ARTIGO DE REVISÃO
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Autho(rs): Marcelo de Mattos Garcia, Fabiana Pizanni Magalhães, Gabriela Bijos Dadalto, Marina Vimieiro Timponi de Moura |
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Descritores: Cordas vocais, Paralisia, Imagem |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A paralisia das pregas vocais é causa frequente de rouquidão, podendo ser secundária a diversas afecções ao longo do nervo vago (X par craniano) e de seus ramos. O reconhecimento das alterações radiológicas específicas e o conhecimento da anatomia e das doenças que podem acometer o X par craniano são de importância fundamental para a escolha e programação do melhor método de imagem a ser utilizado e sua interpretação adequada. Neste trabalho procuramos demonstrar os achados radiológicos indicativos de paralisia de prega vocal. Além disso, enfocamos as estratégias da avaliação por imagens de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) na pesquisa das principais causas, ilustrando-as com casos típicos.
ANATOMIA O nervo vago é o nervo craniano com o trajeto mais longo, estendendo-se do tronco cerebral ao abdome(1). Origina-se de quatro núcleos no bulbo, sendo que três deles convergem na cisterna basal para formar um único nervo, que emerge do crânio pelo forame jugular, percorre o pescoço e o tórax, terminando no abdome. Neste longo trajeto, o nervo vago dá origem a numerosos ramos que inervam a laringe e a faringe. Na região cervical, encontra-se entre a artéria carótida (medialmente) e a veia jugular interna (lateralmente). Há três ramos maiores do nervo vago nesta região: os nervos faríngeo, laríngeo superior e laríngeo recorrente. O ramo faríngeo se origina do gânglio inferior do nervo vago e faz parte do plexo faríngeo, responsável pela inervação motora dos músculos da faringe e músculos elevadores do véu palatino. O nervo laríngeo superior também se origina do gânglio inferior do nervo vago, caudalmente ao ramo faríngeo, e divide-se em nervos laríngeo externo (motor) e interno (sensitivo). É o responsável pela inervação do músculo cricotireoideo. Os nervos laríngeos recorrentes (NLRs) (Figura 1) são responsáveis pela inervação dos demais músculos intrínsecos da laringe(2). Estes carregam fibras motoras, sensitivas e parassimpáticas, dividindo-se em ramo interno, responsável pela função sensitiva das cordas vocais e região subglótica, e ramo externo, que comporta a função motora de quatro músculos intrínsecos da laringe: tireoaritenoide, cricoaritenoides anterior e posterior e aritenoides transverso e oblíquo(3). À direita, o NLR emerge do nervo vago no ponto em que este cruza a artéria subclávia direita anteriormente, fazendo uma alça por baixo da artéria e alcançando sua superfície posterior. Então, ele segue superiormente no sulco traqueoesofágico em direção à laringe. O NLR esquerdo emerge do nervo vago no mediastino, após seu cruzamento ântero-lateral ao arco aórtico. Faz, então, uma alça sob o arco, seguindo trajeto entre a aorta e a artéria pulmonar esquerda, estendendo-se posteriormente até o sulco traqueoesofágico, onde segue até alcançar a laringe. Em razão do seu trajeto mais longo e parcialmente intratorácico, o NLR esquerdo pode ser afetado por doenças mediastinais(1). Ambos os nervos entram na laringe na região da articulação cricotireoidea por intermédio das fibras dos músculos constritores inferiores da faringe.
Na subida do NLR do tórax à laringe, numerosas variações anatômicas podem ser encontradas. Rustad(4), em estudos de autópsia, observou que 43% dos NLRs se dividiam em um ou mais ramos em ambos os lados. Os achados da divisão do nervo antes de atingir a laringe foram também confirmados cirurgicamente em 40% dos casos por Nemiroff e Katz(5). O trajeto dos NLRs pode sofrer variações em decorrência de anormalidades congênitas vasculares ou distorções anatômicas pela presença de bócio, neoplasias ou processos inflamatórios. Nos casos de artéria subclávia direita aberrante, o NLR direito passa diretamente do vago à laringe, sem contornar a respectiva artéria. Essa variação está intimamente relacionada a lesões cirúrgicas e é conhecida como nervo laríngeo inferior "não recorrente". O NLR localiza-se no sulco traqueoesofágico, um importante marco anatômico, em 65% dos casos à direita e em 77% das vezes à esquerda. O nervo é encontrado à direita da traqueia em 33% dos casos e à esquerda em 22%. Raramente ele ascende anterolateralmente à traqueia, e neste caso apresenta maior suscetibilidade a injúria cirúrgica.
