Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 42 nº 5 - Set. / Out.  of 2009

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
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Page(s) XI to XIV



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Denise Castro de Souza Côrtes, Amarino Carvalho de Oliveira Junior, Luiz Carlos Simões, Ricardo Andrade Fernandes de Mello, Edson Marchiori

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Endereço para correspondência

 

 

Paciente de 29 anos de idade, do sexo masculino, portador de hipoplasia do ventrículo direito, sem qualquer abordagem terapêutica até o momento. Apresentava-se pouco sintomático, com desenvolvimento físico normal, sem limitação para atividades cotidianas. Exames de rotina indicaram alta suspeita clínica de shunt direita–esquerda. Foi submetido a estudo transtorácico por ecocardiograma, por médicos com mais de 20 anos de experiência, que identificaram hipoplasia do ventrículo direito e estenose pulmonar, mas houve dúvida diagnóstica entre shunt direita–esquerda. O paciente foi encaminhado para o Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Pró-Cardíaco para estudo do septo interatrial e pesquisa de shunt.

Descrição das imagens

Figura 1. Aquisições acopladas ao ECG, em cine-RM (SSFP) nos planos (A a F) quatro câmaras varredura. Observar a cavidade direita de tamanho reduzido e o defeito do septo interatrial junto à entrada da veia cava superior no átrio direito.

 

 

Figura 2. Aquisições acopladas ao ECG, de (A a C) eixo curto varredura atrial, (D) via de saída do ventrículo direito e (E e F) estudo de fluxo pela técnica phase contrast. Nas imagens de A a C, observar a ausência do septo na porção superior medindo 1,5 cm. Em D identifica-se a estenose da pulmonar supravalvar com jato anterógrado visível. Em E e F, estudo de fluxo mostra que a velocidade média na pulmonar é de 31,5 ml e na aorta é de 63,3 ml, configurando um Qs/Qp = 2,0 e shunt direita–esquerda.

 


 

Diagnóstico: Hipoplasia do ventrículo direito associada a comunicação interatrial e estenose supravalvar do tronco da pulmonar em paciente adulto.

 

COMENTÁRIOS

O número de pacientes portadores de doença cardíaca congênita (DCC) que chegam à idade adulta vem aumentando gradualmente. Muitos desses adultos apresentam dificuldades na abordagem médica e cirúrgica. Um estudo retrospectivo acompanhou, no período de 1980 a 2000, 206 pacientes adultos, entre 18 e 71 anos de idade, portadores de DCC admitidos em um hospital terciário. A mais frequente anomalia congênita identificada foi comunicação interatrial (53%), seguida de defeito do septo ventricular (comunicação interventricular) (11%) e tetralogia de Fallot (11%). Muitos pacientes eram assintomáticos, sendo as queixas mais frequentes dispneia e fadiga. A cianose estava presente em 27 pacientes (13%) e 17 destes foram submetidos a correção cirúrgica (63%). A mortalidade cirúrgica e complicações intra-hospitalares foram um pouco maiores nos adultos do que as relatadas em crianças com lesões cardíacas similares(1–3).

O ecocardiograma transtorácico (ETT) é o exame realizado de rotina para a avaliação das doenças cardíacas, todavia, são conhecidas as suas limitações, sendo a principal delas a janela de estudo limitada. Na avaliação da doença congênita, principalmente no adulto e na identificação de shunts, o ETT, em um número expressivo de casos não firma o diagnóstico, observando-se números altos de falso-negativos. A suspeita clínica é de extrema importância para a definição do diagnóstico e, atualmente, os cardiologistas e clínicos ligados à área indicam o ecocardiograma transesofágico (ETE) para o diagnóstico(3).

Com os avanços tecnológicos e a introdução de novos equipamentos, temos a tomografia computadorizada cardíaca e a ressonância magnética cardíaca (RMC) como métodos não invasivos com a capacidade de diagnóstico de alterações morfológicas e anatômicas de forma não invasiva. No caso das cardiopatias congênitas, a ressonância pode fornecer dados hemodinâmicos com as técnicas em cine-RM e phase contrast (PC), que, quando bem aplicadas, são muito úteis para o diagnóstico(4,5).

