ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Luiza Alina Almeida Araújo Rabelo, Ilka Rocha Florêncio, Iggor Medeiros Pirauá, Silvio Cavalcanti de Albuquerque, João Vicente Ribeiro Neto, Eduardo Just da Costa e Silva |
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Descritores: Ultrassonografia, Crianças, Abdominal, Jejum |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A ultrassonografia é um dos métodos de imagem mais utilizados na avaliação de doenças abdominais da criança, sendo útil na detecção e caracterização de grande variedade de afecções(1-4). Muitas vezes, é o único método de imagem empregado(1,5). Suas vantagens incluem a portabilidade, o baixo custo, a acurácia e a ausência de radiação ionizante(6). Entretanto, muitos fatores podem afetar a qualidade das imagens ultrassonográficas. Gás intestinal é considerado um fator limitante na avaliação do pâncreas, da vesícula biliar e do trato gastrintestinal(7). A distensão adequada da vesícula biliar e pouco gás no tubo digestivo são considerados condições ótimas para a formação de imagens adequadas(8). Muitos autores sugerem que o exame seja feito após jejum, na expectativa de reduzir o conteúdo gastrintestinal e promover distensão adequada da vesícula biliar(7,9-12). Quatro a seis horas de jejum são rotineiramente recomendadas para crianças(9,13). Entretanto, esta prática pode ser muito desconfortável e pouco tolerada por muitos pacientes. Crianças com fome podem ficar bastante irritadas, comprometendo a qualidade do exame e causando preocupação aos pais. Além do mais, crianças pequenas podem até desenvolver episódios de hipoglicemia após curtos períodos de jejum. Os benefícios do jejum na qualidade do exame ultrassonográfico têm sido questionados por alguns autores(7,8). No entender dos autores, não há estudos abordando este tópico especificamente em crianças. Nosso objetivo é comparar a qualidade das imagens obtidas no exame ultrassonográfico abdominal de crianças submetidas a jejum prévio com a de crianças alimentadas imediatamente antes do exame.
MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. Termo de consentimento livre e informado foi obtido de todos os responsáveis pelas crianças. Trata-se de estudo prospectivo incluindo crianças com até 12 anos de idade com queixas clínicas não relacionadas ao abdome. Foi utilizada uma amostragem por conveniência. Esta forma de seleção foi escolhida por permitir a inclusão de pacientes presentes no hospital nos momentos em que os dois radiologistas participantes do estudo se encontravam em atividade no hospital, permitindo comparações entre exames realizados nas mesmas condições. Pela natureza do estudo, com a inclusão de crianças sem queixas abdominais, a amostragem selecionada desta forma não possuía nenhuma característica especial que possa ter contribuído para viés de seleção. Todas as crianças estudadas se encontravam internadas, sendo possível controlar de forma precisa os horários das refeições. Uma lista de todos os pacientes internados sem queixas abdominais ou histórico prévio de cirurgia abdominal foi obtida. Os pacientes foram divididos em dois grupos: o grupo 1 consistiu de crianças em jejum; os pacientes do grupo 2 foram examinados 60 minutos após sua refeição habitual do horário do almoço. Os exames foram realizados de forma sequencial por dois médicos ultrassonografistas, ambos com prática diária de ultrassonografia pediátrica, sendo um de seis e o outro de três anos. Foi utilizada técnica padrão, com os pacientes deitados, sendo todos os exames realizados em um aparelho Sonosite Titan (Sonosite Inc.; Bothell, EUA), usando-se transdutores linear (L25; 5-10 MHz) e convexo (C11; 5-8 MHz). Os ultrassonografistas desconheciam o grupo do paciente e não foram autorizados a fazer perguntas aos acompanhantes. Foram obtidas imagens de fígado, vesícula biliar, baço, rins, pâncreas, retroperitônio, mesentério (vasos, gordura e linfonodos) e intestinos, sendo classificada, cada uma, nos seguintes escores: 1 (não visualizado ou parcialmente visualizado, inadequada para diagnóstico), 2 (suficientes para diagnóstico) ou 3 (excelentes, adequadas a aulas de anatomia ultrassonográfica), de acordo com método descrito em estudo prévio(8). Análise estatística A significância estatística das diferenças entre os grupos foi calculada pelo teste de Mann-Whitney. Imagens classificadas como escore 3 ou 2 foram agrupadas e denominadas "diagnósticas", sendo as demais (escore 1) denominadas "não diagnósticas". A significância estatística das diferenças obtidas com esta nova classificação foi obtida pelo método do qui-quadrado. A concordância interobservadores foi investigada pelo coeficiente de kappa(10). Esta medida foi obtida apenas para avaliar grosseiramente o método empregado na classificação das qualidades de imagem, não tendo relação direta com o objetivo proposto para o trabalho. Foi adotado nível de significância de 95%.
RESULTADOS No total, 77 pacientes foram selecionados para o estudo, com idades variando entre uma semana e 12 anos (média de 2,7 anos), sendo 47 (61%) meninos e 30 (39%) meninas. Jejum se mostrou vantajoso apenas na avaliação da vesícula biliar pelo radiologista 2 (p = 0,032), sendo que esta vantagem não foi notada pelo radiologista 1. Quando agrupadas em "diagnósticas" e "não diagnósticas", nenhuma diferença foi observada entre os dois grupos (Tabela 1). A idade não mostrou relação estatisticamente significante com os escores obtidos em pacientes com ou sem jejum.