ASPECTOS CLÍNICOS Os pacientes com paralisia das pregas vocais geralmente apresentam queixa de rouquidão. Outros sintomas mais graves incluem aspiração e pneumonias frequentes(6). No entanto, até 35% dos pacientes podem ser assintomáticos(5). Nesses casos, a identificação da paralisia ao exame de imagem será incidental e tal achado deve alertar o médico assistente sobre a necessidade de avaliação adicional. A avaliação prévia e direta por laringoscopia deve ser inicialmente realizada para descarte de lesões mucosas e submucosas, como as causadas pelo carcinoma de células escamosas, para que se justifique estudo subsequente por imagem. A paralisia pode ocorrer de forma aguda ou crônica, podendo ser uni ou bilateral. A prega vocal esquerda é mais acometida, uma vez que o NLR deste lado tem trajeto mais longo, com cerca de 12 cm de extensão da aorta até a junção cricotireoidea. Ao exame clínico, o diagnóstico do lado afetado é relativamente simples: a prega vocal verdadeira comprometida estará com a mobilidade reduzida, total ou parcialmente.
DIAGNÓSTICO POR IMAGEM Os achados clássicos da paralisia das pregas vocais podem ser observados em radiografias simples e, particularmente, nos métodos de imagem setoriais, como a TC e a RM. Estes exames deverão incluir a varredura da base craniana até a janela aorticopulmonar, incluindo, por sua vez, todo o trajeto do NLR. A TC deve incluir as fases pré- e pós-contraste, sendo algumas vezes necessário utilizar uma etapa em fonação, com a vocalização da letra i. Esta aquisição auxilia na avaliação da mobilidade das pregas vocais verdadeiras, mas deve ser utilizada com cautela para minimizar a exposição à radiação ionizante. São adquiridos cortes axiais e realizadas posteriores reconstruções multiplanares coronais e sagitais tridimensionais. Os parâmetros técnicos de TC e RM utilizados em nosso serviço são mostrados na Tabela 1.
O abaulamento do contorno da orofaringe e hipofaringe, em conjunto com o afilamento do músculo constritor, são evidências de lesão do plexo faríngeo ipsilateral(7). Tais achados indicam que a anormalidade se encontra em um nível logo abaixo da base do crânio ou mais cranialmente na fossa posterior. Na paralisia do NRL, a maioria dos achados imaginológicos é secundária à atrofia do músculo tireoaritenoide (Figura 2)(7). Ao menos dez achados associados à paralisia desse nervo são descritos nos estudos laringoscópicos por Landman(8). Estes foram transferidos para análise axial por TC, respeitando suas limitações. Vários achados correlacionaram a TC com a paralisia da prega vocal(7), e entre eles podemos citar: espessamento e deslocamento medial da prega ariepiglótica ipsilateral; achado mais comum (Figura 3); dilatação do seio piriforme (Figura 4); dilatação do ventrículo laríngeo ipsilateral (Figura 5); deslocamento ântero-medial da cartilagem aritenoide ipsilateral (Figura 6); dilatação da valécula ipsilateral; achatamento do arco subglótico, evidenciado em imagens coronais.
As duas primeiras alterações acima descritas são encontradas em mais de 75% dos casos, sendo os critérios mais confiáveis. Com o advento da tomografia com multidetectores, imagens coronais reformatadas com alta resolução propiciaram uma maior capacidade de análise da laringe. No entanto, ressaltamos que as imagens axiais permitem um diagnóstico correto na maior parte dos casos.
CAUSAS São várias as causas de paralisia das pregas vocais, e cerca de 50% dos casos reportados são tóxicos ou idiopáticos(7). Assim, em pelo menos metade dos pacientes imagens seccionais podem falhar em identificar lesões ao longo do curso dos nervos vago e laríngeo recorrente. No passado, a causa mais comum de paralisia das pregas vocais era a cirurgia tireoidiana com dissecção do ligamento de Berry, local onde o NLR penetra na laringe. Nestes casos, as lesões ocorrem por tração excessiva da glândula ou no momento da hemostasia. O NLR pode ser ligado junto com os vasos tireoidianos inferiores, sendo, portanto, fundamental a sua identificação no ato cirúrgico. Recentemente, neoplasias do pulmão (Figura 7) e da base do crânio, assim como lesões cirúrgicas, são as causas mais comuns.
Várias doenças podem envolver o nervo vago em seu trajeto (Figura 8), levando à paralisia de pregas vocais. Portanto, é necessária uma avaliação desde o tronco cerebral até a carina. As causas de paralisia das pregas vocais podem ser divididas em origem central (neuropatia vagal) e periférica (neuropatia do NLR), sendo esta última a mais comum, chegando até a 90% dos casos em algumas séries. Porém, na maioria dos casos (até 85%) não se identificam lesões ao longo do trajeto dos nervos.