Defeito do septo atrial e comunicações interatriais

O defeito do septo atrial é a cardiopatia congênita mais frequente, ocorrendo em 1 para 1.500 nascidos vivos(5). É comumente subdividido em cinco apresentações: 1 – a forma mais frequente é a conhecida como forame oval patente, em que não ocorre o fechamento normal após o nascimento pelo septum primum, se opondo à porção superior da banda límbica; 2 – o ostium secundum é a segunda forma mais comum após o forame oval patente e envolve a fossa ovalis, usualmente relacionado a deficiência de fechamento do septum primum; pode ser único ou múltiplo associado a várias fenestrações; 3 – a terceira forma mais comum de apresentação é a conhecida como ostium primum e ocorre no terço inferior do septo interatrial, abaixo da fossa ovalis e acima dos folhetos malformados das valvas atrioventriculares, isto é, pode estar associado a fissura no folheto anterior da valva mitral; 4 – o tipo menos frequente é o tipo seio venoso, que pode ocorrer próximo à entrada da veia cava superior ou inferior junto ao septo interatrial. Um dado importante é que os defeitos interatriais tipo seio venoso geralmente estão entre a veia pulmonar do lobo superior direito e a entrada da veia cava superior, e neste caso também estão frequentemente associados a retorno venoso pulmonar anômalo envolvendo a veia pulmonar do lobo superior direito, podendo se conectar à própria veia cava superior ou à veia ázigos. No entanto, podem envolver qualquer região próxima às veias do lobo médio e inferior direito; 5 – o defeito septal tipo seio coronário é o mais raro dos defeitos do septo atrial e ocorre quando esta porção do septo está parcial ou completamente descoberto, o que permite a passagem de fluxo pelo seio. Quando isto acontece, deve-se estar atento para o diagnóstico de veia cava superior esquerda persistente e que aparentemente se conecta ao átrio esquerdo (síndrome de Raghib)(2,3,6).

O shunt atrial esquerda–direita, que se dá na presença de defeito no septo atrial, leva a um aumento do volume das cavidades direitas, com ectasia do tronco e das artérias pulmonares. O não diagnóstico ao longo dos anos leva à hipertensão arterial pulmonar, com endurecimento parietal das artérias pulmonares em torno de 5–10% dos casos, podendo ocorrer a inversão do shunt, que passa a ser da direita para a esquerda, pelo aumento de pressão na cavidade direita (síndrome de Eisenmenger)(3).

O papel da RMC

Graças à sua capacidade multiplanar e a possibilidade de estudo anatômico, funcional e de fluxo, esta última, especificamente, pela técnica PC, a ressonância deve entrar como método não invasivo claro e objetivo para o diagnóstico de DCCs no adolescente e no adulto(5), suspeitas ou não conhecidas. Com a maior disponibilidade da RMC em nosso meio, poderá ser utilizada substituindo o ETE em alguns casos.

A possibilidade de correção do defeito do septo atrial via cirúrgica ou percutânea tem sido planejado pela RMC. Durongpisitkul et al.(7) demonstraram que a RMC pode ser útil na mensuração do maior diâmetro do defeito do septo atrial e do seu anel póstero-inferior, com dados semelhantes aos da cateterização cardíaca, o que define anatomicamente o paciente para o fechamento percutâneo.

Alguns defeitos são comumente não diagnosticados pelo ETT, e a RMC tem papel diferenciado e alternativo na caracterização desses raros tipos de shunts no nível atrial. Normalmente são lesões como o defeito septal tipo seio venoso, retorno venoso pulmonar parcial anômalo e defeito septal tipo seio coronário(5,8).

A relação do fluxo pulmonar/fluxo sistêmico (Qp/Qs) pode ser determinado pela cine-PC, pela técnica PC e pela comparação do volume contração (sistólico) nas medidas de volume entre o ventrículo direito e o esquerdo e pela correta mensuração das relações na artéria pulmonar e na aorta. A relação Qp/Qs possui correlação próxima com a oximetria realizada durante a cateterização(5,8,9) .

Na prática, quando do encontro de um defeito do septo atrial, deve-se informar dados que irão indicar a necessidade de fechamento deste defeito. Além dos sintomas, são necessários os dados entre o shunt esquerda–direita. Dados que ratificam a necessidade de fechamento são: diâmetro superior a 5 mm, dilatação do ventrículo direito, retificação do septo interventricular na diástole (causado pelo aumento de pressão secundário ao hiperfluxo) e Qp/Qs maior do que 1,5–2,0, e anormalidades cardíacas ou vasculares associadas(8).

Diante do exposto, nota-se que o protocolo de avaliação desses pacientes deve ser preciso e necessita de varreduras no eixo longo quatro câmaras e no eixo curto de todo o septo atrial, estudo em PC com dois eixos perpendiculares no septo, além do estudo na artéria pulmonar e na aorta, isto associado a uma angio-RM tridimensional T1 com gadolínio. Mesmo com esses protocolos específicos, pode-se ficar na dúvida diagnóstica em defeitos do septum primum, superestimar o tamanho do defeito interatrial ou ter diagnósticos falso-positivos e incapacidade de quantificar anatomicamente defeitos multifenestrados.

No presente caso, a RMC pré-operatória revelou hipoplasia de ventrículo direito, comunicação interatrial tipo seio venoso, com shunt direita–esquerda (Qs/Qp = 2,0), estenose pulmonar supravalvar e disfunção moderada do ventrículo esquerdo, e fração de ejeção de 45%.