A concordância interobservadores, em relação à classificação das imagens entre "diagnóstica" e "não diagnóstica", é apresentada na Tabela 2.
DISCUSSÃO A prescrição de qualquer tipo de preparo antes de um exame de imagem tem como objetivos tornar o procedimento mais seguro (como é o caso de prescrição de preparo antialérgico antes da realização de exames que envolvem injeção de contrastes iodados) ou melhorar a qualidade das imagens obtidas, propiciando maior segurança e eficácia diagnóstica(14). Entretanto, qualquer prescrição, seja de medicamentos ou simplesmente de jejum, deve ser fundamentada em estudos que mostrem um benefício real de sua prática. A prescrição de jejum é comum em muitos procedimentos hospitalares, incluindo ultrassonografias. O momento de se iniciar o jejum é sempre baseado na hora esperada para a realização do exame, embora tal cronograma nem sempre possa ser cumprido. Em hospitais de grande porte, exames de imagem são realizados em elevado número de pacientes, contribuindo para a ocorrência de salas de espera lotadas e demora em atendimentos. A presença de um setor de emergência costuma aumentar muito a solicitação de exames de imagem, destacando-se a vasta aplicação da ultrassonografia em emergências abdominais(15,16). Este fenômeno contribui para maior demora em atendimentos de pacientes marcados, já que normalmente os pacientes provenientes da emergência são atendidos nos intervalos entre os agendados previamente. Nossos resultados mostram que jejum prévio a ultrassonografias abdominais em crianças não contribui para a obtenção de imagens de melhor qualidade. A vesícula biliar foi o único órgão no qual a avaliação teve escore superior, mas este fato só foi observado por um radiologista. Ainda assim, quando as imagens foram classificadas como "diagnósticas" ou "não diagnósticas', nenhuma diferença foi detectada. Estudos neste tópico abordando especificamente crianças não são disponíveis, mas nossos resultados são similares aos observados em adultos. Windler et al. verificaram que a razão peso/altura dos pacientes foi o determinante mais importante da qualidade dos exames ultrassonográficos abdominais no seu estudo(7). Eles verificaram, ainda, que a prática de jejum contribuiu para melhores imagens apenas no trato biliar. Além do mais, imagens do rim direito tiveram escores superiores em pacientes não submetidos a jejum, achado não verificado nos nossos resultados. A inclusão de adultos no estudo acima citado pode justificar esta pequena discrepância de resultados. Imagens ultrassonográficas abdominais de crianças são usualmente melhores, em razão das pequenas dimensões do abdome pediátrico. Sinan et al. não verificaram diferenças nos escores entre adultos submetidos a jejum prévio e indivíduos alimentados previamente(8). O número de imagens "diagnósticas" neste estudo foi, entretanto, menor do que o nosso, aspecto que pode, igualmente, ser atribuído à inclusão de adultos. A prática do jejum pode ser muito problemática em alguns indivíduos. Se imagens de boa qualidade puderem ser obtidas em pacientes não submetidos a jejum, esta prática não deve ser adotada. Em setores de ultrassonografia de grandes hospitais, com grande número de pacientes provenientes da emergência e outros exames "extras" (pacientes internados em intercorrências), o tempo de espera dos pacientes previamente marcados pode ser muito longo e superior ao previsto, já que o número de exames não previamente agendados pode ser grande. A fome pode ser muito perturbadora para crianças, podendo levar a hipoglicemia e desidratação. O choro e irritabilidade podem mesmo prejudicar o exame. Muitos pacientes podem até se recusar a esperar, desistindo do exame, o que pode ocasionar retardos diagnósticos. Este estudo teve várias limitações. Avaliar imagens ultrassonográficas por meio de escores não reflete a real acurácia do exame. Idealmente, seria necessário avaliar o desempenho dos exames na detecção de doenças específicas, como linfonodomegalias retroperitoneais, colelitíase e espessamento de alças intestinais. Situações clinicamente importantes, como detecção e estadiamento de neoplasias e avaliação de doenças inflamatórias intestinais, são necessárias. Uma situação na qual o jejum poderia ser útil é a avaliação da icterícia colestática neonatal, já que a avaliação da vesícula biliar é necessária. Uma refeição prévia pode dificultar o estudo deste órgão, já que causa contratilidade vesical(12). Outra limitação é a ausência de dados de índice de massa corporal ou peso, que presumivelmente poderiam interferir nos resultados. Além do mais, o sistema de escores adotado é subjetivo, o que pode comprometer a reprodutibilidade do estudo. Embora este estudo não tenha sido desenhado para avaliar a qualidade de sistemas de escores ultrassonográficos, a concordância interobservadores obtida indica a necessidade do desenvolvimento de outros sistemas de avaliação de qualidade de imagens ultrassonográficas. O sistema empregado, entretanto, tem sido utilizado em vários estudos com objetivos similares(7,8,17,18). Não há estudos disponíveis sobre a concordância interobservadores de qualquer sistema de escores. Estudos neste sentido são necessários, bem como o desenvolvimento de sistemas mais bem definidos de avaliar qualidade de imagens ultrassonográficas.
CONCLUSÃO Concluímos que a prática de jejum não foi fundamental para a obtenção de imagens ultrassonográficas abdominais de qualidade nas crianças estudadas. Estudos avaliando outras variáveis, como idade e índice de massa corporal, são necessários, bem como avaliando situações clínicas comuns. Métodos melhores de avaliação de qualidade de imagens ultrassonográficas abdominais são necessários.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 21/6/2009.
* Trabalho realizado no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil. |