 95, subsolo, Vila Nova Conceição
São Paulo, SP, Brasil, 04544-000
E-mail: scoposl@uol.com.br

Recebido para publicação em 4/9/2007. Aceito, após revisão, em 29/11/2007.

 

 

* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil.


 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554