Cirurgia e avaliações pós-operatórias

O paciente foi submetido a sangria no período pré-operatório até atingir hematócrito 50%, foi feita correção cirúrgica com circulação extracorpórea, sendo realizadas atriosseptoplastia com patch de pericárdio bovino, plastia da estenose pulmonar e anastomose da veia cava superior com o ramo direito da artéria pulmonar (procedimento de Glenn), com bandagem deste ramo pulmonar. Apresentou sangramento peroperatório normal e não houve necessidade de reposição de hemoderivados. A evolução no pós-operatório imediato foi satisfatória, com boa saturação arterial e drenagem normal, sendo o paciente extubado em poucas horas de pós-operatório.

O paciente permaneceu em anticoagulação plena após retirada dos drenos, mas evoluiu com derrame pericárdico moderado, sendo suspensa a heparina plena. No entanto, houve progressão para derrames pleural e pericárdico volumosos, que necessitaram de drenagem cirúrgica, sendo mantido com enoxiparina dose única diária profilática e corticoide dose baixa (Figura 3A). Após melhora dos derrames, permaneceu desconforto ventilatório com hipoxemia. A angiografia por tomografia computadorizada (angio-TC) identificou trombose no ramo direito da artéria pulmonar, posterior à anastomose com a veia cava superior, que se encontrava pérvia (Figura 3B).

 

 

Retornou-se anticoagulação plena com heparina intravenosa, com controle rigoroso do tempo de tromboplastina no sangue, e associou-se antiagregação plaquetária com ácido acetilsalicílico 100 mg/dia, com boa resposta. Posteriormente, introduziu-se anticoagulação oral com cumarínico e manteve-se a associação com ácido acetilsalicílico. O controle por angio-TC mostrou resolução completa dos trombos e recanalização da árvore arterial pulmonar.

Na RMC, no pós-operatório (Figura 4), foi possível o estudo do fechamento do septo interatrial e do shunt venoso sistêmico/pulmonar de Glenn, com anastomose pérvia e sem alterações.

 

 

Considerações finais

A RMC estará cada vez mais disponível para a prática cardiológica e já se tornou uma importante ferramenta na abordagem de pacientes com cardiopatia congênita, principalmente na avaliação de shunts de difícil avaliação pelo ETT. Em muitos casos irá substituir o ETE no diagnóstico desta doença.

 

REFERÊNCIAS

1. Hannoush H, Tamim H, Younes H, et al. Patterns of congenital heart disease in unoperated adults: a 20-year experience in a developing country. Clin Cardiol. 2004;27:236–40.         [  ]

2. Abbara S, Walker TG. Diagnostic imaging: cardiovascular. Manitoba: Amirsys; 2008.         [  ]

3. Webb GD, Smallhorn JF, Therrien J, et al. Doença cardíaca congênita. In: Zipes DP, Libby P, Bonow RO, et al., editores. Braunwald–Tratado de doenças cardiovasculares. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2006. p. 1489–552.         [  ]

4. Grizzard JD, Judd RM, Kim RJ. Hemodynamic assessment and congenital heart disease. In: Grizzard JD, Judd RM, Kim RJ, editors. Cardiovascular MRI in practice – a teaching file approach. London: Springer-Verlag; 2008. p. 42–8.         [  ]

5. Valente AM, Powell AJ. Clinical applications of cardiovascular magnetic resonance in congenital heart disease. Magn Reson Imaging Clin N Am. 2007;15:565–77, vi.         [  ]

6. Campbell M. Natural history of atrial septal defect. Br Heart J. 1970;32:820–6.         [  ]

7. Durongpisitkul K, Tang NL, Soongswang J, et al. Predictors of successful transcatheter closure of atrial septal defect by cardiac magnetic resonance imaging. Pediatr Cardiol. 2004;25:124–30.         [  ]

8. Wald RM, Powell AJ. Congenital heart disease – indications, patient preparation and simple lesions. In: Kwong RY, editor. Cardiovascular magnetic resonance imaging. Totowa: Humana Press; 2008. p. 537–65.         [  ]

9. Powell AJ, Tsai-Goodman B, Prakash A, et al. Comparison between phase-velocity cine magnetic resonance imaging and invasive oximetry for quantification of atrial shunts. Am J Cardiol. 2003;91:1523–5, A9.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Marcelo Souto Nacif
Rua Tavares de Macedo, 136, ap. 1503, Bloco A, Icaraí
Niterói, RJ, Brasil, 24220-211
E-mail: msnacif@yahoo.com.br / www.msnacif.med.br

 

 

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SRDI) do Hospital Pró-Cardíaco e no Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


 
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