Entre as causas centrais podemos citar lesões afetando o tronco cerebral, a base craniana e a bifurcação carotidiana, também associadas a neuropatia vagal. Neste grupo podemos destacar paragangliomas vagais, massas hipervascularizadas que envolvem ou que comprimem todo o trajeto do X nervo, assim como seus núcleos no forame jugular, bem demonstradas nas fases contrastadas da TC e RM(9). Eventos vasculares que acometem, por exemplo, a artéria cerebelar posterior inferior, levando à sua oclusão, podem comprometer o núcleo ambíguo, no aspecto dorsolateral do bulbo. Assim, infartos nesta área podem justificar a paralisia da prega vocal ipsilateral(10). Um problema vagal central pode ser suspeitado se há paralisia ou paresia dos músculos constritores da faringe, que ocorrem quando o plexo faríngeo é afetado. O plexo faríngeo é formado por ramos dos IX, X e XI nervos cranianos, além de ramos do tronco simpático. Os ramos vagais emergem do gânglio nodoso situado abaixo da base craniana e penetram nos músculos faríngeos, enviando ramos aos constritores superior e inferior. Uma lesão afetando o plexo faríngeo irá causar paresia ou paralisa dos músculos constritores ipsilaterais, que podem eventualmente se tornar atróficos. A causas periféricas incluem invasão do NLR por tumores tireoideos (Figura 9) e esofágicos cervicais (Figura 10). Quatro por cento dos pacientes com paralisia vocal unilateral têm doença tireoidiana, mas apenas 0,7% são afecções benignas. Os cânceres de tireoide localmente invasivos devem ser corretamente avaliados por imagem, uma vez que a invasão do espaço laringotraqueal justifica o acometimento do NLR e subsequente paralisia das pregas vocais(11). Os tumores malignos do esôfago avançados podem estender-se ao sulco traqueoesofágico, trajeto do NLR(12). Do lado esquerdo, aneurismas aórticos (Figura 11), cardiomegalia e tumores pulmonares do lobo superior são implicados como causas potenciais. À direita, são considerados fatores causais os tumores supraclaviculares e os aneurismas da artéria subclávia. Os tumores de Pancoast, ou tumores do sulco superior, são normalmente carcinomas broncogênicos não pequenas células, geralmente escamosos, que acometem o sulco superior onde corre o NRL direito(13).
A paralisia das cordas vocais também pode estar associada a neurite periférica desencadeada por alcoolismo, viroses, infecções bacterianas agudas e toxicidade por drogas. Afecções neurológicas associadas a esclerose múltipla, poliomielite, miastenia gravis, doença de Parkinson, esclerose lateral amiotrófica, doença cerebrovascular e complicações da acromegalia também estão implicadas.
CONCLUSÃO O reconhecimento das alterações radiológicas na paralisia da prega vocal é de grande importância, uma vez que frequentemente os pacientes são assintomáticos (35%) e, não raro, serão inicialmente diagnosticados pelo radiologista. Além disso, os métodos de imagem, particularmente os setoriais, nos permitem estudar todo o trajeto do X par craniano e dos NLRs, possibilitando a identificação de diversas doenças nesta região. O conhecimento dessas condições e da anatomia pertinente é, portanto, de fundamental importância para o planejamento e interpretação adequada dos exames radiológicos.
REFERÊNCIAS 1. Curtin HD. The larynx. In: Som PM, Curtin HD, editors. Head and neck imaging. 4th ed. St. Louis: Mosby; 2003. p. 16013. [ ] 2. O'Rahilly R. Cabeça e pescoço: faringe e laringe. In: Gardner E, Gray DJ, O'Rahilly R, editors. Anatomia: estudo regional do corpo humano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988. p. 73050. [ ] 3. Ardito G, Revelli L, D'Alatri L, et al. Revisited anatomy of the recurrent laryngeal nerves. Am J Surg. 2004;187:24953. [ ] 4. Rustad VH. Revised anatomy of recurrent laryngeal nerves: surgical importance based on dissection of 100 cadavers. J Clin Endocrinol Metab. 1954;14:8796. [ ] 5. Nemiroff PM, Katz AD. Extralaryngeal divisions of the recurrent laryngeal nerve. Surgical and clinical significance. Am J Surg. 1982;144:4669. [ ] 6. Ramadan HH, Wax MK, Avery S. Outcome and changing cause of unilateral vocal cord paralysis. Otolaryngol Head Neck Surg. 1998;118:199202. [ ] 7. Chin SC, Edelstein S, Chen CY, et al. Using CT to localize side and level of vocal cord paralysis. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:116570. [ ] 8. Landman GHM. Laryngography and cinelaryngography. Baltimore: Williams & Wilkins; 1970. [ ] 9. Rao AB, Koeller KK, Adair CF. From the Archives of the AFIP. Paragangliomas of the head and neck: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 1999;19:160532. [ ] 10. Cornier PJ, Long ER, Russell EJ. MR imaging of posterior fossa infarctions: vascular territories and clinical correlates. Radiographics. 1992;12:107996. [ ] 11. Dedivitis RA, Guimarães AV. Carcinoma papilífero da tireóide localmente invasivo. Rev Bras Otorrinolaringol. 2002;68:68791. [ ] 12. Duarte BB, Mikinev RM, Costa KC, et al. Paralisia bilateral em abdução de pregas vocais como manifestação de câncer de esôfago: relato de caso e revisão de literatura. Arq Int Otorrinolaringol. 2006;10:32730. [ ] 13. Duarte RLM, Almeida MHH, Paschoal MEM. Tumor de Pancoast e carcinoma gástrico primários e sincrônicos. Pulmão RJ. 2005;14:758. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 18/11/2008. Aceito, após revisão, em 28/7/2009.
* Trabalho realizado na Axial Centro de Imagem, Belo Horizonte, MG, Brasil. |